Sunday, August 31, 2014

O PREÇO DO MEDO

Já várias vezes anotei neste caderno de apontamentos a minha estranheza pela generalizada ausência de intervenções dos partidos políticos, de todos os quadrantes, ou de comentários nos media ou nos blogs, a respeito da desmesurada dimensão das forças armadas que temos após 40 anos do fim da guerra colonial. Regra geral, as intervenções políticas, da esquerda à direita, são de encarecimento do papel das forças armadas enquanto garante da soberania nacional, mas são afirmações redundantes porque ninguém recusará atribuir à missão das forças armadas o seu justo valor. Aparentemente, pelo menos, há, quanto a este tema, da parte dos partidos políticos em Portugal uma reserva de submissão que pode decorrer de receio de eventual sublevação militar  que remete este assunto, de enorme importância, para os arquivos dos tabus com carimbo de "explosivo perigoso". Dito de outro modo, o dossier militar parece censurado pelo medo de ser tocado sequer.

É verdade que as forças armadas têm vindo a ser reestruradas, aumentando-lhe o peso qualitativo e reduzida a dimensão quantitativa, nem sempre da forma mais adequada - o fim do serviço militar obrigatório foi, do meu ponto de vista, um erro que fere gravemente a obrigação cívica de todos os portugueses na missão de defesa -, mas é flagrante a desproporção da dimensão quantitativa das forças armadas portuguesas no contexto da Nato, a organização de que Portugal é membro fundador e, fora da qual, nenhuma estratégia de defesa faz hoje sentido. 

Ainda anteontem, e mais uma vez, aquela desproporção foi ressaltada num orgão de grande difusão internacional, o Financial Times, na realidade o mais difundido, a propósito do conflito na Ucrânia - Ukraine: Russia´s new art of war.

 

Este gráfico é surpreendente porque evidencia enormes disparidades no esforço dado pelos diferentes membros a uma causa comum: a defesa conjunta de todos eles relativamente a blocos estratégicos eventualmente inimigos. Lê-se este gráfico e pergunta-se, por exemplo: Por que é que o Luxemburgo, que detem o quarta lugar de país com mais elevado PIB per capita no ranking do PNUD - vd. aqui, pag. 160 -, é aquele que contribui com menos esforço relativo no âmbito da Nato? Por que é que Portugal está acima do esforço médio, um esforço superior ao da Itália, da Dinamarca, da Alemanha, da Holanda, da República Checa, do Canadá, da Bélgica, de Espanha, entre outros? Por que é o esforço de Portugal é apenas superado pelos EUA,  Grécia e Turquia (membros inimigos latentes entre si) , Reino Unido e França? 

O esforço de Portugal será de cerca de 2,3% do PIB (0,3% acima do objectivo!), o de Espanha cerca de 0,9%. A diferença entre os dois países ibéricos é de 1,4%. Se a relação fosse inversa, por aplicação de um critério de progressidade, Portugal pouparia anualmente 1,4% do PIB no seu esforço de defesa integrado na Nato.

Haverá alguém que me possa explicar porque não, se for inválida a minha explicação do "medo dos militares" que sustenta a censura interna a uma discussão livre do assunto? 

Saturday, August 30, 2014

O JOGO DA CABRA CEGA


Aqui, até mais ver,

"Jardim escapou, os seus "cinco magníficos" não. Pinhal, Beck, Alípio, António Rodrigues e Castro Henriques nada ganharam com a prescrição de Jardim Gonçalves: juiz confirmou sanções aplicadas pelo Banco de Portugal."








CHIHULY


Duchamp
Chihuly
J Vasconcelos

Thursday, August 28, 2014

FUNDO DE QUÊ?

Chamam-lhe "Fundo de Resolução" e, supostamente, deveria evitar que não continuassem a ser pagos  pelos contribuintes os riscos das operações realizadas pelos banqueiros. A ideia foi muito aplaudida mas, instantes depois, acumulavam-se as dúvidas sobre tanta bondade da medida. Primeiro, o "Fundo de Resolução" não ia além dos 350 milhões quando se soube que o "Novo Banco", em consequência dos prejuízos conhecidos no fim de Julho, e que atingiam os 3,6 mil milhões de euros, não se aguentava sem um reforço de capitais de 4,5 mil milhões de euros. Depois, o governo assumiu, em nome dos contribuintes, entrar o Estado com o que faltava ao "Fundo de Resolução", e que era quase tudo. Depois os banqueiros disseram que não senhor, o Estado, isto é, os contribuintes, não tinham que adiantar tanto dinheiro porque eles,  banqueiros, entrariam com mil milhões. Afinal, segundo o que hoje se soube -vd. aqui *-, os banqueiros estavam a brincar com o pagode e são os contribuintes que, como sempre, põem o pescoço no cepo.

Por contas feitas noutro local, os contribuintes só seriam poupados a mais esta infâmia (quem tiver melhor adjectivo faça favor de o usar) se o "Novo Banco" fosse vendido por 4,9 mil milhões de euros. Como anotei neste bloco de apontamentos, logo no início desta bernarda, um tal objectivo é inatingível, mesmo considerando a grande competência de quem o lidera.

Resumindo: Além do mais, com este contributo, a  dívida pública encontra-se cada vez mais longe do seu ponto de retorno. E os principais culpados impunes.

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* O adiantamento realizado pelo Estado, através do Tesouro, será agora reembolsado pela banca depois de o acordo hoje estabelecido entre os bancos e o Fundo de Resolução bancário, através do qual os bancos vão conceder um empréstimo, já não de 635 milhões de euros, mas de 700 milhões de euros ao Fundo gerido pelo Banco de Portugal.
No comunicado hoje divulgado pela Associação Portuguesa de Bancos (APB), a instituição liderada por Faria de Oliveira confirma que "foi celebrado um contrato de empréstimo entre o Fundo de Resolução e um conjunto de bancos", referindo que são oito as instituições envolvidas (Caixa Geral de Depósitos, BCP, BPI, Santander Totta, Crédito Agrícola, Montepio, BIC, Banco Popular) a conceder um crédito de 700 milhões de euros.
Segundo a mesma entidade, desse valor, parte servirá para "pagar ao Estado o adiantamento que fez por conta dos Bancos, no valor de 635 milhões de euros, para efeitos de realização do capital social do Novo Banco".
Já os restantes 65 milhões de euros servem para que o Fundo de Resolução tenha folga financeira para "assegurar o pagamento futuro de juros devidos pelo Fundo de Resolução ao Estado, nos termos do Contrato de Empréstimo do Estado".
No fim de semana em que o Banco de Portugal pôs um fim ao BES, tal como o banco era conhecido, decidiu criar o Novo Banco, em que ficam os ativos e passivos considerados não problemáticos do BES e que seria capitalizado com 4,9 mil milhões de euros através do Fundo de Resolução bancário.


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Wednesday, August 27, 2014

CONTAS DE NINGUÉM

Em 30 de Julho foi tornado público que os prejuízos do BES em 2013 tinham atingido os 3,6 mil milhões de euros. Até hoje, pelo que é dito aqui, as contas ainda não foram assinadas pelos corpos sociais  em exercício naquela data, ainda que as decisões tomadas pelo Banco de Portugal tenham tido por fundamento essencial aqueles resultados. Mais: Os auditores da KPMG recusam-se a certificar as contas antes das mesmas serem assinadas.

E agora?

A situação está longe de ser original. O que não se percebe é a dificuldade, se dificuldade existe, do Banco de Portugal fazer cumprir a lei. Ou será que para lá destas "contas de ninguém" há um qualquer vazio legal descoberto pelos advogados de serviço por onde se querem escapar os responsáveis pelos resultados? Se for o caso, o BES promete durar, enquanto mono bancário, durante décadas.

E, como é da praxe, só é preso quem rouba, mas pouco.

Tuesday, August 26, 2014

OS GOULÕES

O meu amigo H. remete-me com alguma frequência artigos de jornalistas, cronistas ou artífices de obras afins, exclusivamente apologistas do combate aos israelitas, venham os combatentes de onde vierem. Suponho que o H. esteja convencido que eu seja tão dedicado aos judeus como ele ao Benfica, desconfiando sempre que, apesar da ausência de evidências, eu escondo uma secreta paixão pelo Sporting. Normalmente, são psicólogos sociais que o dizem, a condição humana opta desde muito cedo por posições políticas, desportivas ou religiosas, geralmente estáveis ao longo da vida, sendo anormais, no sentido que exorbitam da regra geral, e suspeitos, os que vieram ao mundo desprogramados dessas paixões serôdias. Não apenas por laracha, se vangloriam aqueles adeptos, seja do que for, de admitirem mudar de mulher (ou de homem) mas de clube, nunca! E as estatísticas dão-lhes largamente razão onde o divórcio não for condenado pelos credos religiosos.

Hoje o H. enviou-me por e-mail este testemunho de acusação do expansionismo israelita perpretada através de sucessivas limpezas étnicas, agora continuadas nos ataques terroristas a Gaza. Este e outros textos com conclusões idênticas nunca admitem a mínima razão do lado de Israel. Mais: por detrás de Israel pairam sempre os interesses abomináveis dos norte-americanos e, frequentemente, a  traição egípcia. Admitamos que são pertinentes todos os argumentos e consistentes todas as conclusões destes acusadores de Israel. 

Mas como explicam estes pretensos defensores da causa árabe (qual delas?) as atrocidades cometidas pelos islâmicos entre si, pela guerra sem tréguas entre sunistas e xiitas, que apenas concordam (os que concordam, mas é desses que trata o artigo de J. Goulão) na eliminação de Israel? Como explicam o vandalismo cada vez mais feroz dos talibãs, da Al Qaeda e do Exército Islâmico que destrói barbaramente memórias da cultura histórica dos seus povos?

Os palestinianos têm, sem dúvida, direito a uma pátria. Mas tem esse direito, necessariamente, que concretizar-se sobre a dizimação ou expulsão de mais de oito milhões de pessoas de um território onde a esmagadora maioria nasceu? Perguntem isso a qualquer fundamentalista islâmico, nascido árabe, persa, inglês, francês, ou português até, e ele aprontará imediatamente a arma para provar que sim. E os goulões, aqueles que, sentados nas bancadas, se excitam até ao auge mais com as derrotas dos  adversários que elegeram do que com as vitórias das hostes que adoptaram,  infinitamente menos perigosos mas igualmente embalados pelas opções marcadas à nascença, que resposta têm?

Presumo que não têm resposta.

Monday, August 25, 2014

UM TIPO ESQUISITO


Os antepassados dos caranguejos ferradura (horseshoe crabs para amigos e conhecidos) já existiam há 450 milhões de anos, muito tempo antes da idade dos dinossauros.
Deslocam-se desajeitadamente, e é difícil perceber porque desenvolveram aquela cobertura que parece imitar, por suprema inversão temporal, uma armadura da Idade Média. A cauda, diz-me quem os conhece de longa data, serve para os auxiliar a retomar a posição natural, se por qualquer circunstância se vêm de patas para o ar,  e defender-se de predadores.  
Têm sangue azul, e esse sangue salva muitas vidas humanas. Quem quiser saber por quê, ff. de ver aquiaqui, por exemplo.

Foram-nos apresentados ontem. Tivemos muito gosto em conhecê-los, senhores horseshoe crabs!

COISAS DE OUTRO MUNDO

Entro numa livraria, só livros em segunda mão, concluo pouco depois, percorro a vista pelas estantes a ocupar um tempo de espera, e retiro um exemplar ainda com razoável aspecto, de um diário do embaixador dos EUA em Nova Deli, entre 1961 e 1963, nomeado por Kennedy - "Ambassador's Journal: An American view of India" -, de John Kenneth Galbraith.
Dez dólares. Decido comprá-lo, além do mais, por coincidir com o fim da presença portuguesa na Índia após a invasão (libertação, para os indianos) dos territórios de Goa, Damão e Diu em 18 e 19 de Dezembro de 1963.

- Quanto custa?, pergunto, já com dez dólares na mão, para saber quanto eram as taxas, nos EUA os preços são indicados sem taxas.
- Dez dólares.*
- Na venda de livros em segunda mão não são cobrados impostos?, estranhei eu.
- Não senhor. Nem livros em segunda mão, nem novos, nem o seu almoço, se cá almoçar, nada no Delaware paga imposto de consumo.
- Só o rendimento paga impostos, é isso?
- Sim senhor. É por isso que vem muita gente de Estados vizinhos, da Pensilvânia, por exemplo, vêm aqui fazer as suas compras de televisores, máquinas de lavar roupa ou de lavar louça, de seja o que for.
- Então deve ser elevado o imposto sobre o rendimento?
- É aceitável.
- Como pode o Delaware prescindir do imposto sobre o consumo e outros Estados, por exemplo a Califórnia, terem défices que os colocam à beira da bancarrota?
- Ah! Isso não sei dizer-lhe.

Eu também não. Mas vou tentar saber.
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* Curiosamente o mesmo livro, também usado, está à venda na Amazon por 710 dólares.
É o que pode chamar-se um negócio do Delaware...


Sunday, August 24, 2014

O IMPÉRIO DO MEDO

- Essas afirmações não devem ser feitas em público, aconselham-me num país que nasceu pela liberdade e se fez grande em liberdade. E fico atónito. Como pode o terror instalado por fanáticos condicionar aqui a liberdade de expressão que, no caso, mais não é que questionar-se acerca das razões que podem sustentar uma evidência estatística?
- Rui, o teu apontamento é perigoso, para não dizer incendiário! avisa-me, (com mais que evidente exagero, quem sou eu para ser capaz de incendiar?), do outro lado Atlântico, (vd. comentário à minha nota anterior), o Francisco, filósofo, meu amigo de longuíssima data.

Como poderia eu, amigos meus, que prezo a liberdade como o valor moral essencial à aquisição de todos os outros, colocar-me alguma vez ao lado dos que defendem o império do medo?


Friday, August 22, 2014

A OUTRA COSTELA

A longa guerra israelo-árabe parece interminável.
As sugestões para alcançar a paz são muitas, as tentativas poucas e débeis, de qualquer modo já foram atribuidos até agora nada menos que cinco prémios Nobel a título de grandes contributos para a paz no Médio Oriente: em 1978 a Mohamed Answar El-Sadat (presidente égípcio, que seria assassinado por fundamentalistas islâmicos três anos depois) e Menachem Begin, primeiro-ministro de Israel; em 1994, a Yasser Arafat, presidente da Autoridade Nacional Palestina, Shimon Peres e Ytzhak Rabin, primeiros-ministros de Israel. Para além de outros também envolvidos em esforços pela paz naquela zona do globo.

Como em qualquer conflito internacional, extremam-se as posições dos cidadãos comuns observadores externos sem nenhuma influência nos percursos da guerra. Regra geral, apoiam os palestinianos aqueles que, por uma razão ou outra, são críticos do domínio norte-americano, e vêm em Israel um posto avançado desse domínio no meio do mundo islâmico. Alinham por Israel aqueles, entre os quais me me incluo, que, olhando para a enormíssima desproporção de territórios e populações envolventes que ameaçam ou apoiam a ameaça da sua destruição, reconhecem-lhe o direito vital de se defender.
Têm os palestinianos direito a um território que seja a sua pátria? Sem dúvida.
Têm os judeus a um direito igual? Como negar-lho?
Se dois direitos são igualmente legítimos sobre o mesmo território, a única forma consentida pela lógica e pela física é a constituição de uma pátria israelo-palestiniana (ou vice versa) comum.
Mas esta é uma solução que os extremistas do Hamas, incitados pelo fundamentalismo islâmico apostado em dominar o mundo, liminarmente rejeitam, reclamando o fim da ocupação israelita, isto é, a expulsão dos judeus da terra que constituiu ao longo dos milénios em que foram obrigados a peregrinar pelo mundo a sua pátria de referência.

Não cabem, portanto, numa ponderação que rejeite em absoluto quaisquer argumentos, mais ou menos capciosos, de superioridade rácica de um povo sobre os restantes*, outras razões que não decorram da impossibilidade de alcançar a paz sem a coabitação dos povos envolvidos no conflito, eventualmente garantida durante o tempo julgado necessário por forças de intervenção da ONU no terreno.

Mas se é absurdo, e, mais que absurdo, detestável, porque relembra propósitos fundados em ideologias racistas, de que os judeus foram vítimas através da sua longa história de quatro milénios, não é racionalmente aceitável, por eventualmente politicamente incorrecto, que se ignore o sucesso dos judeus no meio de uma travessia frequentemente assaltada por perseguições e genocídios. É um facto ineludível que cientistas com ascendentes judeus têm contribuido, mais que nenhum outro, para os avanços da ciência observados nos últimos cem anos. Mas foi sempre assim?
Antes de mais, importa relembrar que a condição de "povo judeu" não se estabelece no mesmo plano de "povo americano" ou "povo português". A grande maioria dos galardoados de ascendência judaica por contributos relevantes para o avanço das ciências nasceu ou residiu, ou reside, nos EUA, sendo portanto jus solis ou por naturalização norte-americanos. Se essa fosse a intenção, o sucesso do "povo judeu" deveria comparar-se com o sucesso do "povo católico" independentemente das diferentes nacionalidades envolvidas em cada grupo. Mas a questão, como anotei ontem aqui é outra, a que não se responde fingindo ignorá-la: a que se deve o sucesso no campo científico dos descendentes judeus?

Importa, desde logo, referir que, tendo o povo judeu (ou a religião judaica, porque o judeu se caracteriza por pertencer originalmente a um grupo étnico que professa a religião judaica, admitindo no entanto no seu seio convertidos  e excluindo os convertidos a outras religiões) cerca de 4000 anos, o seu ascendente científico é relativamente tardio.

Os mais destacados pioneiros da teoria científica surgiram na Grécia (Tales de Mileto - c. 624 AC, Pitágoras - 580-500 AC, Zeno - c. 450 AC, Euclides - 323-285 AC, Arquimedes - 287-212 AC, além de outros), na China, Liu-Hui, - c.263 DC,  determinou o valor de pi com 4 decimais, Tsu Ch´ung-Chih e Tsu Keng-Chih, também chineses, no sec V DC, determinaram o valor de pi, com 7 decimais. A invenção do zero no sec. VI AD, é produto das civilizações chinesas e hindus, ibn Yhahya al-Samaw´al, no sec XII foi o primeiro a teorizar sobre o valor do zero. Note-se que al-Samaw´al nasceu em Fez, Marrocos, professava a religião islâmica mas seu pai era judeu. É ainda no fim do sec VI, princípios do sec VII que  hindus, com particular destaque para os tratados de Brahmagupta, tornam a álgebra  um ramo separado nas matemáticas. A história das matemáticas na Índia é cheia de exemplos de pessoas, algumas das quais, não académicos, possuiam uma extraordinária intuição matemática. Mas foram os islâmicos que unificaram o pensamento matemático de civilizações anteriores, desde a álgebra e aritmética tradicionais da Babilónia, da Índia e da China com as contribuições da geometria grega e helenística. Muhammad bin Musa al-Khuwarazmi (sec IX). persa, foi o fundador da álgebra tal como a conhecemos hoje. O nome álgebra deriva do título do seu compêndio. No sec XII, Al-Samaw´al, islâmico, filho de um judeu,  rabi de Marrocos, foi o primeiro a usar símbolos nos cálculo algébricos.  Durante seis séculos foi no Islão que floresceu a ciência. Copérnico (1473-1543), nascido em território actualmente polaco, realizou os seus estudos astronómicos a partir dos desenvolvimentos teóricos realizados no campo da trigonometria pelo persa Al-Tusi no sec XIII.

A partir do sec XVI o desenvolvimento do conhecimento científico transfere-se para a Europa mas nenhum dos grandes construtores da matemática até ao sec. XIX   (Napier, Pascal, Leibnitz, Berkeley, Isaac Newton Euler, Galois, Bolle, Cantor) tinha antepassados judeus.

Por quê, então, a tão flagrante quanto inusitada prevalência judaica nas listas dos vencedores dos prémios Nobel de ciência, atribuidos desde o primeiro ano do sec. XX?  Provavelmente existem muitas explicações mas, do meu ponto de vista, deve excluir-se, não por ser eventualmente politicamente incorrecta, mas por que nem a biologia nem a observação empírica o confirmam, qualquer superioridade rácica. E se a diferença não está no tipo de indivíduos terá de existir nas circunstâncias envolventes ao grupo: a religião que os incita a demonstrar que são parte do "povo eleito" e o ambiente de florescimento científico observado nas universidades dos EUA, o país que acolheu a grande maioria deles.
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Correl. - aqui
Comentei: Admitamos que a sugestão (aqui) BSS é ridícula, estúpida, sem sentido, enfim o que HM quiser. Qual é a sua? Esperar que se dizimem uns aos outros?
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Hamas fuzilou hoje 18 homens acusados de espionagem
À esquerda, rapaz na casa da família, destruida num ataque de Israel à cidade de Gaza

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Thursday, August 21, 2014

COM COSTELA DE JUDEU*

Passos Coelho disse há dias no discurso do Pontal que "o PSD tem inscrito no seu ADN a defesa dos interesses do país acima de quaisquer outros". Mas não disse que é o único partido que pode vangloriar-se dessa metafórica inscrição patriótica, até porque seria uma afirmação indemonstrável. Como é legítimo supor-se que não há partido nenhum que se vanglorie do contrário, a afirmação do lider do PSD foi apenas uma dessas tiradas demagógicas que excitam os adeptos mas não provam nem projectam nada. 

É hoje em dia muito frequente o uso metafórico do ácido desoxirribonucleico (ADN), uma molécula que incorpora instruções genéticas que activam o desenvolvimento de todos os organismos vivos conhecidos e muitos vírus, e a sua transmissão hereditária. Cientificamente, o ADN correlaciona os membros de um qualquer grupo de seres vivos  se existirem ligações biológicas ascendentes entre eles, sendo possível identificar as ligações dos membros de um grupo biologicamente caracterizável e a evolução desse grupo ao longo do tempo e do espaço. Provavelmente o grupo humano mais estudado até hoje é o geralmente denominado "povo judeu". Na Wikipedia, a entrada - Genetic Studies on Jews - é suficientemente esclarecedora da diáspora judaica. 

Vem todo este arrazoado a propósito da atribuição - cf. aqui -  à iraniana Maryam Mirzakhani do prémio "Fields" considerado o "Nobel"  da matemática. O que espantou, ou maravilhou,  a comunidade científica mundial foi o facto do "Fields" ter sido atribuido pela primeira vez a uma mulher e iraniana, condições que a inscrevem duplamente nos records da história da ciência. Maryam Mirzakhani é hoje professora nos Estados Unidos mas a sua formação universitária decorreu, até ao doutoramento, no seu país natal. Considerando as restrições à emancipação feminina na generalidade dos países islâmicos e, particularmente, no Irão, a fulgurante ascensão de Maryam é, a todos os títulos, notável.

Mas se as circunstâncias foram espantosamente ultrapassadas por Maryam, em que medida é que algumas marcações no ADN nos membros de um grupo, biologicamente relacionados entre si, ainda que remotamente, espacialmente dispersos em sub grupos, sobrelevam com uma frequência notável as circunstâncias no sucesso científico de um grupo de indivíduos?
.
Judeus ou descendentes de judeus laureados com Prémio Nobel - cf. aqui- apresentam um sucesso impressionante relativamente ao número total de indivíduos do grupo, o que continua a colocar uma questão antiga ainda sem resposta aceitável: A que se deve o ascendente científico, medido em termos de prémios Nobel, dos judeus sobre os outros povos? O ADN? A religião, que os motivou, e motiva,  a cumprir o seu destino de povo eleito na Terra, tal como a doutrina calvinista da predestinação motivou os povos do Norte da Europa?

(Continua)
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Correl.-  Cristiano Ronaldo tem costela cabo verdeana
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* Este apontamento e o seguinte foram suscitados por um e-mail recebido há uns dias, mas que circula na internet há já bastante tempo, confrontando o sucesso científico dos judeus  traduzido na extensa lista de  prémios Nobel atribuidos com a lista quase em branco de prémios Nobel atribuidos a islâmicos. Com estes apontamentos, procuro demonstrar que se trata de uma perspectiva errada de observação do conflito que opõe israelitas e palestinianos, agora perigosamente potenciado pela intervenção desenfreadamente fanática e generalizada do "Estado Islâmico".

Wednesday, August 20, 2014

E SE DECRETÁSSEMOS O FIM DO CAVAQUISMO?

E se decretássemos o fim do Cavaquismo?
Pergunta, e decreta,  o prof. Pedro Lains num ensaio publicado aqui.
Comentei aqui.
 
Prof. Pedro Lains,

Leio e releio o seu texto e surpreende-me que atribua ao prof. Cavaco Silva responsabilidades, e alguns méritos, suponho, de quase tudo o que terá acontecido neste país desde a adesão ao euro, implicitamente desvalorizando totalmente os governos dos engenheiros Guterres e Sócrates e só muito tenuamente admita algumas responsabilidades de Mário Soares e, usando os seus termos, da linhagem histórica socialista. Tamanha quase exclusividade de responsabilidade assacada ao prof. Cavaco Silva parece-me decorrer mais de uma aversão pessoal do que de uma apreciação isenta de um economista historiador (ou vice versa). O exagero é o maior desvalorizador mesmo de um bom argumento. 

Passando da apreciação histórica dos factos (que só a História sedimenta) para as suas propostas, a minha surpresa aumenta.

Primeiro - Propõe, e cito, que "os departamentos onde se estuda a teoria económica deveriam contratar (ou contactar) cientistas políticos, historiadores, sociólogos, antropólogos, para estimular a discussão social e política no seu interior."

Admitindo, benevolentemente, que se trata de um bom ponto de partida, pergunto: Os departamentos a que alude não são livres de contactar outros cientistas sociais em funções em departamentos homólogos? Perguntando de outro modo, não são os cientistas sociais, historiadores, sociólogos, antropólogos, deste país, já investigadores pagos pelo OE? Ou, ainda de outro modo, por que esperam?

Segundo - Propõe que sejam "alteradas as relações entre o poder financeiro e os órgãos de comunicação social, alteração que deve partir dos dois lados".

Não é ingenuidade a mais esperar que as relações (que eu interpreto como dependências) dos orgãos de comunicação social relativamente ao poder financeiro sejam alteradas por mera vontade das partes? Ou percebi mal?

Terceiro - Propõe "a monitorização de reuniões entre banqueiros e políticos, que deveriam ser públicas, com comunicados sobre as matérias abordadas e respectivas conclusões. Fora delas, não devia haver encontros ou confraternizações".

Aqui, Caro Prof. Pedro Lains, o meu espanto é total. E perdoe-me perguntar-lhe: Em que mundo tem vivido?

Quarto - Propõe "uma maior intervenção do Governo junto dos reguladores, para coordenar o seu trabalho, dentro e fora de fronteiras, e para lhes dar maior protecção política."

Fico confuso porque acredito que a actividade de regulação só será eficiente se existirem mecanismos que obstem à captura dos reguladores pelos regulados. Ora a sua proposta não me parece confrontar-se com a inevitabilidade que referi. 

Quinta - Propõe "mudar a política oficial relativamente aos países menos transparentes de onde vêm grandes fluxos de capital."

Percebo onde quer chegar, e concordo consigo.
O problema é que eles já cá estão dentro, e muito dentro.
Tem alguma ideia para os retirar ou, pelo menos, parar de avançar? Aí é que está o busilis da questão, caro prof. Pedro Lains.
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Extra comentário - Venham mais cinco!



Tuesday, August 19, 2014

AMBIVALÊNCIAS DA CIÊNCIA

Anteontem anotei aqui a determinação de Jeffrey Bezos de usar drones na distribuição de encomendas feitas à Amazon. Segundo Bezos, 86% dessas encomendas podem ser entregues via drones. Mas a intenção está a suscitar - vd. aqui - reacções muito desfavoráveis e não tem, por enquanto, autorização para avançar com ensaios de campo.

No entanto, segundo previsões do Businesse Insider o  mercado de drones na próxima década atingirá, em valores acumulados, 95 biliões (milhares de milhões) de dólares, dos quais  12% serão utilizados em fins comerciais. Se assim for, Bezos terá certamente garantido a legalidade e o sucesso comercial do seu projecto drone.


As previsões do Business Insider reportam-se a duas utilizações dos drones: fins de defesa e comerciais. A  minha nota de anteontem sobre o tema mereceu um contributo na caixa de comentários que deve ser evidenciado porque refere uma reportagem publicada em Maio passado no Guardian, aqui, sobre a uso de drones  por  biólogos para observar aves protegidas, algumas em risco de extinção. 

Um uso que não parece estar considerado nas previsões do BI, mas que pode ser alargado a outros fins de defesa não militar.



Monday, August 18, 2014

PARA UMA HIGIENIZAÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL

Não é a primeira vez que venho colocar-lhe algumas dúvidas que o assunto e os seus comentários sobre ele me sugerem. Uma dessas dúvidas  prende-se com o que pode ler-se a pags. 55 do Relatório do Orçamento de Estado para 2014, datado de Outubrode 2103, que, transcrevo, afirma:

"De acordo com as projeções divulgadas em 2012 pelo grupo de trabalho da Comissão Europeia que acompanha as matérias relacionadas com o impacto do envelhecimento da população na despesa pública, em particular em pensões, estima-se que, no período 2010 - 2060, Portugal será um dos países onde o  risco do aumento do peso da despesa com pensões ameaçar a sustentabilidade do sistema será menor "

Há engano? Consultei o relatório de erratas, aliás longo, e não encontrei nenhuma emenda à cit pag. 55.
Como cidadão comum, não tenho possibilidade de calcular a sustentabilidade da  Segurança Social a longo prazo.  Tenho, portanto, que ajuizar en função das informações oficiais disponíveis. E estas não podem ser mais confusas, incluindo as conclusões expressas no relatório do Tribunal de Contas recentemente publicado.  A propósito, lê-se hoje no Negócios on line que o Governo poderá estar a preparar-se para manter a CES em 2015 uma vez que o Tribunal Constitucional chumbou a CS. Se assim for, as intenções persecutórias deste Governo contra um grupo de cidadãos,  os reformados, não poderão ser mais evidentes.

Mas admitamos que o sistema de reformas e pensões tem de ser, mais uma vez, reformado. Para trás e para a frente, isto é, para as prestações em curso e as prestações futuras. Do meu ponto de vista a forma mais higiénica de equacionar a questão consiste em começar por lavar as situações não limpas. E que situações são essas? Pois bem, são todas aquelas que beneficiam descaradamente carreiras curtas, geralmente maquilhadas nos anos anteriorores à reforma ou dadas de graça em determinadas circunstâncias. Quero com isto dizer que só a consideração de toda a carreira contributiva pode ser uma base limpa para recalcular, para trás, e calcular, para a frente as reformas e pensões. Não é exequível o recálculo do ponto de vista administrativo? Não acredito.

Por outro lado, a confusão acerca da insustentabilidade não pode ser maior: Onde é que mora a insustentabilidade? Do lado dos contributivos privados? Lendo os relatórios da Segurança Social as conclusões afirmam que continua superavitária, apesar da crise. Do que me é dado perceber o défice está do lado das pensões a cargo do Estado e  das pensões  pagas a não contributivos, o que dá no mesmo, devem ser suportadas por impostos. Querer que seja apenas uma parte da população - contributivos - a pagar os benefícios sociais atribuidos pelo Estado fere frontalmente o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

De modo que, a mim me parece que, para completa higienização do sistema, a segurança social dos contributivos deve sair da alçada do OE e passar a ter uma gestão autónoma com representantes do Estado, das empresas e dos trabalhadores contributivos.

Finalmente, dois reparos acerca do cartoon:  Um - Pelo que atrás referi há muita gente a quem são pagas pensões que não são tão velhos como isso. Aliás, alguns são figuras públicas, os casos são conhecidos, reformaram-se na flor da idade produtiva e continuam a trabalhar, alguns para o mesmo patrão, o Estado.

Dois - A redução do rácio contributivos/não contributivos é a longo prazo globalmente inelutável. A produtividade continuará a aumentar, agora sobretudo nos serviços, o que significa um progressivo decréscimo de postos de trabalho. É uma questão de tempo. Dir-me-á que a inovação irá continuar a criar emprego, pois vai, mas não aumentará a capacidade de consumo até ao infinito porque o dia nunca terá mais que 24 horas. (Só é infinita a capacidade de destruir).
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Comentário colocado  aqui

NÃO SERVE DE FACTURA*

As tácticas adoptadas pelo Governo para obrigar restaurantes e mais algumas actividades, geralmente relapsas, a encaminharem-se para o cumprimento do pagamento do IVA, parece estarem a dar bons resultados. Talvez fosse agora a altura para adoptar uma táctica complementar: a de assumir a redução da taxa no semestre seguinte se a receita atingida no semestre em curso atingisse o nível previsto no OE. A fixação de um “objectivo colectivo” poderia, creio eu, induzir as associações dos respectivos sectores a promoverem uma maior responsabilização por parte dos seus associados. Ou, pelo menos, retirar-lhes-ia alguns argumentos de reinvidicação. 

Por outro lado, o sistema actual ao confirmar a prática anterior de um documento que “Não serve de factura” dá lugar a duas formas de evasão: primeiro, porque motiva a pergunta “Quer factura?”, depois porque ao implicar a indicação do número de contribuinte na factura, implicitamente isenta desse controlo as despesas pagas por estrangeiros. 

Não conheço nenhum país onde o controlo do pagamento do IVA seja realizado através da indicação do número de contribuinte. O normal é a apresentação da factura com o valor do IVA liquidado, sem qualquer outro documento pró-forma, para além, do talão de pagamento por cartão de débito ou de crédito, se for o caso. Como é que eles fazem? As taxas crescentemente elevadas são sempre, já se sabe, crescentemente motivadoras de evasão. O sistema actual pode ser eficiente mas recuso-me a aceitar que não haja uma forma pelo menos igualmente eficiente mas mais civilizada.

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*Comentário colocado aqui

Sunday, August 17, 2014

DRONES CORREIOS

Vai longe o tempo em que os pombos correios levavam mensagens em circunstâncias que mensageiros montados não conseguiriam ultrapassar. Depois, a evolução dos meios de transporte dispensou os equídeos e os pombos correios passaram a ver os seus talentos dedicados a competições columbófilas. 

Recentemente, Jeffrey Bezos, o criador da Amazon deve ter-se lembrado dos pombos correios quando olhou para as artes dos amantes do aeromodelismo, e decidiu ir por aí para continuar a revolucionar a economia da distribuição. Em Dezembro tinha anunciado o projecto de utilização de drones, em Abril, durante a assembleia geral de accionistas da empresa confirmava que o projecto era para ir por diante, há duas semanas confirmou ter solicitado à Federal Aviation Administration autorização para realizar ensaios de campo numa área propriedade da Amazon. Se essa autorização não for concedida, Bezos irá montar a ideia noutro país.

Num artigo publicado na Forbes - Six things you should know about Amazon´s drones - além de respostas a dúvidas comuns que o assunto suscita há um vídeo que ilustra bem a simplicidade deste projecto de Bezos. Funcionará? Se funcionar, será o arranque para uma forma completamente diferente de transportar coisas ... e pessoas ... sabe-se lá!

Se funcionar não será a primeira vez que uma ideia ou um instrumento criados com objectivos bélicos sejam aproveitados para fins pacíficos, ainda que mais vezes tenha acontecido o contrário.

Saturday, August 16, 2014

MUDANDO DE ASSUNTO

Quem é que dá cerca de 10 mil euros por uma estátua em cera de Cristiano Ronaldo, de Angelia Jolie, ou de Putin, ou de Steve Jobs, ou de Leonardo Dicaprio.  Um Leonardo Dicaprio custará aproximadamente o dobro. Muita gente. O kitsch é um dos segmentos de negócio mais relevantes da Alibaba, conglomerado do sr. Jack Ma, o chinês que há cerca de catorze anos transplantou para a sua terra natal a ideia que, naquela altura, já tinha crescido e desenvolvido o comércio electrónico nos EUA. Segundo avaliação feita o ano passado pelo Economist, Alibaba poderá valer 120 mil milhões de dólares, a capitalização em bolsa da Amazon um pouco mais de 150 mil milhões. Alibaba valerá, portanto, cerca de metade de toda a produção feita em Portugal num ano.

Obviamente, Alibaba não vende apenas figuras de cera de celebridades da actualidade. Vende toda  a tralha que seja vendável e transportável a longas distâncias, desde as mais pequenas utilidades e inutilidades domésticas até artefactos em ouro e outros metais preciosos, passando pelos inúmeros items que a revolução electrónica inventa e produz massivamente.

É racional a atitude de um maduro que compra uma estátua destas, ou mais, sabe-se lá até onde poderá ir  a idolatria de alguns, e coabite com elas em casa ou no gabinete de trabalho, como se vivesse num museu Madame Tussaud? É tão racional quanto a racionalidade de outros, entre os quais me incluo, considerarem a idolatria e o kitsch detestáveis. Se eles gostam, por que não?

O que é curioso é o facto de a economia global, e muito em particular as economias de alguns países onde é abundante a mão-de-obra indiferenciada, dependerem em grande medida do consumo intensivo de kitsh em qualquer parte do mundo, mas sobretudo do mundo dito desenvolvido.

Friday, August 15, 2014

RIO FALSO

No meio de mais um lodaçal amassado pela fina flor das elites financeiras deste amargurado país, há jornalistas que vão com meritório trabalho tornando transparentes as manobras que conduziram aos múltiplos escândalos, com custos insuportáveis para os contribuintes portugueses, mas também há quem, à procura de originalidades escusadas acaba por desorientar os leitores.

É esse o caso de um artigo publicado aqui no Expresso de hoje, que em titulo opina que: "Não interessa se Zeinal sabia" porque, conclui,  "ninguém acredita que ele não soubesse". "Durante anos ele viveu e construiu estas relações entre o BES e a PT. E isso é que conta".

Ridícula conclusão: Ele sabia mas não interessa se ele sabia. Isto é, não interessa, que a máscara lhe seja arrancada e seja derrubado do poleiro para onde agora foi servir outro senhor deixando as consequências das suas mascambilhas a pagamento dos contribuintes portugueses!

O sr. Zeinal Bava não só conhecia como é o primeiro responsável pelas consequências da sua submissão ao diktat de quem lhe garantia o poleiro e pagava as comissões da tramóia. Agora que, inoportunamente para todos quantos colaboraram ou consentiram, a mascambilha implodiu, o esperto Zeinal Bava passou-se para o outro lado, como se fosse possível acreditar que ele, e os novos patrões dele, ignorassem aquilo que era impossível ser ignorado. 

Não, contrariamente ao que opina o articulista do Expresso, as responsabilidades do sr. Zeinal Bava têm de ser publicamente evidenciadas a ponto de não restarem quaisquer dúvidas que possam manter-lhe a  capacidade de continuar a prejudicar a PT e os portugueses. As consequências da sua submissão, e a de outros coniventes,  para os contribuintes portugueses, pode vir a medir-se em muitas centenas de milhões de euros*.

É imperioso por termo a tanta desfaçatez.
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 * Reconhece-o o jornalista do Expresso no artigo citado: "Agora a bomba. Nesta história há ainda uns palermas maiores em potência. Todos nós! A PT vai reclamar o pagamento dos 900 milhões. Ao Novo Banco. E as hipóteses de ganhar são reais" 
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Correl. - Acta da PT revela: "Só não sabe que não quer ver" 



Thursday, August 14, 2014

ACERCA DAS CAMBADAS DA PT E DA OI

Cada vez se revela mais evidente o que é há muito é muito claro desde o momento em que se tornou público que a PT vinha emprestando à RioForte desde o princípio do século valores que em Fevereiro último tinham atingido um exótico montante de quase 900 milhões de euros: nenhum dos administradores, nenhum dos membros da comissão de auditoria, nenhum dos auditores, revisores oficiais de contas, nenhum técnico de contas, poderia desconhecer que tal empréstimo rolante existia e, mais, que vinha sendo disfarçado nas contas com depósitos no BES.

E não podia ignorar pela mais elementar razão: qualquer aprendiz de contabilidade sabe que uma das responsabilidades mais elementares do técnico de contas é a verificação da coincidência dos valores em depósitos bancários revelados no balanço com os extratos dos bancos envolvidos; qualquer iniciado em auditoria contabilística sabe que qualquer teste à consistência das contas da empresa auditada passa sempre pela verificação dos valores que reflectem as relações da empresa com terceiros e, muito especialmente, com bancos; qualquer director financeiro, qualquer administrador financeiro, qualquer administrador, qualquer membro da comissão de auditoria, não poderia ignorar que um valor tão elevado na conta de disponibilidades apresentava uma anormalidade evidente. A menos que todos, à excepção do caixa e do contabilista , sejam incompetentes, uma qualidade inadmissível em gente tão qualificada e principescamente bem paga.

Também, e por maioria de razão, não poderiam desconhecer os negociadores da Oi da coligação com a PT, que havia disponibilidades anormalmente elevadas no balanço desta última e que uma parte significativa respeitava a um empréstimo da PT à RioForte. As auditorias porque passam negócios desta grandeza não poderiam deixar escapar uma desconformidade tão evidente: os saldos de depósitos no BES acusavam nas contas da PT um excesso de quase 900 milhões de euros sobre os extratos do banco.

Hoje foi divulgada convocação (de 39 páginas) da Assembleia Geral da PT para o dia 8 de Setembro.
É muito possível que esteja arquitectado um cambalacho entre os membros de ambas as cambadas e os accionistas com peso suficiente para aprovar a proposta de emenda dos protocolos anteriores e a redução estrondosa da participação da PT na coligação com a Oi. Uma inevitabilidade a que, no entanto, pelo menos a CMVM poderá, e deverá, opor-se. Esperemos, que esteja atenta e decidida a fazer o que deve ser feito.
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Leio no Expresso Diário de hoje que "Tesoureiro da PT chamava BES ao que era GES". Irra que é ileteracia contabilística a mais: do tesoureiro e do jornalista que titulou a notícia. Admitamos que o Tesoureiro é incrivelmente muito mais incompetente do que seria de esperar para quem mexe com milhares de milhões de euros. Ainda assim, tenha ele trocado as mãos porque é asno ou porque lhe tenham mandado trocá-las, quem conferiu as contas de depósitos, e são vários os que têm essa responsabilidade, não deram pela troca durante tantos anos? Nem por ironia, senhor jornalista.
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(15/8) -  Aqui:
Rioforte: Ata da PT revela: "Só não sabe quem não quer ver"
Uma ata de uma reunião do Conselho de Administração da PT, datada de 10 de Julho, em que se gera uma discussão ‘acesa’ sobre quem teria ou não conhecimento da compra de papel comercial da empresa à Rioforte, e a que o Expresso teve acesso,  dá a entender que Zeinal Bava, atual CEO da Oi, sabia dos investimentos da PT em papel comercial do Grupo Espírito Santo (GES).

Na reunião em questão, o administrador Pacheco de Melo é incentivado por Paulo Varela, administrador pela Visabeira, a dizer “de uma forma clara se as pessoas da Oi sabiam ou não” da dívida da PT à holding Grupo Espírito Santo (GES).
A resposta foi longa, mas clara: “Esta operação é uma prática recorrente da empresa, pelo que é natural que as pessoas que cá estiveram soubessem que havia aplicações junto do Banco Espírito Santo e colocadas por este. (…) Após a transferência dos ativos, só não sabe quem não quer ver”.
Já de Rafael Mora, homem-forte da Ongoing – segunda maior acionista da PT –, ouviram-se as seguintes palavras: “Chegou o momento de uma vez por todas de resolver os problemas e não de se ‘armarem em mártires’ pois não vou aceitar, nem mais um minuto, que os responsáveis da Oi nos continuem a crucificar na praça pública quando é evidente que eles sabiam, nomeadamente o presidente e o CFO da Oi”.
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(15/8) -  Aqui afirma outro que "não interessa se Zeinal sabia" porque "ninguém acredita que ele não soubesse". "Durante anos ele viveu e construiu estas relações entre o BES e a PT. E isso é que conta"
Ridícula conclusão: Ele sabia mas não interessa se ele sabia. Isto é, não interessa, que a máscara lhe seja arrancada e seja derrubado do poleiro para onde agora foi servir outro senhor deixando as consequências das suas mascambilhas a pagamento dos contribuintes portugueses!

HÁ 46 ANOS, O FIM DA PRIMAVERA DE PRAGA

Burning Bush é um filme documentário, reconstituição inocuamente ficcionada, dos acontecimentos que se seguiram à invasão dos tanques russos, invocadamente em nome do Pacto de Varsóvia, estreado em Junho passado nos EUA, principia com auto-imolação de Jan Palach e tem a duração de quatro horas, divididas em duas partes. Longo e amenizado com uma ou outra cena de humor ou descontracção íntima, o filme prende o espectador do princípio ao fim, sobretudo se na plateia, como era o caso ontem à noite, se sentam contemporâneos dos acontecimentos projectados na tela, certamente muitos deles checos residentes há várias  décadas nos EUA. 

Naquele dia 20 de Agosto, a divulgação da violenta repressão russa provocada pelo sacrifício de Jan Palach provocou ondas de choque que viriam abalar definitivamente muitas convicções até aí iludidas por um regime que prometia o auge da solidariedade humana. Naquele dia começou o levantar da cortina que haveria de mostrar, escancaradamente, 21 anos depois, as misérias da filosofia do socialismo real

46 anos depois, se muitas ilusões desabaram não se vislumbram por detrás do fragoroso derrube sinais de um mundo menos atormentado por confrontos entre os vários mundos em que se estilhaça o planeta e, em particular, a divisão entre o leste e o oeste europeu. Em Burning Bush lamenta um personagem que, mais do que a ocupação russa, seja a subordinação de muitos checos ao ocupante o suporte fundamental da repressão a que o país estava sujeito. Aconteceu o mesmo em vários países ocupados pelos nazis, acontece sempre em casos semelhantes porque na heterogeneidade da condição humana cabe sempre muita falta de carácter. 

Burning Bush, uma obra que vale a pena ver.


Wednesday, August 13, 2014

A INSEGURANÇA SOCIAL, AMANHÃ

O Tribunal Constitucional prometeu para amanhã, segundo os media, a decisão sobre as propostas do governo de i) revisão da redução dos salários da função pública ii) substituição da CES pela CS, passando a prepotente contribuição de extraordinária a ordinária. Receio que ambas as propostas sejam declaradas constitucionais ainda que por uma ou duas togas negras. Se assim for, o Tribunal Constitucional irá, no caso da substituição da CES pela CS, considerar como reforma da segurança social uma medida que não reforma nada e, portanto, não resolverá o problema que dizem existir. É o que se pode deduzir do relatório do Tribunal de Contas publicado anteontem aqui, e ontem citado e comentado aqui. A propósito, comentei,

"Ainda não li todo o relatório do Tribunal de Contas mas não quero perder a oportunidade para, mais uma vez, perguntar a quem de direito, se ler este seu comentário, por que razão não são as reformas e pensões recalculadas com base em toda a carreira contributiva? E utilizada a mesma fórmula de cálculo, considerando os valores descontados pelo contribuinte/pensionista/reformado e as suas entidades patronais e a idade com que se reformou? Houve muitas "habilidades" na formação de muitas reformas e pensões que, obviamente, estão a beneficiar uns com prejuízo de outros.

O "défice" da segurança social não está do lado dos contributivos privados (CNP), tanto quanto deduzo deste e de outros relatórios da SS, mas da CGP, dos não contributivos e dos apoios sociais em grande medida decorrentes da crise que, simultâneamente aumentou os subsídios e reduziu as contribuições.

A generalidade dos governos usou e abusou durante anos a fio dos fundos da segurança social para colmatar parte do défice do OE. E este  continua a não querer destrinçar o pagamento de pensões aos contributivos de entidades privadas, ou como tal consideradas pelas leis da segurança social, que são financiadas pelas contribuições dos activos (mais de 1/3! dos ordenados ilíquidos) dos restantes que devem ser financiados com impostos pelo OE.

De tal modo que a Segurança Social das entidades privadas poderia, e deveria, ser gerida separadamente, com representantes do Estado, das empresas e dos trabalhadores no seu conselho de administração.

Sei que isto retiraria ao governo uma significativa margem de manobra orçamental mas é a única forma de tornar transparente a situação da segurança social em Portugal. *

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Correl. -
Medina Carreira tem dito e repetido que os problemas deste país decorrem em grande parte do défice insustentável da segurança social. O que não é verdade. O país está endividado, tanto a nível de famílias, como das empresas, como do Estado, cuja dívida é de todos. Quem importou esse endividamento asfixiante que nos consome em juros uma fatia enorme do orçamento? Objectivamente, os bancos! Foram os bancos, de mãos dadas com os políticos, que nos atiraram pela ribanceira abaixo. Os primeiros pelos lucros e bónus, os segundos pelos votos e seus derivados.

A crise colocou muita gente no desemprego e obrigou a emigrar muitos outros. Em consequência, reduziram-se as contribuições e aumentaram os subsídios. Agora, aqueles que nada tiveram a ver com o descalabro, têm de pagar a conta. Diz o senhor Almirante, e diz bem, que há muita despesa desnecessária, o que é verdade. Não sei se estaremos de acordo, por exemplo, acerca dos gastos com as forças armadas, mas suspeito que não. De qualquer modo, concordo, como disse, naquilo que é essencial, com ele.

(aqui)
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(14/8) - Tribunal Constitucional chumba cortes de pensões e permite cortes salariais só até 2015 
A decisão do TC de hoje em matéria de pensões não me induz a qualquer alteração das opiniões que tenho anotado sobre o assunto neste caderno de apontamentos: o sistema deve ser transparente e garantida a sua viabilidade. De entre outras medidas, impõe-se a adopção do recálculo das pensões e reformas com base em toda a carreira contributiva e a gestão independente do OE da segurança social sustentada pelas contribuições de trabalhores e entidades patronais privadas.
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* Mereceu  aqui o segunte contributo, que agradeço:

Perguntas perfeitamente legítimas!
Penso que há alguma confusão na análise da sustentabilidade financeira do sistema público de pensões. A (in)sustentabilidade financeira pode ser medida através da existência ou não de dívida implícita no sistema. Há dívida implícita quando no médio e longo prazo as contribuições e activos afectos às pensões não são suficientes para fazer face ao pagamento das pensões calculadas de acordo com as regras em vigor. 


No caso das pensões do sistema previdencial da Segurança Social – regime contributivo – a existência de dívida implícita deixa claro que há persistência de défices financeiros no médio e longo prazo. O Relatório de Sustentabilidade Financeira da Segurança Social anexo ao OE de 2014 evidencia bem esta situação.


No caso das pensões da Caixa Geral de Aposentações – regime contributivo - a insustentabilidade financeira tem que ser analisada no âmbito da capacidade do Estado de satisfazer as responsabilidades com as pensões. Os défices deste sistema irão agravar-se devido à crescente redução das contribuições ditada pelo crescente número de pensionistas. A CGA foi fechada a novos subscritores em 2005. Esta decisão política determinou a deterioração dos níveis de subfinanciamento da CGA.


Quanto às pensões dos regimes não contributivos – pensões sociais e complementos sociais – financiadas pelos impostos a sua sustentabilidade depende da capacidade do Estado para concretizar os objectivos redistributivos que lhe estão associados.


A falta de transparência das contas dificulta ou impossibilita o conhecimento completo da situação.
Para além daqueles três sistemas, há ainda que somar as responsabilidades com pensões provenientes dos fundos de pensões de empresas públicas transferidos para o Estado e as responsabilidades com pensões do sector bancário transferidas para o Estado. O Relatório do Tribunal de Contas trata este assunto, mas uma vez mais há falta de informação e de prestação de contas por parte do Estado

UMA CASTANHADA NUM CABOTINO


Anotei já várias vezes neste caderno de apontamentos a esperteza salafrária do sr. Medina Carreira, que alegremente factura há vários anos a repetição dos mesmos argumentos, uns verdadeiros, outros escandalosamente falsos. 

Há dias, recebi através e-mail uma "Carta Aberta" do Almirante na situação de reforma, sr. José Manuel Castanho Paes, dirigida ao sr. Medina Carreira. Transcrevo-a porque, coincidindo no essencial as afirmações expressas com aquelas que tenho vindo a apontar neste caderno, entendo que lhe deveria dar a divulgação possível ao meu curto alcance. Ressalve-se que, se este governo é responsável em grande parte pelos atentados referidos pelo subscritor, não é menos responsável a oposição pela pusilanimidade sonsa com que vem quase ignorando as questões abordadas nesta "Carta Aberta".


CARTA ABERTA AO DR. MEDINA CARREIRA



Por: José Manuel Castanho Paes



Vem V. Exa. agredindo persistentemente o juízo e a paciência dos funcionários públicos e pensionistas deste massacrado País, especialmente durante as sessões semanais do programa televisivo “Olhos nos olhos”, com uma tal insistência que mais parece ter-se já tornado numaobsessão. Não pretendendo retirar-lhe o mérito de, desde há longo tempo, vir a chamar a  atenção pública para os caminhos errados que sucessivos Governos têm vindo a seguir no descontrolo das contas públicas, principal razão por que chegámos à actual situação de descalabro nacional; não lhe reconheço, no entanto, razão seriamente fundamentada para colocar o ónus dos excessos da despesa pública quase que exclusivamente sobre os aludidos grupos sociais (funcionários públicos e pensionistas). A sua visão do problema, assente numa mera perspectiva contabilística e não macroeconómica, peca por isso de determinadasdistorções que importa denunciar e esclarecer, a bem da verdade e rigor que a delicadeza desta questão naturalmente exige. Para já não falar dos aspectos morais relacionados com os graves erros, maus tratos, ilegalidades e incontroladas prepotências, enfim, a gestão danosa a que as contas da segurança social foram sujeitas por parte de todas as governações após a mudança de regime operada em 1974, que levaram a que alguém responsável já tenha avançado que a dívida do Estado à segurança social (vista em sentido lato) se cifraria actualmente em mais de 70 mil milhões de euros (sem que alguém por isso se tenha alguma vez sentado no banco dos réus), o facto é que, mesmo ignorando esta triste realidade nunca assumida publicamente pelos detentores do poder político, por motivos óbvios, o que mais importa agora é analisar a questão numa perspectiva isenta e objectiva e não distorcer a verdade dos factos com visões subjectivas e parcelares que só contribuem para aumentar a confusão de quem está menos informado.

E tenho de começar por desmascarar a mentira com que alguns altos responsáveis políticos e conceituados comentadores vêm confundindo o público, afirmando descaradamente que os encargos públicos com pessoal e prestações sociais representam mais de 70% (alguns até falam em 80%) da despesa total do Estado, quando eles afinal representaram, em 2013, cerca de 30% dessa mesma despesa total (deduzindo às prestações sociais concedidas as quotizações e contribuições pagas pelos trabalhadores e entidades empregadoras). A conjugação dos dados constantes do Orçamento de Estado, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e da PORDATA assim o provam, se forem devidamente consultados. Nunca vi o Sr. Dr. Medina Carreira desmentir essas falsas declarações, feitas com o claro objectivo político de justificar perante a opinião pública as medidas governamentais que têm sido prosseguidas no sentido de fazer incidir o grosso dos necessários cortes da despesa pública sempre sobre os mesmos grupos de cidadãos (funcionários públicos e pensionistas com normais carreiras contributivas). Trata-se, pois, de uma inqualificável trapaça política. Mas então pergunto eu: será que os outros 70%da despesa total do Estado são de facto praticamente incompressíveis? Os chamados consumos intermédios, as subsidiações do Estado aos mais diversos agentes públicos e privados (muitos atingindo dimensões verdadeiramente escandalosas, como é o caso das PPP ́s, dos contratos SWAP, das rendas excessivas no sector energético, e das inúmeras fundações, associações e observatórios cuja utilidade pública tanto tem sido posta em causa, conforme V. Exa. também tem vindo a chamar a atenção), os encargos com entidades reguladoras (que normalmente mais se preocupam com a defesa dos direitos dos grupos económicos do que com a defesa dos direitos e expectativas dos consumidores), o serviço da nossa enorme dívida pública, o aumento ocorrido nas despesas do próprio Governo como fonte privilegiada de emprego bem remunerado, os gastos com frotas automóveis para os detentores de cargos públicos absolutamente ostensivas e desproporcionadas etc., não serão passíveis de maior contenção para darem um contributo substancial ao corte dos cerca de 8 mil milhões de euros que é preciso fazer na despesa pública, caso não ocorra o desejável crescimento económico de que o País precisa? Acresce que os cortes em despesas de pessoal e prestações sociais devem ser contabilizados nos seus efeitos em termos líquidos e não brutos, facto que, quer a Ministra das Finanças, quer V. Exa. parece terem alguma relutância em referir. Na verdade, muito mais do que acontece com cortes feitos em diversas outras despesas do Estado, quaisquer cortes em remunerações do trabalho ou prestações sociais traduzem-se sempre numa directa redução de receitas fiscais, sobretudo em IRS e IVA, que deve ser abatida ao seu valor bruto, para se avaliar correctamente o seu peso real em termos de benefício para as contas públicas. E não se contabilizam aqui, por óbvia dificuldade prática de avaliação, os seus nefastos efeitos indirectos como acrescido factor recessivo da economia nacional, devido fundamentalmente à redução do consumo interno e seu consequente contributo para o aumento do desemprego. 

Mas já que V. Exa. prefere ir pelo lado da comparação de despesas com receitas, afirmando repetidamente que a receita de impostos corresponde aproximadamente às despesas do Estado em pessoal e prestações sociais, o que tornaria o futuro do País insustentável, dando assim a entender às pessoas menos informadas que o Estado não dispõe de outras receitas (algumas até especificamente destinadas a cobrir tal tipo de encargos), há então que esclarecer que as receitas globais do Estado têm sido aproximadamente o dobro do montante dos impostos colectados, incluindo, entre várias outras, as próprias receitas da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.


Assim, relativamente às prestações sociais só faz sentido colocar a questão também emtermos líquidos, isto é, qual a parcela dos impostos que é necessária para cobrir o deficitdos sistemas de segurança social (SS e CGA). Ora este deficit, coberto por verbas do Orçamento do Estado, foi, em 2013, de cerca de 13.200 milões de euros, correspondendo,  portanto, a 36,5 % da receita de impostos (que totalizou 36.270 milhões de euros) ou a 18.2% das receitas globais do Estado (que totalizaram 72.410 milhões de euros). Se juntarmos as despesas de pessoal em 2013 (10.700 milhões de euros) ao deficit da segurança social, obtemos as percentagens de 65,9% da receita de impostos e de 33% das receitas globais do Estado. Quaisquer outras comparações que se façam nestas matérias correm pois o risco de se tornar em pura demagogia. Por fim, importa ainda precisar o âmbito o conceito de prestações sociais e as particularidades específicas de cada uma delas, matéria em que V. Exa. não tem sido suficientemente pedagógico na missão de esclarecimento público a que se tem proposto. A primeira observação a fazer resulta da confusão, por vezes levantada por quem pouco percebe do assunto ou tem perversas intenções, que consiste na pretendida inclusão das despesas do Estado em saúde e educação dentro do conceito de prestações sociais, o que é manifestamente errado. Este tipo de despesas, tal como as que correspondem a actividades de apoio à agricultura, às pescas, à indústria, ao comércio, à cultura, à investigação científica, ao exercício das funções de soberania (justiça, diplomacia, defesa e segurança interna), à concretização e apoios na edificação de infraestruturas e serviços públicos de reconhecido interesse comum, etc., constitui-se como uma obrigação do Estado no âmbito das suas responsabilidades constitucionais como prestador de serviços públicos, enquanto que as prestações sociais assumem sempre o carácter de compensações remuneratórias pagas pelo Estado aos cidadãos, no cumprimento de contratos com eles estabelecidos ou em outras situações previstas na lei normalmente relacionadas com apoios sociais da mais diversa natureza. A segunda observação vai no sentido de procurar desmistificar a ideia de que as prestações sociais são uma “esmola” do Estado, cujo montante pode assumir valores discricionariamente estabelecidos consoante a necessidade de satisfação de outros encargos resultantes das prioridades estabelecidas em função das opções políticas tomadas ao longo de cada legislatura. E aqui temos desde logo que fazer uma clara distinção entre as pensões que resultam de carreiras contributivas normais e as demais prestações sociais. As primeiras incluem uma componente largamente maioritária que corresponde à capitalização dos descontos para a Segurança Social ou para a Caixa Geral de Aposentações (e está por provar que assim não seja), feita, ao longo de uma vida de trabalho, pelo próprio empelas respectivas entidades patronais (descontada a devida parcela para o subsídio de desemprego). 

Se o Estado retirou verbas dos respectivos fundos para outros fins alheios à sua finalidade, se levianamente perdoou dívidas de empresas à segurança social, se fez aplicaçõesdesastrosas das suas reservas, se imprudentemente nacionalizou encargos com pensões privadas utilizando as respectivas reservas para outros fins, em suma, se mal geriu e desbaratou os fundos da segurança social, e vêm agora os seus legítimos representantes defender, em estafados discursos de busca da sustentabilidade, que as pensões contributivas devem ficar pura e simplesmente dependentes da conjuntura económica e daquilo que a actual geração trabalhadora desconta, reduzidas ainda por cima de parcelas destinadas à recapitalização desses mesmos fundos que foram tão leviana e criminosamente desbaratados,  então como quer V. Exa. que esta classe de pensionistas não se sinta profundamente revoltada?


Se não fosse alguma contenção até agora imposta pelo Tribunal Constitucional, os  pensionistas contributivos já estariam a sofrer em pleno, no valor das suas pensões, a soma de vários efeitos penalizadores, que não podem nem devem ser-lhes especificamente imputados. A sofrer pelos desmandos da irresponsabilidade e gestão danosa do Estado na segurança social, ao longo de muitos anos; a sofrer pela antecipação de reformas na função pública com a finalidade de se obter a redução das despesas de pessoal; a sofrer pela concessão de pensões  vitalícias a detentores de cargos públicos com reduzidas carreiras contributivas; a sofrer pela inclusão no sistema de novos pensionistas com contribuições para fundos privados, sem que esses fundos tenham entrado no sistema; a sofrer pelos aumentos atribuídos às pensões não contributivas ou com reduzidas bases contributivas; e, finalmente, a sofrer pela carga que ainda lhes querem colocar para assegurar uma segurança adicional às novas gerações, para as quais, invertendo o discurso oficial em relação à actual geração de pensionistas, se pretende agora que na sua futura situação de pensionistas deixem de depender unicamente das gerações que se lhes seguirem. Quanto às demais prestações sociais, isto é, as que não resultam de carreiras contributivas normais, elas correspondem afinal a compreensíveis e legítimas obrigações de solidariedade social com que o Estado se comprometeu, a fim de minimizar os efeitos de situações socialmente anómalas ou injustas tais como a extrema pobreza, a inserção social dos excluídos, as dificuldades na obtenção de emprego, as grandes deficiências físicas ou mentais, etc. Ora, estas situações, constituindo portanto encargos de solidariedade social de âmbito generalizado, devem então ser plenamente assumidas por toda a sociedade, proporcionalmente à sua capacidade contributiva, e não como sobrecarga a colocar maioritária ou exclusivamente sobre quem obteve a sua reforma após uma vida de trabalho com carreira contributiva para a segurança social. A cobertura financeira deste tipo de encargos deve portanto ser feita a partir dos impostos cobrados a todos os cidadãos e não lançada injustamente só sobre uma parte deles, opção esta que infelizmente não deixa de estar na mente de quem actualmente nos governa. 

Uma das táticas seguida pelo actual Governo tem  sido a de “dividir para reinar”, procurando colocar determinados grupos sociais, de quem espera obter apoio para impôr determinadas medidas, contra outros grupos sociais sobre os quais pretende aplicar essas mesmas medidas. Assim, incentiva a “guerra” entre gerações por causa das pensões; apoia o sector privado contra o sector público para que neste último lhe seja mais fácil reduzir direitos e remunerações; e abre “guerras” dentro do próprio sector público para atingir os mesmos fins. Há quem entenda que a política tem de ser assim mesmo.  Acontece que V. Exa., voluntaria ou involuntariamente, tem vindo a posicionar-se, nas matérias atrás referidas, muito mais como seu aliado do que como analista objectivo, isento e construtivo, o que sinceramente lamento. Senhor Dr. Medina Carreira: Eu não sou dos que têm medo das contas. Quero-as é transparentes e perceptíveis, o que infelizmente nem sempre tenho visto nas suas comunicações e diálogos. Desculpe-me o atrevimento de um conselho de alguém que é da sua geração. Não tenho a veleidade de lhe pedir que o siga, mas ao menos que o leia: procure ser mais pedagógico e menos demagógico nas suas lições televisivas.


Muitos portugueses ficar-lhe-iam certamente agradecidos.

Com os meus melhores cumprimentos,

Lisboa, 25 de Julho de 2014

José Manuel Castanho Paes

Email: jose.castanho.paes@gmail.com