Monday, April 28, 2008

CHORUMBÁTICO

Vamos e voltamos, e encontramos as carpideiras do costume a chorar sobre o leite derramado.
Não há quem lhes pare aquele choro em ondas monotonamente repetidas, até porque muita gente gosta da sarnação. Lambe-se por ela. Se não fosse assim, já teriam os lamentadores mudado de discurso mesmo sem mudar a improdutividade do esforço. Porque é tão estéril a lamentação incontida como a felicitação acéfala.
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Há dias, deixei no Sorumbático um reparo à contínua e generalizada lamentação que se ouve a cada canto onde senta um analista político, acumulando ou não com esta graciosa ocupação de blogger, sem que os perclaros lamentadores encham, de vez em quando, o peito de ar e suspirem uma ou outra ideia que nos ajude a escapar das causas dos seus lamentos e dos nossos desencantos.
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Tive então a inesperada visita de Carlos Medina Ribeiro que me dizia não ser da conta dos críticos proporem alternativas e que, relendo o texto que eu tinha criticado, de João Paulo Guerra, ele não encontrava uma qualquer afirmação susceptível de reparo.
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Eu também não. Geralmente, lêm-se estas lamentações e dá-nos para abanar a cabeça e concordar com o autor. A escrita é fluente, as ideias claras, os assuntos conhecidos, os reparos mil e uma vezes repetidos, apenas sem a eloquência dialética dos críticos. A questão não é serem ou não pertinentes, ou sobretudo parcialmente pertinentes os argumentos trabalhados. A questão é saber como, quando e a que custo poderemos montar uma alternativa, por difícil de montar que seja.
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Hoje voltei ao Sorumbático e comentei de uma eitada os artigos ali editados de João Paulo Guerra e António Barreto:
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Desculpem-me a impertinência do trocadilho mas, lendo João Paulo Guerra e António Barreto, o Sorumbático está mais para os lados do Chorumbático.
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Tivessem feito copy/paste do artigo de Vasco, o Valente, publicado no Público sobre a inutilidade do 25 de Abril, e o coro ficava ainda mais composto em tons graves. Recompus-me do abalo que tanta lamentação provoca ao ler o artigo de Rui Tavares, hoje, no Público: "Força Companheiro Vasco". É um golo lindo!
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Porque, caramba!, isto não estará lá grande coisa mas já esteve bem pior.Para melhorar, chorar não resolve, só desanima. É doentio.O que seria saudável é que a vocação lamentadora a que são propensos tantos comentadores respeitáveis fosse canalizada para a discussão de ideias que pudessem contribuir para nos safar deste vale de lágrimas em que, pelos vistos dos respeitados comentadores, nos encontramos metidos.
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Porque, não tendo eu quaisquer dúvidas de que são capazes de dar uma para a caixa das prescrições, é pena que continuem a repetir-nos os sintomas. Há doentes que adoecem só de ouvir aquelas conversas de sintomas a que são propensos os idosos.
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Se assim fosse, se conversassem connosco também acerca da posologia, até os jacarandás deixariam de se vestir de melancolia e raiariam aos nossos olhos com aquela ponta de garridice que também faz falta à vida.
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Em sequência da amável informação de Carlos Medina Ribeiro, transcrevo de 5DIAS
o artigo de Rui Tavares (Força, companheiro Vasco) a que fiz referência neste post:
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No filme A Vida de Brian, dos Monthy Python, uma das personagens mais estúpidas pergunta “mas afinal, que fizeram os romanos por nós?”. Alguém sugere: “o aqueduto”, “os esgotos”, “as escolas”, “as estradas”, e por aí adiante. O primeiro vai ficando irritado até que finalmente se vê forçado a responder: está certo, mas tirando os aquedutos, os esgotos, as escolas, as estradas, o direito, o comércio, e essas coisas todas — que fizeram os romanos por nós?
Na sua crónica de sábado sobre “O 25 de Abril”, Vasco Pulido Valente [VPV] garante-nos que “tirando as leis que instituíram a democracia, o PREC não deixou uma única reforma necessária e durável”. Com os termos definidos por VPV, em que 25 de Abril e PREC são tratados como intermutáveis, eis de novo a questão de A Vida de Brian: “mas afinal, que fez o 25 de Abril por nós?”.
Só que a resposta de VPV é mais divertida: “tirando as leis que instituíram a democracia”, nada. Por outras palavras: tirando eleições livres e justas, imprensa sem censura, extinção da polícia política, partidos políticos, fim da tortura e dos presos de opinião, liberdade de manifestação e associação, que fez o 25 de Abril por nós? Nada.
Alguém diz: então e a guerra? Eu não sei se o fim da guerra é uma “reforma”: para mim, é melhor do que isso. Ora, diz VPV, o “abandono de África não provocou nenhuma resistência interna, provando a artificialidade do imperialismo indígena”. Pois tirando o fim da guerra, que foram treze anos de “nenhuma resistência interna” mais a “artificialidade” de uns milhares de mortos, temos o quê? Nada.
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E que reformas nos deixou o PREC? Três ao acaso: universalização das pensões de reforma, generalização das férias pagas e Serviço Nacional de Saúde. Mas não sei se cabem na definição de “necessárias” e “duráveis” de VPV. Terá sido a extraordinária diminuição da mortalidade infantil “durável”? Para os interessados, parece que sim. Terão sido necessárias as pensões adicionais? Para o milhão que passou a usufruir delas em poucos anos, sim. E as férias? Essas, como diz toda a gente, são muito necessárias mas pouco duráveis.
Recapitulemos: tirando os recém-nascidos que sobreviveram, os velhos que recebem pensões, os jovens que não foram à guerra e lotaram as universidades, os adultos que gozaram férias e o pessoal todo que viajou para o estrangeiro sem ser “a salto” e nem precisar de passaporte, que fez o 25 de Abril por nós? Nada.
Vasco Pulido Valente tem no entanto razão se pensarmos que em qualquer revolução há sempre coisas que já vinham de antes e outras que ocorrem depois, que a história é uma coisa atrás da outra, e que o resto é conversa. Um exemplo: a entrada na UE não é o 25 de Abril. Mas é muito duvidoso que chegássemos a uma coisa sem a outra. A não ser, é claro, para as mentes retroactivas da direita portuguesa, que ainda lamentam Marcelo Caetano porque nunca deixaram de acreditar que a única maneira de nos aproximarmos das democracias teria sido sempre dar mais tempo aos nossos regimes autoritários.
Em suma: tirando esse pormenor da democracia, tirando a descolonização e tirando o desenvolvimento, que fez o 25 de Abril por nós? Ridiculamente pouco, pelo menos se comparado com Vasco Pulido Valente, que só nos últimos meses já nos garantiu, para além desta pérola, que Menezes chegaria a primeiro-ministro e Mitt Romney seria o próximo presidente dos EUA.

4 comments:

Carlos Medina Ribeiro said...

Muito grato pela referência ao "Chorumbático" (nome muito bem apanhado!).

Lá, respondo às suas questões, nomeadamente referindo que os textos de VPV e de Rui Tavares não estão disponíveis para "copy/paste" (*).

E, mesmo que estivessem, no caso do 1.º seria preciso autorização, pois estão protegidos por direitos de autor e de edição.

Há-de reparar que alguns textos só são afixados mais tarde (em relação à data de publicação em papel). É o acordo feito com os autores/editores. O Nuno Crato, p. ex., pede 3 dias de intervalo.

Além disso, os textos afixados são, em 75 ou 80%, crónicas publicadas noutros lados, pelo que o Sorumbático é feito com o que há - e não com outra coisa diferente.

Quando muito, na parte em que eu entro, procuro meter umas larachas e uns passatempos - precisamente para "aliviar".
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(*) Se souber onde estão, envie-mos, por favor (especialmente os do R.T., de cuja transcrição tenho autorização).

Carlos Medina Ribeiro said...

Volto aqui, só para o informar de que acabei de "encontrar o Rui Tavares". Está no blogue «5 dias», e espero que se mantenha por lá, para eu poder voltar a transcrever as suas saborosas crónicas - como durante tanto tempo fiz.

(No Sorumbático estão com 'etiqueta' «RT»)

Rui Fonseca said...

Caro Carlos Medina Ribeiro,

Obrigado pela informação.

Também vou transcrever.

João Vaz said...

Concordo com o Rui Fonseca: estamos fartos de críticos negativistas, só sabem dizer mal de tudo e mais alguma coisa.