Monday, December 31, 2012

ANTES DE CHEGAR 2013

Ligo para a RTP, só encontro disponível a RTP Informação. Programa: Linha da Frente, também disponível na Internet em rtp.pt/linha da frente, fica a saber-se no fim do programa. Ouve-se o testemunho de algumas famílias apoquentadas pelo desemprego e pelas dívidas. A última a depor está empenhada com um empréstimo da banca para obras que fez numa casa humilde. 

Depois, dou uma vista pelos jornais de hoje, e leio aqui, "o Estado português vai subscrever um aumento de capital de 700 milhões de euros no banco liderado por Jorge Tomé e injectará mais 400 milhões de euros através de títulos de dívida. O Banco fará ainda outro aumento de capital, de 450 milhões de euros."

Mais adiante, aqui,
"Investir na dívida portuguesa gerou retorno de 57% em 2012.
Prestação das obrigações do tesouro portuguesas foi a melhor entre a dívida pública europeia, com um retorno que quase duplicou o obtido pela dívida irlandesa, que surge em segundo lugar no “ranking” elaborado pela Bloomberg."
 
No programa seguinte - O nosso tempo - jovens desempregados aprendem a arte do sushi.
 
Fico por aqui.
Daqui a cinco minutos entrará 2013 em Lisboa.
Valha-nos a Dona Esperança! Bom Ano!

ISENTO DE IMPOSTO

O fim de cada ano é propício ao despertar dos mágicos, que se entretêm a prognosticar para onde irá o mundo nos próximos doze meses. Os profissionais da arte, se não pagam, deveriam pagar imposto, contribuindo decisivamente para a redução do défice das contas públicas, considerando a largura da base formada por tantos futurólogos. Aqui, sem intenção alguma de evasão fiscal, opta-se por olhar para o retrovisor e avaliar em que medida se concretizaram ou falharam os palpites apontados neste bloco de notas.

Em Março de 2011, o senhor José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, então primeiro-ministro, afirmava não estar disponível para governar com o FMI. Pouco tempo depois, negociou e subscreveu o acordo com a troica.Nessa altura, anotei aqui:

...
Tudo conjugado, a tendência da evolução da situação política ajusta-se ao cenário que há muito tempo desenhei neste caderno: Se o PSD cai na tentação de querer a curto prazo ser poder, mesmo que acompanhado pelo CDS, provocará um reagrupamento de conveniência da esquerda, e assumirá o ónus de, muito provavelmente, ficar esturricado em pouco tempo.E Sócrates, maquiavélico, a assistir. Cavaco Silva? Esfíngico. 

Dois meses depois, em Maio de 2011, uma semana antes das eleições legislativas de 5 de Junho escrevi aqui:
 ... 
(Se) Ganha Passos Coelho e o PSD faz maioria absoluta com o CDS, Sócrates dá lugar ao senhor-que-se-segue, e o PS, na oposição, não perdoará ao governo o mínimo deslize na aplicação do MoU. A coligação de direita durará, no máximo, dois anos.
 
Dois anos depois, será Junho de 2013.
Acerte ou não, mesmo não pagando imposto sobre o prognóstico de há dois anos, continuo em 2013 sujeito a confisco.

Sunday, December 30, 2012

A EUROPA E OS VALORES MORAIS

A sua relexão remete-me para uma opinião da historiadora F. Bonifácio, anteontem, num programa da Sic notícias. Afirmou a historiadora que uma federação europeia é uma ideia impossível porque os europeus são radicalmente diferentes uns dos outros e, por essa razão, combateram-se ao longo dos séculos. A excepção são estes últimos sessenta anos, depois da Segunda Guerra Mundial. Que, talvez não por acaso, coincidem com criação e construção da União Europeia.

Acrescentou FB que, confessando-se liberal, nunca aceitaria um padrão de comportamento ditado pelos europeus do norte. E, a título de exemplo do que afirmava, disse que nunca deixaria de usar o seu automóvel para passar a usar os transportes colectivos ... ou a bicicleta, penso eu.

Tal afirmação é susceptível de múltiplas apreciações de índole moral. Refiro-me apenas a duas: a primeira, não sendo, em princípio, o comportamento da historiadora susceptível de esbarrar com os meus valores morais, pode a senhora andar de automóvel à vontade que nem eu, e presumo que ninguém, do norte ao sul se oporá, nem isso pode colocar em risco a convivência numa sociedade mais ou menos complexa. O que pode colocar em risco a convivência numa sociedade, qualquer que ela seja, a começar pela família, é a não comunhão de valores morais que dão coesão às sociedades.

O prevalecente hedonismo católico no sul não impedirá uma maior integração política com o norte maioritariamente calvinista, o que poderá opor-se a uma união perdurável entre o norte e o sul é a ausência de comunhão de valores morais que cimentem essa união. Honrar os compromissos, proceder com honestidade de processos, respeitar  os outros, que é apanágio do norte da Europa, é desvalorizado a sul. Honra, honestidade, cumprimento, são palavras que tendem a desaparecer das línguas meridionais. Mas  esses, sim, são valores morais que, ou toda a sociedade comunga ou não há sociedade possível.

Em Portugal, por uma questão de ilusão sociológica decorrente de uma exposição prolongada à banalização da mentira e da falta de vergonha confundem-se frequentemente os diferentes níveis de valores morais.

E enquanto essa confusão persistir a convivência entre norte e sul será realmente um ideia peregrina.

Saturday, December 29, 2012

TRANSGRESSORES COM CARTA APREENDIDA

A troica apreendeu-nos a carta de condução, subordinando a capacidade de gestão dos portugueses a regras que os credores impuseram, mais algumas com que a troica sobrecarregou a pena. Não obstante essas limitações externas, as situações de condução desastrada persistem, a impunidade anda à solta, a justiça não acorda, os transgressores premiados, o ouro entregue aos bandidos. Lamentavelmente, as limitações impostas pela troica não atingem este laxismo das instituições, a falta de civismo cívico, de indecência nacional. Os processos mediáticos engordam-se nos tribunais com recursos dilatórios e manobras que num país a sério seriam repugnantes. Aqui, merecem à sociedade inibida de conduzir-se, quanto muito um encolher de ombros para relaxar e continuar para o lado.

O Expresso de hoje relembra a situação, que seria impensável em qualquer país com carta de condução, de estarem a gerir os salvados do BPN alguns daqueles que foram, reconhecidamente, responsáveis pelas manobras criminosas que provocaram o desmoronamento do mostrengo em cima dos contribuintes portugueses. Um fulano, que presumo ter formação jurídica, foi director e administrador do BPN, foi condenado pelo Banco de Portugal a uma multa de 200 mil euros e inibido de trabalhar em instituições financeiras. Pois esse mesmo indivíduo é desde Julho director de assuntos jurídicos e de contencioso da Parvalorem, uma das empresas inventadas para recuperar os activos desmoronados! 

Outro, foi administrador financeiro, responsável pelo BPN Cayman, depois director de contencioso do banco, condenado pelo Banco de Portugal a uma multa de 175 mil euros e a uma inibição de três anos em instituições financeiras, é desde Julho adjunto do anterior. Outro, foi administrador do BPN, depois administrador da Parvalorem, agora trabalha na recuperação de créditos. Outro, foi director do departamento de risco do BPN, hoje analisa o risco da direcção de recuperação sul da Parvalorem. Outro, foi director da área comercial e de empresas do BPN, agora é director da zona sul da direcção de recuperação de crédito. Outro, acusado pelo Banco de Portugal num processo de contraordenação relacionado com prática de falsificação de contabilidade e o não cumprimento de regras contabilísticas, é responsável na Parvalorem por uma área de recuperação de crédito.

Todo este esgoto, a céu aberto, deveria provocar um enjôo cívico generalizado se a pituitária nacional não estivesse saturada pela habituação de viver à beira dele.

Propõe-se o Governo promover a discussão dos limites do Estado. Acho bem. Temos um Estado desmesurado para a nossa capacidade de mobilização colectiva. Mas mais do que reduzir o Estado à nossa capacidade para conviver cívicamente com ele é condição necessária à subsistência da democracia que sejam revistos os institutos, a começar pela Constituição, que a podem sustentar. Sem valores morais de referência, nenhuma sociedade é perduravelmente livre porque acaba por ser assaltada pelos canalhas.  

Friday, December 28, 2012

DALTON

É, meu nome é Dalton, o pai começava o jornal pelos comics, somos quatro irmãos, cada um tem nome de um dos seus heróis dos comics, a mim calhou-me o de Dalton. Sou de Fortaleza, o senhor conhece Fortaleza? Meus outros irmãos continuam por lá. Faz já onze anos que eu vim para os esteites. Primeiro, na Florida, depois no Colorado, agora aqui há quatro anos, sempre no churrasco, e não vou voltar não.  Minha mulher não quer voltar, de jeito nenhum. Temos dois filhos, um moço de doze, uma menina de dois, vivemos na Marilândia. Sei, agora há mais crescimento económico no Brasil, pois há, mas continua a haver muita insegurança, esse é o maior problema do Brasil, tem muito bandido. Aqui também há muita arma espalhadas, há sim, mas enquanto aqui a matança é obra de louco lá é obra de bandido, e no Brasil tem bandido por tudo quanto é sítio. E a copa do mundo em 2014, os olímpicos em 2016, só podem mesmo aumentar ainda mais a insegurança, mais droga, mais armas, mais crack, o senhor está ver no que isso pode vir a dar, onde há crack há crime, no Brasil tem cracolândias, senhor, o que é que o senhor espera de uma mancha que alastra e destrói a sociedade? Crack é uma doença incurável, é uma serpente insaciável dentro do corpo, e não há remédio para a serpente. Está mais rico o Brasil, hoje, pois está, mas uma boa parte dessa riqueza está o brasileiro queimando com o consumo de cocaína, de crack, de dia, na rua à vista da polícia, que não prende o consumidor, e é baleada quando persegue o dealer.  Há muito português a emigrar para o Brasil? Sempre houve, não é? Não, nós não vamos voltar. Gostava de ir a Portugal. Nunca fui, não, gostava de ir ao Porto, gosto muito do vinho do Porto, o senhor conhece o Porto?, eh, gostava de ir ao Porto. E ir ao estádio, tem estádio no Porto, pois tem?, como se chama mesmo? Do dragão, é isso, sim. Sempre que posso, vejo o Porto jogar.

Thursday, December 27, 2012

QUEM EMBARRETOU O NICOLAU

Há dias (21/12) considerei aqui interessantíssima* a discussão que acabara de ouvir no Expresso da Meia Noite, moderada por Nicolau Santos, e prometi voltar ao assunto num dos meus próximos apontamentos. Tinha decorrido quase uma semana  (15/12) após apublicação da entrevista do Expresso a A B Silva, que comentei aqui. Entretanto, os vídeos a que me referi nesse comentário assim como a entrevista e os artigos publicados no Expresso on line foram retirados. Parece-me mal. Se não se apaga a parte da história dos povos que, eventualmente, os envergonha, também não se apagam, até porque foram publicados em papel de jornal, os documentos retirados da Internet. Os erros assumem-se, e não se apagam nem com pedidos de desculpas nem se dilitam.

Entretanto, rebentou a bronca. A B Silva é um impostor que se fez passar por aquilo que não é. Mas não é um burlão, no sentido de ter lesado materialmente terceiros com as suas mentiras. Dir-se-á: lesou Nicolau Santos, lesou o Expresso, lesou a Sic Notícias, lesou quem o ouviu e acreditou nele. Mas não é verdade. Nicolau Santos, o principal embarretado, para utilizar a sua própria expressão, não fez, e ele mesmo já reconheceu, o que minimamente deveria ter feito: a invocada por A B Silva instalação em Portugal de um observatório da ONU para a Europa do Sul, se tivesse qualquer fundamento, deveria ser conhecida, e não escapar nem a Nicolau Santos nem ao Expresso. Bastava uma busca na Internet para constatar que o único facto relevante estava registado em dois youtube gravados durante uma conferência dada em condições pindéricas, e nenhuma referência ao suposto observatório da ONU. Desconfiei, mas sobrepus a minha confiança no Expresso à  minha desconfiança, para mim inconfirmável.

Quem tramou Nicolau Santos foi, portanto, mais que ninguém, ele mesmo. Mas Ricardo Costa e os jornalistas do Expresso em geral  não podem sacudir a água do capote. A nenhum ocorreu a dúvida óbvia que escapou à ingenuidade de Nicolau Santos, ou interessava a quem ela não escapou que o Nicolau fosse embarretado e bem embarretado?

"O Governo mostrou vontade de avançar para uma renegociação com o FMI, o BCE e CE?" foi a última pergunta da entrevista publicada a 15/12, à qual AB Silva respondeu: "Não tem havido vontade política do Estado-membro (i.e., Portugal) ... ". Ninguém, que no Governo deveria saber disto, leu a entrevista? É altamente improvável. Nicolau Santos, mais uma vez, errou por não ter confirmado ou mandado confirmar estas declarações do entrevistado. Mas, por outro lado, a ausência de uma reacção do Governo, ainda que particular, só pode entender-se como um interesse em que Nicolau se mantivesse, o mais possível, embarretado.

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* Interessantissima, porque os três outros intervenientes, surpreendidos pela argumentação de AB Silva e sem argumentos para contrapor, desvalorizaram a questão da dívida e do défice argumentando que o principal problema de Portugal é a debilidade da economia. E  é. Mas, repetidamente, se ouve que não há recuperação económica possível sem finanças reequilibradas. Em que ficamos? AB Silva foi ouvido porque disse falar em nome da ONU. Desmascarado, são irrelevantes as suas declarações? Por que é que entre 15/12 (entrevista do Expresso) e 21/12 (Expresso da Meia Noite) se observou um generalizado silêncio comprometedor? Foram todos embarretados?

Wednesday, December 26, 2012

POR QUE EMIGRAM OS JOVENS PORTUGUESES

O Washington Post de hoje dedica três quartos de uma página do seu caderno principal - vd aqui - à emigração de jovens europeus, com formação superior, e, muito focadamente na  emigração de jovens portugueses para o Brasil. Pergunta-me o RM: O que é que está a acontecer em Portugal que leva a esta emigração massiva de gente jovem e habilitada a emigrar para o Brasil? RM. entende as causas imediatas referidas no artigo - falta de oportunidades de emprego - mas escapam-lhe as causas primordiais. Por que é que não investem em Portugal, os alemães, por exemplo, se há disponibilidade de mão-de-obra e de quadros qualificados, que, certamente, aceitariam salários mais baixos do que aqueles que são pagos na Europa do Norte? Para um residente nos EUA, onde a mobilidade do trabalho é um dado comum, o que acontece na Europa do Sul neste momento é intrigante porque o investimento não procura as regiões onde os factores de custo são, pelo menos aparentemente, mais baixos. 

Mas é, precisamente, nas aparências que se escondem as principais razões da drenagem de jovens portugueses para o Brasil. E chamo a atenção de RM para a explicação dessas causas, dada na segunda parte do artigo do WP., que têm impacto não apenas em Portugal mas que em Portugal assumem uma maior dimensão relativa em consequência da deterioração rápida de uma situação económica que nunca foi estruturalmente consistente: a ameaça de um colapso na zona euro, a persistência da recessão, as sombrias perspectivas de crescimento económico, estão a levar os investidores a drenar triliões de dólares para outras partes do mundo, provocando a deslocalização dos negócios e a revisão das suas estratégias. Alguns bancos europeus estão a resumir as suas actividades às suas fronteiras nacionais, outros, como o Santander, que hoje recolhe apenas uma pequena parte dos seus lucros em Espanha,  reposicionam-se fora do seu âmbito nacional e da Europa, no Brasil e no México, por exemplo.

Mas há alguma luz ao fundo do túnel: As recentes decisões de intervenção do Banco Central Europeu estão a reduzir os riscos do colapso da zona euro, e os fluxos de dinheiro estão a começar a inverter-se. Largos montantes devidos pelos bancos centrais dos países mais fragilizados, como o de Espanha ao da Alemanha, estão a reduzir-se, o que significa que cessou a drenagem em sentido contrário, das economias fragilizadas para as mais fortes.

Subsiste, contudo, a disfunção original da zona euro: Segundo a teoria económica, os capitais deveriam fluir das zonas mais desenvolvidas da zona euro para as menos desenvolvidas - aproveitando as vantagens de salários mais baixos e o facto de, geralmente, proporcionarem as zonas menos desenvolvidas oportunidades de melhores taxas de retorno dos investimentos que as zonas mais desenvolvidas. Por outro lado, é esperável que os trabalhadores emigrem de áreas onde o desemprego é elevado e os salários baixos para aquelas onde o desemprego é reduzido e os salários estão a subir. 
Mas a teoria não se confirmou suficientemente na zona euro, e essa falha explica a emigração massiva de jovens portugueses e gregos habilitados para fora da Europa, reduzindo a capacidade de recuperação e comprometendo o futuro, uma vez que a maior parte desses emigrantes, muito provavelmente, não voltará aos países de origem. 

Estas, as razões descortinadas por Howard Schneider, colunista do WP para assuntos de economia internacional, em São Paulo, Brasil. Por que é que a teoria não funcionou, H Schneider não sabe ou não quis dizer. Talvez porque, pelo menos para muitos norte-americanos, não é fácil entender que exista uma zona económica usando uma moeda única que não seja suportada por institutos que garantam os mesmos níveis de confiança nas áereas onde essa moeda, e só essa moeda, tem curso legal. Dito de outro modo, a maior parte dos norte-americanos supõe a União Europeia, e particularmente a Zona Euro, feita à quase imagem e semelhança dos EUA. E não há, pelo menos por enquanto, nenhuma semelhança possível. E enquanto não houver, enquanto as promessas andarem bem à frente da realidade, a emigração jovem do sul da Europa para fora da Europa continuará.

By the way, it´s snowing in Virginia today.






Tuesday, December 25, 2012

JÁ NÃO HÁ RESPEITO PELOS MAIS VELHOS

Cinco filhas?, mas isso é uma mina, Alexandre, menino ou menina, o que importa é que venham escorreitos, saudáveis, mulher ou homem, tanto faz, aliás, o futuro é das mulheres, basta olhar para os números, nas últimas décadas as mulheres ultrapassaram em número os homens em muitas actividades que no passado eram exclusivamente, ou quase, exercidas por homens, o número de advogadas e de juízas não pára de aumentar, já há mais médicas que médicos, um dia destes haverá mais engenheiras que engenheiros, há uns anos atrás, eram raras as mulheres que trabalhavam na banca ou nas finanças, hoje, entra-se numa dependência bancária ou numa repartição de finanças e o que mais se vê são mulheres a trabalhar, o domínio feminino é já tão evidente que ficamos sem perceber por onde andarão os homens nesta terra, por enquanto os lugares de cima nos negócios e na política continuam ocupados por homens mas não tarda muito para elas tomarem conta do leme do mundo, até na tropa e na polícia, onde a lei dos músculos está a ser substituída pela lei do conhecimento e do engenho, a preponderância masculina vai ceder, é uma questão de tempo, Alexandre, e as tuas cinco filhas terão mais hipóteses de serem mais bem sucedidas que os rapazes que poderias ter tido mas os caprichos da lei da natureza não quiseram que tivesses tido até agora.

Conversa fiada de quem não tem seis mulheres em casa e nenhum puto com quem se possa ter um dia aquelas cumplicidades que só podem existir entre pai e filho, amava a mulher, adorava as filhas, mas fazia-lhe falta um puto que fosse com ele à bola, também há, e cada vez mais, mulheres que gostam da bola, pois há, mas ele não se via no estádio com cinco filhas à sua a volta insultar os árbitros, não há futebol sem árbitros nem árbitros que não mereçam todos os insultos, e depois, ele já não é novo, casou tarde, a Joana tem menos vinte anos que ele, homem novo e mulher nova, já ia na quinta filha sempre na expectativa que lhe saísse um rapaz na sorte, a ele, com a idade que tem, preocupa-o a natural vulnerabilidade feminina, hoje os tempos são outros, as mulheres ganharam independência,  as relações dos jovens de hoje não são as do seu tempo, mas em caso de distração quem continua a engravidar são elas, essa é uma lei irrevogável, só não tem destas preocupações quem não tem filhas em casa. E sendo cinco ... 

Em Março a Joana ficou novamente grávida, por decisão dela, ele já tinha desistido, não porque tivesse preocupações de sustentação da prole, o negócio já tinha tido melhores dias mas continuava seguro e rentável, e mais uma filha, se o acaso continuasse para esse lado, não lhe arrombaria o orçamento, a Joana insistia em oferecer-lhe um rapaz, e, quem sabe, talvez fosse desta. Para dar as voltas à sorte, desta vez nem ela escolheu o nome do  rebento antes dele nascer nem ele tencionava increvê-lo no Benfica logo no dia do nascimento. Em Maio, quando foram conhecidos os primeiros sinais ecográficos que davam como muito provável que o feto era masculino, só não houve festa rija para não desafiar o destino. Mas em Agosto, já não havia dúvidas, assegurou o médico assistente, era rapaz o que viria aí lá para finais do ano. E o Alexandre não resistiu a informar os conhecidos, e a convidar os amigos para um jantar lá em casa. Tanta
alegria só era ligeiramente ensombrada por uma preocupação incontornável: quando o filho tivesse idade para ir à bola talvez ele já não tivesse pernas para lhe acompanhar a passada. Era cada vez mais frequente, quem não lhe conhecia a família, suporem que a Joana era a sua filha mais velha ou, mais desanidor ainda, que ele era o avôzinho do grupo. 

Em Novembro, confirmava-se o excelente desenvolvimento do nascituro, teria pelo menos quatro quilos à nascença, quase cinquenta centímetros de altura, o rapagão deveria nascer entre o Natal e o Ano Novo mas o obstreta, porque tinha programado férias na neve no fim do ano e não queria deixar de assistir o nascimento, insistia em antecipar ou adiar o parto por uns dias com uma cesariana. A ideia do médico repugnou o Alexandre e a Joana preferiu o adiamento. 

Há bocado, liguei pelo Skype ao Alexandre para lhe desejar Bom Natal e perguntar pelo rapaz, deparei-me com um  Alexandre, normalmente um poço de calma, salvo nas bancadas do Benfica, furioso, como nunca o vi desde que nos conhecemos. Depois de despejar o grosso da irritação com um discurso, atropelado pela fúria que lhe saía com as palavras, e de que não entendi a maior parte, o Alexandre, ao fim desse tempo de raiva incontida, nitidamente exausto, fez-me o relato das últimas 24 horas lá em casa. Ontem à noite, cerca das 10, rebentaram as águas à Joana, o f-d-p do médico já tinha saído para a Serra Nevada, na Clínica não havia um único médico de serviço, imagina!, enfermeiras havia uma por junto e foi preciso telefonar-lhe para casa. Agora ninguém pode nascer no dia de Natal nem de Ano Novo! Percebe-se isto? Não se percebe. Mas o mais grave, o mais gravíssimo, o inaceitável, o que mais me revolta é que, era meia noite em ponto, veio a enfermeira, saltitante e sorridente a bater-se a uma gratificação choruda, mostrar-me uma criança ... que não é minha, não é minha de certeza absoluta! Como não é minha? É fácil: é uma cachopa! Uma cachopa, imagina. Fizeram as ecografias que entenderam, garantiram repetidamente que era um rapaz, e trazem-me lá de dentro uma catraia. Percebe-se isto? Que disse a enfermeira? Disse que, às vezes, os dignósticos saem errados ... como se os diagnósticos pudessem sair repetidamente errados. Sim, já insisti que revisse se não teria havido troca de crianças no berçário. Afiançou-me que não. Que em toda a maternidade da clínica, aquela tinha sido a única a nascer nas últimas 36 horas, que não havia hipótese alguma de confusão, de troca. Mas eu sei lá, pode dizer o que quiser, estava a pensar apresentar o caso à polícia, confirmar por ADN, e disse isso mesmo à enfermeira. Nem pestanejou, faça o que entender senhor Alexandre, mas o ADN confirmar-lhe-á que a sua filha é a mãe! Quanto ao pai, é melhor perguntar-lhe a ela, à mãe. Grande cabra! Já não há respeito nenhum pelos mais velhos! Hum!!! Sim, já falei com a Joana, falei. Encontrei-a também desolada por não termos acertado ainda desta vez. Mas ficou furiosa comigo quando lhe disse que ia requerer prova de ADN. Percebe-se isto?

Hesitei uns segundos, à procura de uma resposta, foi-se o Skype abaixo. 
O ano passado, a Joana tinha-me confidenciado, durante um jantar em casa deles, que o ginecologista lhe tinha garantido que, com o mesmo parceiro, jamais teria geração masculina. Ouvindo o Alexandre, fiquei na dúvida se a Joana não levou longe demais a sua disponibilidade para dar um rapaz ao Alexandre.

Monday, December 24, 2012

MUDAM-SE OS TEMPOS, NÃO SE MUDAM OS HOMENS

“Viveis tempos interessantes. (…) Os tempos interessantes são sempre tempos enigmáticos que não prometem descanso, nem prosperidade, continuidade nem segurança. (…) Nunca a humanidade juntou tanto poder e tanta desordem, tanta apreensão e tantas diversões, tanto conhecimento e tanta incerteza.” - Paul Valéry, cit. aqui 


É, e será sempre, inevitavelmente assim.
O futuro é, por inerência, incerteza. Incerteza e futuro, não sendo a mesma entidade, andam de mãos dadas. Mesmo quando a incerteza, o futuro, se reporta a uma descoberta do passado. Aliás, todo o conhecimento científico é sempre uma revelação ou aplicação de uma realidade que existiu sempre.

Essa revelação descreve uma sinusoidal crescente de desenvolvimento humano que só terminará se a humanidade, por aplicação diabólica  do conhecimento, se auto destruir.

A citação de autores passados maravilha-nos pela pontaria certeira com que descrevem a fase do ciclo que vivenciaram levando-nos a pensar que anteciparam o futuro ou, dito de outro modo, congelaram o presente. Mas não é verdade. O homem tem uma capacidade enorme para mudar o mundo mas uma incapacidade não menos enorme para se mudar a ele próprio. É desse desfasamento de velocidades que resulta a aparente repetição da história.

O recente massacre de Newtown é um exemplo da incapacidade humana para, colectivamente, mudar de atitudes. Os EUA são a nação mais rica e poderosa da aldeia global, aquela onde mais despontam os progressos do conhecimento humano, onde a convivência inter racial é mais intensa e mais pacífica, onde um intenso orgulho de identidade nacional une mais de 300 milhões de pessoas. Como é possível que um universo sociológico tão diverso e tão coeso permaneça dividido acerca de um problema que sucessivas tragédias deveriam há muito ter congregado um consenso? 

Só há uma explicação para o absurdo: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades individuais, não se mudam, senão muito lentamente, os valores culturais das sociedades. Mesmo se esses valores culturais se dizem beber da mesma fonte que, lendariamente, brotou a 25 de Dezembro de há pouco mais de 2000 anos.

Sunday, December 23, 2012

BOA IDEIA, SENHOR PRIMEIRO MINISTRO!

Leio no Expresso que Passos quer rever sistema de pensões.

Boa ideia, senhor Primeiro-Ministro!
Mande recalcular todas as pensões com base em toda a carreira contributiva e reveja os montantes das pensões a partir desse momento de acordo com os cálculos feitos. Não se esqueça de actualizar as contribuições por aplicação dos índices de inflação observados e de aplicar uma retribuição justa acima das taxas de inflação consideradas nos cálculos. E, a partir dos resultados obtidos, mande pagar as pensões em conformidade. Procedendo deste modo, ninguém se poderá considerar prejudicado nem ninguém deverá ser considerado beneficiado.  

Mas, atente bem nisto, senhor Primeiro-Ministro: Não abra as excepções do costume. Se o recálculo não abranger todos, mas todos mesmo, sem excepções, os que recebem pensões  geridas pelo Estado, incluindo, para além dos contributivos do sistema geral de segurança social, a função pública, todos os institutos públicos, incluindo a Caixa Geral de Depósitos e o Banco de Portugal, e todos os demais regimes especiais, não haverá uma verdadeira e justa reforma mas a continuação de uma enorme injustiça social.

As declarações que o senhor tem vindo a fazer a propósito dos montantes das pensões pagas, são meias verdades, e, inevitavelmente, meias mentiras. São meias verdades porque os cálculos das pensões nunca obedeceram a um modelo equitativo e uniforme, sendo sistematicamente inferiorizados os contributivos do sistema geral de segurança social. Para prová-lo, basta um relance sobre os diversos modelos de cálculo.

Mas há mais. É público, e nestas coisas, normalmente, só é público uma pequena parte da realidade, que a passagem transitória, por vezes muito transitória mesmo, pelo exercício de determinadas funções atribuiu a uns quantos privilegiados pensões que, nem de longe nem de perto, correspondem aos valores das suas contribuições.

Mas ainda há mais. Muitos dos que beneficiam de pensões escandalosamente acima dos valores das suas contribuições, desfrutam dessas pensões desde muito antes de terem atingido a idade normal de reforma. Em alguns casos conhecidos passaram a receber pensões a partir do momento em que cessaram funções. Estou certo que o senhor Primeiro-Ministro sabe que é assim.

Se a sua intenção é pôr fim a uma enorme injustiça social, vá por onde passa o tratamento igual de todos os pensionistas por aplicação a todos, mas mesmo a todos, do mesmo modelo de cálculo baseado em toda a carreira contributiva e a idade normal de reforma. E deixe-se de acusações, que, por serem indiscriminadas, são ofensivas para quem não deve nada a ninguém.

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Correl. - 25/12 - Tribunal de Contas duvida da legalidade das pensões de ex-deputados na Madeira

Saturday, December 22, 2012

MENOS PAPISTAS QUE O PAPA

Às duas da tarde, a Catedral de Washington estava cheia de gente crescida e miúda, a maior parte desta sentada no chão, à frente, junto ao presépio. Era a primeira de uma série de sessões de "Carols" desta época. 

A história natalícia, contada por uma narradora, era interpolada pelos cânticos em uníssono da assembleia, e dava entrada no presépio (Christmas manger, na designação anglo-saxónica) aos figurantes pela ordem temporal dos acontecimentos. Primeiro, a mãe com o menino ao colo, e o pai, com vestimentas simples como era próprio das pessoas da sua condição. Depois Belchior, Baltazar e Gaspar, adornados consoante o estatuto real. À volta, bicharada diversa, incluindo um camelo e um crustáceo, tudo obra do criador.

Pode o Papa pregar que não havia quem aquecesse o local do nascimento do menino mas não acreditariam os crentes que a natureza não comparecesse representada em peso para entoar os "Carols".


Boas Festas!
Feliz Natal!
Bom Ano Novo!

O NINHO DAS RATAZANAS

O caso do BPN, pela dimensão dos valores que já sacou dos bolsos dos contribuintes portugueses e daqueles que ameaça continuar a sacar, deveria merecer da sociedade civil uma reacção que fizesse acordar de vez quem tem poderes e responsabilidades para recuperar o que é recuperável enquanto não apodrece ainda mais o monte de fraudes,  roubos, e toda a teia de logros com que as ratazanas construiram o ninho, sob a vista grossa do Banco de Portugal e demais coniventes. Depois das comissões parlamentares de inquérito que, como é da praxe, terminaram em empate e promoção do ex-governador do BP a vice-presidente do BCE, observam-se, de vez em quando, ténues reacendimentos de denúncia e indignação, seguidos de longos períodos de estúpida indiferença.

O Expresso/Economia de hoje publica a lista dos maiores devedores do mostrengo, e cada caso é um exemplo da sequência de habilidades e conivências com que os vigaristas conseguiram encaminhar o pagamento das suas responsabilidades para as contas dos impostos dos contribuintes sem que os poderes políticos e judiciais tenham decididamente conseguido estancar ou reaver significativamente parte do roubo.

Lêem-se estas e outras informações vindas a público anteriormente, e a sensação que a leitura nos transmite é a continuação de um filme já visto: a nacionalização do BPN deixou de fora a SLN, e as dívidas desta e dos parceiros na grande farra cresceram a olhos vistos sob a indiferença, incompetência ou outra má razão qualquer dos administradores da Caixa Geral de Depósitos destacados para a gestão do mostrengo. 

Onde estão os culpados? 
De que crimes são acusados? No meio de tanta actividade espúria não há nenhuma falência dolosa? Não há nenhum criminoso à solta? Não há bens pessoais que respondam por actos realizados à margem da lei?
Por onde anda a Justiça, que não faz o que deve e, implicitamente, nos obriga a pagar uma factura daquilo que nós, contribuintes, não comemos?

Em Espanha - vd aqui - está em curso a discussão de alteração do governo judiciário.
Não sei se o melhor caminho para responsabilizar o poder judicial perante os eleitores é aquele que em Espanha está a ser discutido. O que sei é que, sem um abanão, a justiça portuguesa continuará  entorpecida, adormecida, até. Os contribuintes, enquanto eleitores, deveriam ter capacidade de julgamento dos agentes da justiça. Que, nas condições actuais, estão isentos de todo e qualquer escrutínio democrático.

Friday, December 21, 2012

POR ONDE ANDA O NOSSO DINHEIRO

Acabo de ouvir o "Expresso da Meia Noite".
Depois de uma discussão interessantíssima, que conto comentar noutro apontamento, entre Pires de Lima, Peter Villax, Henrique Neto e Baptista da Silva*, Nicolau Santos terminou a sessão apresentando, como de costume, a primeira página do Expresso de amanhã. 

E dei um salto na cadeira ao ouvir uma notícia invulgar: pela primeira ficaremos a saber quem é que nos deve uma parte significativa do dinheiro que, enquanto contribuintes, temos de pagar porque eles não pagaram ao BPN, só não sabemos ainda porquê. Os jornalistas do Expresso terão realizado um trabalho que, aparentemente, até agora estava por fazer. Ou, se estava feito, encontra-se ainda por provocar aquilo que há muito deveria ter provocado: a cobrança coerciva das dívidas e a eventual acção penal que o incumprimento possa exigir. Sendo os bancos tão pressurosos na cobrança e execução dos bens dos pequenos devedores, só não é estranho que os grandes caloteiros não tenham sido ainda executados porque essa é a regra, e o BPN era um ninho de ratazanas que só o Banco de Portugal não deu conta e agora os agentes da justiça têm, aparente e estranhamente, mil e uma dificuldades em apoquentar. 

O BPN só é um caso perdido para os contribuintes portugueses se persistir o alheamento com que os media portugueses, de um modo geral, costumam tratar os processos que adormecem nas secretárias dos agentes de justiça, depois das esfuziantes parangonas dos primeiros dias do desovar das broncas.

O Expresso presta neste caso um serviço público que nos cumpre, no mínimo, reconhecer.


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23/12 - Actualização

A TAP NÃO INTERESSA NEM AO MENINO EFROMOVICH?

Quando, ontem, se soube que afinal o Governo tinha decidido não vender a TAP, a surpresa foi geral. Não pelo facto de ter decidido não vender mas pela razão que, segundo foi comunicado,  impediu a venda: não ter o único candidato à compra apresentado garantias bancárias. Efromovich diz-se sentir-se frustrado, alegando que  “o fecho do contrato seria o momento de pagar e de documentar as garantias. O Conselho de Ministros era só o momento de aprovar ou não a proposta”, queixando-se de "não ter recebido qualquer pedido de clarificação do executivo quanto a esta matéria" . (vd  aqui )

Visivelmente, estamos perante mais uma história mal contada. Não passa pela cabeça de ninguém que se dê ao elementar trabalho de tentar entender o comunicado do Governo que, se a justificação da decisão foi mesmo aquela e unicamente aquela, o grupo incumbido da negocição da privatização deu, aparentemente, provas mais que evidentes de grande incompetência ao levar a conselho de ministros um processo onde faltava, segundo se presume dos termos do comunicado oficial, um dos requisitos de sustentação de uma decisão. Ora nem a senhora secretária de Estado do Tesouro, nem o senhor ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, nem o senhor consultor para as privatizações e outras questões correlativas, são tolos.

Se houvesse em cima da mesa mais que uma proposta concorrente, perceber-se-ia que a falta das garantias por parte de um ou mais concorrentes fosse inibidora de uma decisão, ainda que, neste caso, continuasse a sobrar a estranheza da falta de um dos requisitos essenciais em processos submetidos a decisão final. Neste caso em concreto, onde apenas um candidato chegou à mesa do conselho de ministros, e a assinatura do contrato de venda ficaria, como alega Efromovich, sujeito à apresentação dos títulos requeridos, que outro oculto impedimento se atravessou à última hora, e levou a abortar o processo de privatização? Por outro lado, se não houvesse jogo escondido do lado do candidato comprador, faltariam as garantias? Não houve, também a esse respeito, conversações que esclarecessem o essencial?

Sabemos, porque ele o disse, que o senhor ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares falou com o senhor Germán Efromovich, como é seu hábito, apenas uma vez na vida. Talvez por isso tenham faltado as famigeradas garantias.

Para já, a TAP continua encostada aos avales dos contribuintes portugueses. Lamentavelmente, não sabemos o que pensa a maioria dos portugueses disso.

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Correl. aqui

Thursday, December 20, 2012

ESQUIZOFRÉNICA E DISFUNCIONAL

A Justiça, em Portugal.
Assim a considerou a ministra Paula Teixeira da Cruz em entrevista da RTP, ontem.
E tem cura?
A ministra está convencida que sim. Que, com a entrada em vigor do novo "Código do Processo Penal", deixará de haver lugar para manobras dilatórias, e aqueles, que até agora se esgueiram pelos múltiplos alçapões da lei à custa de meios de que só os mais ricos dispõem, encontrarão, a partir daí, essas saídas tapadas. É uma esperança, melhor que nada.

Em todo o caso, se o arrastamento dos múltiplos processos, geralmente com  nomes pitorescos, deve muito à benevolência do código processual não deve menos à impreparação das polícias e dos magistrados para lidarem com situações que requeriam formação especializada em matérias que mesmo uma sólida formação jurídica não atinge. Por outro lado, é público e notório o nível de insucesso do Ministério Público medido pelo número de processos de grande porte ganhos, que ronda o nulo, relativamente aos casos perdidos, que se aproxima do máximo. As situações aparentemente burlescas, e digo aparentemente avaliando-as pelas notícias dos media não desmentidas pelos agentes da justiça, das buscas feitas recentemente no âmbito dos casos "Monte Branco" e "Parcerias Público Privadas", não foram, certamente, comandadas por um roteiro ingénuo do actual Código do Processo.

A evolução da tecnologia colocou os agentes da justiça a uma distância da verdade que não pode, ainda que ajude muito, ser vencida apenas com a redução ao razoavelmente aceitável dos prazos do processo, do número de testemunhas, da execução da pena independentemente do recurso para os tribunais superiores.
O processo "BPN" vai com mais de quatro anos de apodrecimento na mesa da justiça, custará mais aos portugueses do que os quatro mil e quatrocentos milhões de euros que o Governo se prepara para exigir aos contribuintes em 2013, sem qualquer reposição à vista por parte daqueles que cometeram e se aproveitam da fraude. Estes, como outros ratoneiros de elevado calibre, escapam-se apenas porque as malhas do processo são largas ou, sobretudo, porque não sabem os agentes da justiça aonde devem colocar as redes?

Afinal de contas, o que ganham ou o que perdem os magistrados do Ministério Público, quando ganham ou perdem os processos? Sempre o mesmo. O que aconteceria a um advogado ao serviço de uma empresa que perdesse a maior parte dos processos? Seria dispensado. Os magistrados do Ministério Público têm o lugar garantido, independemente dos resultados das suas intervenções. A senhora ministra da Justiça deve saber que os incentivos, positivos ou negativos, contam muito. Se não vai por aí, nunca mais lá chegamos, mesmo que consiga que lhe aprovem o novo "Código do Processo Penal".  

Wednesday, December 19, 2012

AS LÁGRIMAS DO CROCODILO

"Temos de ter particularmente cautela para que a carga fiscal que estamos a impor não se revele intolerável e insustentável para a sociedade portuguesa", disse anteontem o ministro das Finanças perante a comissão parlamentar de Orçamento e Finanças.

Ouve-se, e à primeira reflexão, concorda-se. Afinal, se o ministro das Finanças está preocupado com os efeitos de intolerabilidade e insustentabilidade da carga fiscal, pode haver esperança que alivie a carga que  estão a impor. Quem está? Ao dizer, estamos, o ministro das Finanças assume a sua quota parte de responsabilidade no carregamento, e é admissível que se subentenda naquele estamos a participação do chefe do executivo. Mas será assim?

Admita-se, até por assumpção pública dessa decisão, que o chefe do executivo com o amen do ministro das Finanças, ou vice-versa, foi mais troiquista que a troica, e carregou o burro mais do que lhe exigiam os compromissos assumidos. Em todo o caso, é público, a dose principal foi prescrita pela troica. De modo que aquele estamos é um estamos assumido por quem foi incumbido de executar ordens que recebeu e, eventualmente, exagerou para ficar bem visto pelo ordenante. 

Se assim é, e não parece que possa entender-se de outro modo, faz algum sentido que o ministro diga aquilo ao burro em vez de o dizer a quem lhe mandou carregar o animal? Se o senhor Vitor Gaspar sinceramente reconhece que o burro já está a dar de lado e um dia destes cai mesmo, faz algum sentido que se volte para o asno e lhe diga, estás aqui estás a cair, em vez de dizer à troica, se não lhe aliviamos a carga temos o animal no chão?  Não faz.

Mas o senhor ministro das Finanças não é tolo. O senhor ministro das Finanças goza até de pública reputação junto dos seus pares europeus, mormente do senhor Schäuble, que é quem manda mais. Então por que razão o senhor Vitor Gaspar troca as marcações no palco e declama para o lado errado?

Só pode haver uma explicação: o senhor ministro das Finanças Vitor Gaspar está a brincar com o burro cabisbaixo.

Tuesday, December 18, 2012

AS ARMAS E A DÍVIDA

São os dois mais complexos dossiers que se encontram sobre a mesa de Obama neste final de ano.
Em qualquer deles a oposição republicana, com algumas excepções, parece continuar irredutível, e mesmo do lado democrata há reticências à subida do teto da dívida federal e opositores à restrição do uso de armas.

Segundo o Washington Post de hoje, Obama entregou ao vice-presidente Joe Biden a liderança de um grupo que apresente propostas para enfrentar o problema do uso privado de armas. A tarefa, que a um norte-americano poderá parecer fácil, não é. E não é porque, desde logo, colide com a liberdade de uso individual de armas consagrado na Segunda Emenda Constitucional. Depois, porque mesmo após um massacre perpretado por um louco, as posições mantêm-se praticamente inamovíveis, dividindo a nação. Ainda que uma maioria de 52% da população apoie a adopção de medidas de controle da venda de armas semi-automáticas uma grande maioria de 71% desaprova restrições à venda a civis de quaisquer armas. Por outro lado, não é grande a diferença entre os que consideram o massacre de Newtown um acto isolado (43%) e os que o consideram um problema mais amplo (52%).  

Os argumentos dos apoiantes da continuação da liberdade de uso de armas são, na sua grande maioria, chocantemente estúpidos: "as armas não matam pessoas" ou "tivesse a directora uma arma com ela ...". Mas, lamentavelmente, não podemos matá-los. Os argumentos. Resta-nos esperar que o peso do ridículo acabe por pesar nas consciências dos que pensam ou proferem tais barbaridades.

Clicar para aumentar


Quanto ao precepício da dívida, e também segundo o Washington Post, parece próximo um acordo entre Obama e o líder da Câmara de Representantes, o que não significa, contudo, que esse acordo tenha o apoio garantido dos republicanos na Câmara. A este respeito é curioso o principal artigo do Outlook do WP deste fim-de-semana: Nele, Steve Mufson, reporter especializado em questões energéticas e financeiras, propõe - vd aqui - a venda do Alasca!, o que se traduziria na venda das reservas de petróleo e gás do Estado gelado. Pode valer, segundo Mufson, dois e meio triliões de dólares (trilião, igual a um milhão de milhões, na short scale, usada nos EUA ). Como a dívida federal atingiu o teto dos 16 triliões, se republicanos e democratas não se entenderem, os EUA ou suspendem pagamentos ... ou vendem o Alasca.
Esta última hipótese, a médio prazo, parece mais improvável do que na realidade é.

Por aqui se percebe porque é que estando a zona euro em crise, e a UE em recessão, o dólar esteja hoje cerca de 32% abaixo da moeda única europeia.

O mal é geral. Mas, por aí, não há petróleo em Alcobaça.
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Correl.- Menino de 11 anos leva arma para a escola não vá aparecer lá um serial killler

DEVO-LHE ALGUMA COISA, SENHOR PRIMEIRO MINISTRO?

Afirmou o senhor ministro das finanças que a adequação das prestações sociais é o problema político mais importante. Sem dúvida, senhor ministro. Já lá vão os tempos das vacas gordas alimentadas a crédito que permirtiram aos governos gastar o que havia e o que pediam emprestado. Mas se esta afirmação do senhor Vitor Gaspar é incontestável a sua ligação ao que subtilmente afirmou o senhor primeiro-ministro é uma caução imperdoável a uma acusação imperdoável.

Disse o senhor Passos Coelho no fim-de-semana que há pensionistas a receberem mais do que aquilo que contribuiram. Pois há. E o senhor Passos Coelho sabe, ou tem possibilidade de saber, quem são.
A questão controversa não é a afirmação em si mas a intenção propositada de justificar o injustificável. Porque o senhor Passos Coelho sabe, e o senhor Vítor Gaspar também, que o que consta na lei do OE 2013 não é a tributação extraordinária das pensões decorrentes de carreiras curtas, em alguns casos curtíssimas, mas a tributação de todas as pensões, acima de um patamar que só por ironia se pode considerar elevado, independentemente da duração da carreira contributiva e da idade com que reformaram os contributivos do sistema geral de segurança social.

Mas há mais: Os senhores sabem que, para além da tributação das prestações sociais intermediadas pelo Estado, que recebe dos contributivos de hoje e paga aos contributivos de ontem, sem recurso aos impostos de todos, a  lei do OE 2013 atinge os fundos de pensões privados, onde o Estado nunca meteu o bedelho e muito menos fundos públicos. Também recebem a mais do que pagaram, senhor primeiro-ministro?

Se um cidadão foi obrigado a descontar para a segurança social durante 45 anos, e se reformou aos 65, deve alguma coisa a alguém? 

Se o contrato social, que compulsivamente obrigou os contributivos do regime geral  a pagar mais de um terço dos seus vencimentos ilíquidos como contribuições sociais, para além dos impostos da lei, é denunciado pelos actuais tutores do Estado com fundamento na insuficiência de contribuições de alguns, porque mete todos no mesmo saco? E por que é que, sem razão nenhuma, para além da prepotência de quem ocupa o poder, tributa em medida idêntica as poupanças que estão sob administração privada?

A prepotência, mesmo quando se mascara de democracia, acaba por arruinar os alicerces do Estado porque mina a confiança dos cidadão nas instituições.

Sunday, December 16, 2012

E, NÃO TENDO NADA MAIS PARA INAUGURAR

O senhor Passos Coelho deslocou-se hoje a Penela para inaugurar um hotel. Inaugurar é o maior regalo de qualquer político, desde o Presidente da República até ao presidente de junta da mais minúscula freguesia,  descerrar a lápide a letras de ouro sobre mármore estreme, a coroação da sua glória. Ao senhor Passos Coelho não se têm oferecido grandes oportunidades para emparceirar o seu nome na longa lista de lápides neste país lapidado. Quando chegou a São Bento encontrou praticamente tudo inaugurado. De modo que a esta oportunidade penelense, deve ter chamado um figo.  

Mas para que não se dissesse que nada disse, Passos Coelho disse prever que a dívida pública levará 20 a 30 anos a pagar. Para quem esteja na casa dos trinta ou ainda lá não tenha chegado, uma previsão destas, se levada a sério e sem mais considerandos, abate o ânimo de qualquer um. Se a intenção do senhor Passos Coelho era voltar a promover a aceleração da emigração jovem, esteve inspirado.  

Noutra oportunidade, Passos Coelho, afirmou defendeu que a tributação das pensões elevadas não viola a Constituição. Independentemente de não sabermos o que PC considera pensões elevadas, acontece que a lei do OE recentemente aprovada com a relutância e os votos da maioria, não se limita a tributar agravadamente as pensões mais elevadas porque, realmente, tributa os rendimentos dos pensionistas de modo discriminatóriamente agravado relativamente à tributação de todos os outros rendimentos, incluindo os rendimentos do  trabalho de iguais montantes. Talvez por lapsus linguae a que é atreito, ou por pretender atingir alguns casos publicamente conhecidos, disse Passos Coelho que a essas pensões (quais, não disse, metendo demagogicamente todos no mesmo saco) não corresponderam contribuições que as justifiquem.

Fernando Ulrich, que nem sempre acerta nas suas intervenções públicas, mas não se coíbe de dizer o que pensa, considera  que as "declarações de Passos são "um insulto e não são verdade". E considera bem.
Não sabemos o que vai decidir quanto à matéria o Tribunal Constitucional e teremos de esperar uns largos meses para ficar a saber, segundo as pitonisas de serviço. Mas o que sabemos é que, provavelmente por desconhecimento de causa, os fundamentos que PC adiantou como suporte das  suas afirmações estão totalmente errados e são, por essa razão, insultuosos para os alvejados por elas.

Com estas afirmações o senhor Passos Coelho suportou-se numa mentira lamentavelmente muito divulgada.
Que, prepotentemente eleve a tributação das pensões a níveis de confisco, só o Tribunal Constitucional pode por cobro. Que os considere tolos é uma insolência de sua excelência. 

PORTUGAL VISTO DE FORA

Portugal unemployment up since bailout

O Washington Post de ontem publicou um artigo acerca da evolução da economia portuguesa desde o momento do início do cumprimento dos compromissos assumidos no âmbito do contrato de assistência de ajuda externa: os impostos subiram 30% e o desemprego quatro pontos percentuais. Um dia antes, o mesmo WP publicava este artigo que realçava o facto de nem todos os países da zona euro estarem a experimentar os mesmos efeitos recessivos que apoquentam alguns dos seus membros, destacando-se até a criação de emprego em alguns deles.

Screenshot: Eurofound

Até aqui nada de de novo, para além da imagem de Portugal neste momento transmitida aos norte-americanos. Para os portugueses que lá vivem a reportagem lê-se com desalento.

Já o gráfico seguinte, importado do mais recente relatório da "European Foundation for the Improving of Living and Working Condictions" em que se sustenta o articulista do WP, revela que, em Portugal e Espanha (dois dos quatro países onde o desemprego mais subiu entre 2008 e 2010) observou-se o maior crescimento relativo das horas trabalhadas, uma evolução contrária da observada em países, como a Alemanha e a Áustria, onde o desemprego tem sido contido. 
Screenshot: Eurofound

É ainda curioso o reparo do articulista do WP quando aponta a reduzida mobilidade do trabalho entre os países comunitários - apenas 3% do total da população da UE trabalha num país da União difrerente do seu país de origem - como o principal factor da disparidade observada nos níveis de desemprego entre os diferentes países membros, atribuindo essa reduzida mobilidade em grande parte às restrições impostas pela ausência de uma língua comum.
Terá toda a razão quanto à primeira parte mas muito menos quanto à segunda. A explicação é mais complexa: a União Europeia não é uma federação de Estados como os EUA e os cidadãos europeus ainda não existem.  

POR 920 MIL EUROS


Coleccionador paga 920 mil euros por cartaz de Metrópolis
O poster é um de quatro originais sobreviventes do filme realizado por Fritz Lang em 1927.

Saturday, December 15, 2012

DAQUI A SEIS MESES, DE JOELHOS*

António Baptista da Silva, um quadro do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Coordenador do Observatório Económico e Social da ONU para o Sul da Europa, a instalar em Portugal, é peremptório nas declarações aos jornalistas do Expresso, publicadas no caderno Economia deste semanário, hoje: "Se Portugal não renegociar agora irá fazê-lo daqui a seis meses de joelhos". O porquê, o como e o quê deve Portugal renegociar, no entender de Baptista da Silva, encontra-se, mais detalhado do que na entrevista dada ao Expresso, numa conferência, que, estranhamente, passou despercebida e se encontra em Youtube aqui  e aqui.

A mesma edição do Expresso que noticia que Nações Unidas propõem renegociação da dívida antecipa que o PR vai promulgar o OE e remetê-lo ao Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva. Um dia depois de o CDS ter reunido em Conselho Nacional para esclarecimento das razões pelas quais aceitou aprovar um orçamento que contraria os seus princípios fundadores. Uma semana depois de um notável fiscalista do mesmo CDS ter afirmado no programa de televisão em que participa que só a alteração das regras a meio do jogo poderá evitar um descalabro da actual política.

Por que é que continua a dupla que governa o país obstinada na obediência a uma política em que já muito poucos acreditam que possa resgatar Portugal, permitindo que a recuperação económica que inverta a espiral de depressão em que os banqueiros de braço dado com os políticos nos embarcaram? Haverá algum jogo por baixo da mesa que escapa mesmo a observadores tidos geralmente por responsáveis e bem informados e, por maior razão, ao homem comum? Não sabemos. O que sabemos é que todos criticam o OE, incluindo o PR, mas o OE entrará em vigor e só, provavelmente, em meados do próximo ano saberemos se contem inconstitucionalidades.

O mais relevante, contudo, não será a decisão dos senhores juízes do Tribunal Constitucional. De uma forma ou de outra, a questão crítica subsiste sem resposta: Tem Portugal alguma possibilidade de inverter a tendência crescente da dívida e a decrescente do PIB se não forem alteradas as regras do jogo? Não tem, diz Baptista da Silva, e quase todos quantos não falam com Frau Merkel ou Herr Wolfgang Schäuble.
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* Actualização - 23/12
Artur Baptista da Silva (ou o mesmo com outro nome) não é nem nunca foi funcionário da ONU

"PLEASE SAY IT´S NOT MINE"

O comentário saiu-me frouxo, ao lado do que realmente se sente perante um horror tão desmedido. Procuramos as palavras que sintetizem o pensamento mas a pluralidade de sentimentos não se conforma numa frase perfeita. Podem a dor e alegria conviver no mesmo instante ou a miscibilidade é impossível? E o que, realmente, sentimos perante a tragédia alheia é um sentimento de horror onde o medo é mais preponderante que a dor? Um dos títulos das reportagens no Washington Post de hoje sobre o  massacre de ontem em Newtown Connecticut - "Please say it´s not mine" - penso que traduz essa ambiguidade entre as palavras e os sentimentos mais profundos da condição humana.

Se assim não fosse, se a dor de uns contagiasse em medida idêntica os sentimentos dos outros, as percepções humanas seriam tão diferentes que, provavelmente, nunca haveria alegria num mundo que se tornou numa aldeia onde o turbilhão das desgraças não sossega um instante. A rotina das notícias banalizou os escândalos e os acidentes, mesmo os de maior dimensão, e endureceu a carapaça de indiferença com que se protege a resistência psíquica do bicho homem. Se assim não fosse as armas da aldeia global já teriam sido todas destruidas, mas, pelo contrário, há cada vez há mais.

De quem é a culpa, neste caso?
Do desequilibrado mental, autor material de uma monstruosidade sem qualificativo suficiente? 
Da mãe, primeira vítima do filho, coleccionadora de armas, sabe-se lá se em obediência a uma tara qualquer?   
Do pai, que se divorcia da mãe, vai para outras paragens e deixa o filho reconhecidamente mentalmente doente entregue à mãe, e uma colecção de armas e munições à disposição do filho?
Do "partido das armas", com mais partidários republicanos que democratas, mas em todo o caso transversal, que se opõe à restrição da venda e uso de armas de qualquer calibre?
Ou do povo norte-americano que, maioritariamente, apoia o "partido das armas"?

Em democracia, o povo é soberano. Se a venda e uso de armas nos EUA não merecesse o favorecimento maioritário do seu povo, estes casos não deixariam de ocorrer, mas ocorreriam, certamente, com muito menor frequência. A dor expressa ontem pelo Presidente Obama é certamente sincera da sua parte, mas não representa, neste caso, a nação inteira.  

Friday, December 14, 2012

PARA ONDE VAI O BANIF?

Há pouco mais de um ano afirmei aqui que o maior buraco (ia) começar dentro de pouco tempo, a propósito da recapitalização dos bancos portugueses, que, no caso do BCP, dificilmente deixará de corresponder a uma nacionalização com todas as surpresas para os contribuintes a que este tipo de intervenção em nome do Estado é propício. Entretanto, a recapitalização, a caminho da nacionalização, já se concretizou, assim como da Caixa e do BPI.  No caso da Caixa, até porque uma parte foi encaminhada directamente para aumento de capital, teremos de levar os fundos entregues em nome do Estado, a fundos perdidos. No caso do BPI, a probabilidade de reembolso parece elevada, tendo, aliás, já sido iniciado o reembolso nos termos do contrato. No caso do BCP, a incógnita é enorme mas, considerando a evolução dos resultados apresentados entretanto, a hipótese da participção do Estado se converter definitivamente em capital, tornando os contribuintes , de facto, responsáveis pelas perdas que vierem a observar-se, parece-me de concretização muito provável.  De qualquer modo, os capitais das recapitalizações que não vierem a ser reembolsados aumentarão a dívida líquida soberana, comprometendo-se, também deste modo a evolução decrescente apresentada pelo ministro das finanças durante a conferência de apresentação do OE.
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Hoje, o protagonista é o Banif. E porquê? Porque o volume de transacções das suas acções foi cerca de 39 vezes superior à média dos últimos 12 meses e os preços chegaram a subir 36%. E porquê? Porque uma decisão judicial abre as portas à recapitalização de mil milhões de euros. Conseguirá o Banif, num contexto de crise de que não se vê ainda a curva de inflexão, devolver ao Estado os mil milhões que levaram os accionistas a colocar o Banif no top das notícias financeiras domésticas? Não creio. Entre a hipótese do reembolso e a nacionalização de facto, suponho muito mais provável esta que aquela. 

Curioso é que estas prováveis nacionalizações, com todos os efeitos que podem determinar na carga da dívida, isto é, em sobrecarga de impostos que os portugueses terão de pagar, pouca ou nenhuma atenção tenha merecido dos habituais comentadores da praça. Todas as atenções estão direccionadas para as privatizações a curto prazo: da TAP, da RTP e da ANA. Questões importantes, sem dúvida. Mas menos susceptíveis de bulirem com os bolsos dos contribuintes.

Voltando ao Banif: Estaremos, neste caso, perante uma situação de eventual risco sistémico, o tal com que nos amedrontam para nos extorquir contribuições? Penso que não. Se os actuais accionistas não conseguem, apesar da euforia de hoje, dispensar a participação do Estado, porque não pode falir o Banif num país em que todos os dias o número de declarações de insolvências e falências continua a ser crescente? Por que razão teremos todos de pagar os erros ou os riscos mal calculados de alguns?

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Correl.- Portugal vai ser excepção numa Europa com maioria de aeroportos públicos


Thursday, December 13, 2012

UM COPO MEIO CHEIO

É melhor que um copo vazio, mas dá sempre a sensação de uma frustração futura.
A decisão conhecida hoje de centralização da supervisão bancária na Zona Euro será um passo importante no sentido da união bancária mas fica, ainda assim, consideravelmente distante da situação que possa garantir a universalidade das garantias dos depósitos bancários e, consequentemente, estancar completamente a drenagem dos capitais que tendem a procurar refúgios seguros, agravando ainda mais os custos do risco dos países mais fragilizados. O Economist de hoje considera este avanço, que tem sido aplaudido por quase todos os quadrantes políticos (ouvi na rádio um eurodeputado comunista condenar a medida, invocando um nacionalismo serôdio) um measly triumph, um mísero sucesso.  

A proposta terá de ser votada no Parlamento Europeu mas, dificilmente, verá o seu âmbito alargado aos cerca de 6000 bancos da União, como muitos pretendem mas que a Alemanha, ab initio rejeitou, preferindo que a união bancária se restrinja para já aos 200 maiores bancos e ainda daqueles que se encontrem em situação de intervenção do Estado. No caso português,  os que provavelmente seriam abrangidos pelo primeiro critério, serão, salvo o BES, também apanhados pelo segundo: BCP, BPI, CGD. O Banif, se vier a ser resgatado será incluido. O Santander Totta, cai claramente no grupo dos 200 em função do grupo a que pertence.

Reforçar-se-ão as garantias dos depósitos feitos naqueles bancos portugueses a partir do momento em que a supervisão do BCE (primeiro trimestre de 2104) estiver activada? Não. Nenhuma obrigação decorre deste acordo que permita considerar que o risco dos bancos países membros da zona euro se nivelará,  nivelando-se, em consequência disso, as taxas de juro. A opinião em sentido contrário que ouvi ser emitida por alguns comentadores na rádio esta tarde traduz um desejo legítimo mas não aquilo que hoje foi uma meia boa notícia.

Aquela que, também desta vez, a Alemanha quis: integrar, sim, mas devagar.
Aliás, com sócios como Berlusconi, nem meio copo cairá bem.

Wednesday, December 12, 2012

O JOGO DA CABRA CEGA

- Dá licença, chefe?
- Entra Ventoínha, entra.
- Parece cansado, chefe? Aposto que a Julinha ainda não lhe deu o cafézinho da manhã.
- Estou mais que cansado, Ventoínha, estou estoirado. É carga a mais.
- Ainda bem, chefe, ainda bem.
- Ainda bem?!!. Andamos para aqui todos os dias em buscas que dão que falar a todo o mundo, e tu achas bem!
- Chefe, disse quem sabe, com a crise que para aí vai, ter muito trabalho às costas só pode garantir-nos que, nós, não vamos para o desemprego.
- Eu disse isso?
- Quem mais poderia ter sido?
- Muito bem. Vamos ao trabalho! 
- Que temos para hoje, chefe?
- Mais buscas. Hoje, buscas a  "um buraco no asfalto"
- Qual deles, chefe?
- Há mais?
- Com um apenas não existiria as "Estragadas de Portugal"
- Para já há este.
- É um grandessíssimo buraco, chefe.
- Pois é, Ventoínha. Trás as lupas e os cães pisteiros.
- Os cães pisteiros, chefe?? Mas o faro dos cães pisteiros não atinge os rastos de dados em computador. E as lupas, chefe, para que nos servem as lupas, nestes casos?
- Não sei, mas não podemos ir de mãos a abanar. Dá mau aspecto.
- O chefe manda!
...
- Chefe, usei todas as lupas e não há resquícios de dados comprometedores. Nem na papelada nem nos discos rígidos. E a si, chefe, os pisteiros deram-lhe algum sinal?
- Hum! Nada, nem um estremecimento sequer.
- Tch! Chefe, ouço movimento ao lado.
- É a imprensa.
- A imprensa, chefe? O chefe voltou a avisar a imprensa?
- É a única hipótese de se saber que trabalhamos, percebes, Ventoínha?
- Percebo se me trocar isso por miúdos, chefe.
- Se as buscas são inconsequentes porque não há vestígios comprometedores que não possam ser antecipadamente apagados, quem é que poderia ter conhecimento do nosso árduo trabalho se a imprensa não o divulgar?
- Quer dizer que o chefe voltou a avisar a imprensa?
- Para te garantir o teu posto de trabalho todos os meios são justificáveis, não achas?
- Se acho, bem amado chefe, se acho!
-

Tuesday, December 11, 2012

OLHOS NOS OLHOS

Havia alguma curiosidade à volta do programa de ontem de Judite de Sousa, de olhos nos olhos com Medina Carreira, se JS abordaria o facto das buscas da Judiciária feitas à casa e ao escritório do fiscalista/comentador televisivo no âmbito dop processo "Monte Branco". Abordou, já a terminar o programa, mas a resposta de Medina Carreira: "é assunto sobre o qual não falarei; não gosto que os investigadores falem, eu também não falarei" foi surpreendente.
 
E foi surpreendente porque, estando em causa o seu bom nome (apesar de, ao que se sabe, não ter sido constituido arguido, e de ter sido noticiado que o nome Medina Carreira teria sido utilizado  como código na lista dos envolvidos no caso em questão) ele  não tenha aproveitado a oportunidade para cascar ao seu estilo em quem, sem razão aparente, lhe invade a casa e avisa antecipadamente a impensa da diligência.
 
 Sendo tão cáustico na apreciação que faz das instituições do Estado e, nomeadamente dos agentes da justiça, desde as polícias aos tribunais, seria esperável que desancasse em quem tinha obrigação de saber que: 1º. Não esperam os potencialmente, directa ou indirectamente, envolvidos num processo que já deu mil voltas, que a polícia lhes bata a porta e lhes vasculhe os arquivos para, antecipadamente, limpar tudo quanto possa confirmar quaisquer indícios de suposto envolvimento ; 2º. Tendo a Judiciária interrogado já alguns dos cabecilhas do processo é inconcebível que não tenha averiguado se o Medina Carreira indicado nas listas é a mesma pessoa que toda a gente conhece; 3º. Compete aos agentes da justiça conduzirem-se segundo as normas em vigor e, nomeadamente, não violar nem consentir que, nos termos da lei, seja violado o segredo de justiça. 4º. É por demais evidente que a presença da imprensa no momento da chegada da polícia só pode decorrer de informação ilegal fornecida aos jornalistas a partir de dentro da entidade que procede às buscas.
 
Tendo sido nomeada, recentemente, a senhor Procuradora Geral da República, foi já publicamente confrontada com duas situações em que foi público e notório subsistirem alguns dos graves entorses observados durante o reinado isabeliano do seu antecessor: fugas ao segedo de justiça, saídas em falso, esclarecimentos discriminatórios, mas nenhuma contrição, nem nenhum processo mediático ganho pelo Ministério Público.
 
Preferindo o silêncio, o menos que se pode dizer é que Medina Carreira não esteve, desta vez, igual a ele próprio. Porque se cala a vítima? Ficámos sem saber.

Monday, December 10, 2012

RELVAS & COMPANHIA

A eventual privatização da RTP está, como era de esperar, um sururu geral. Se o imbróglio já era difícil de desatar tendo o PS à solta, a atribuição do dossier à alçada do senhor Miguel Relvas complicou mais uma operação que seria sempre polémica, a julgar pelo que dizem os comentadores de serviço.

Para lá das intenções pouco claras e suspeitas que o negócio da privatização em questão suscita, há dois aspectos que são geralmente escamoteados, por serem contraditórios dos argumentos recorrentemente levantados por todos quantos, e são muitos, acirradamente se opõem à privatização dos canais de televisão do Estado.

Por um lado, invocam os tais opositores o "serviço público", e, na ausência de consenso sobre o que se entende por isso, a "independência da informação". Quanto ao primeiro argumento - serviço público - se é difícil, como parece ser, definir o que isso seja, mais difícil será justificar a atribuição de tantas horas de emissão a uma quase abstração. Além do mais, se o serviço público televisivo é, afinal, uma coisa que na realidade existe, pode sempre o Governo contratar, em concurso público, com os canais privados a emissão de programas produzidos com tal carácter. Quanto à independência da informação dos canais públicos, invocada por comentadores de canais privados, das duas, uma: ou denunciam a falta de independência da informação dos canais que lhes pagam os cachets, ou receiam que a concorrência de Relvas & Companhia lhes ameace a continuidade do montante do recibo.

Por outro lado, dizem os mesmos que o valor esperado do encaixe é relativamente insignificante quando comparado com  o valor da dívida: provavelmente, não mais que 8 milhões de euros. Ora, e isto é válido tanto para a RTP como para todas as empresas que vivem encostadas aos impostos dos contribuintes, não são os valores de encaixe das privatizações que, sobretudo, contam, mas os prejuízos que imparavelmente vêm sendo suportados pelo OE e a que, espera-se, a privatização, ponha fim.

Mas há um aspecto do assunto que, inquestionavelmente, alguns desses comentadores opositores têm razão: a eventual privatização de 49% seria um logro dos interesses públicos, e, evidentemente, uma enorme vantagem concedida pelos contribuintes a Relvas &Companhia. 

Sunday, December 09, 2012

O QUE DIZ BARROSO

O eventual Goodbye do Reino Unido à UE é o tema da capa do Economist desta semana. A mesma semana em que Berlusconi anunciou retirar a confiança a Mário Monti, e este replicou que, não estando disponível para ser marioneta do Cavaliere, se demitirá logo que o orçamento para o próximo ano seja aprovado. E na mesma semana em que, por cá, as contradições nos discursos do primeiro-ministro e do ministro das Finanças a propósito do recurso ou não às medidas concedidas à Grécia,  se prestaram a críticas de todos os quadrantes, sendo que uma das menos amáveis saltou da boca de Marques Mendes: Vitor Gaspar está a gozar com o pagode. Mais demolidor, parece impossível.  A este propósito, Durão Barroso reafirmou numa entrevista concedida ontem o que tinha dito há dias: Espero que Portugal não peça condições iguais à Grécia.

O que é estas questões têm a ver umas com as outras?
Começando pelo fim: Barroso alinha com Schäuble na aposta (sincera ou não) de que Portugal está no bom caminho para voltar aos mercados em meados, e que resolveremos a incerteza sobre o financimento em 2013". Segundo esta aposta, alinhar com a Grécia, ainda que parcialmente, nas concessões que lhe foram feitas levaria a emparceirar-nos com os gregos no descrédito junto dos investidores. Mas existe alguma segurança de que Portugal venha a ter dentro de um ano possibilidade de se financiar no mercado sem correr o risco de uma recaída? Não há.

A Zona Euro entrou em recessão no terceiro trimestre, as perspectivas de evolução da economia portuguesa (muito dependente da situação na UE apesar de alguma diversificação observada nos destinos de algumas exportações portuguesas para espaços extra-comunitários) têm vindo a ser sistematicamente revistas em baixa, e não se perspectiva nenhuma onda que corra em sentido contrário ao desta maré baixa.

Para complicar o exercício, Berlusconi, que tinha sido empurrado para fora dos comitês europeus, tira o tapete a Monti e nunca se sabe até que ponto o delírio italiano pode voltar a devolver-lhe o poder. Encontrando-se a Itália em risco de cair em default se não for amparada, o eventual regresso do Cavaliere só pode contribuir para uma ainda maior instabilidade na UE e, em primeiro impacto, na Zona Euro. É neste contexto perturbado que os eurocépticos britânicos se preparam para forçar um referendo que obrigue Cameron a dizer adeus à Europa.

E que Portugal se vai lançar no trapézio sem rede?
Não se lembra Barroso que o País já se encontrava de tanga quando ele desertou e entregou o governo à bicharada? Esperemos que, quando for oportuno, se lembre disso o país.

Saturday, December 08, 2012

A ECONOMIA DO DESPERDÍCIO

Os portugueses desperdiçam um milhão de toneladas de alimentos por ano, equivalente a cerca de 17% do consumo. Menos que a média europeia, vá lá, desta vez não somos dos piores. Mas mesmo assim não deixa de ser uma notícia chocante quando confrontada com as que, quase diariamente, nos relatam situações de tanta gente próxima de nós a sobreviver faminta. Fisicamente mais distantes, mas a entrar-nos em casa pela televisão, as imagens de populações, sobretudo em África, a morrer à míngua, só não nos esmagam porque a sua banalização criou na humanidade uma carapaça de indiferença quase absoluta que só momentaneamente é atravessada por um incómodo transitório.
 
Leio esta notícia e ocorre-me, obviamente, aquilo que é muito comum nos EUA, um país onde o produto per capita é superior ao dobro do dos portugueses: levarem as pessoas para casa o resto do que sobra das refeições tomadas em restaurantes. Não sei qual é a percentagem de alimentos desperdiçados pelos norte-americanos, mas imagino que nos caixotes de lixo dos restaurantes que frequentam a percentagem de sobras seja mínima. E, conclusão minha, não me parece que quem leve do restaurante o que lhe sobra no prato não tenha a em casa preocupação idêntica.
 
Outra comparação que me ocorre, a este propósito, é a quantidade de compras com que os portugueses carregam os carros nos supermercados. Tanto nos EUA como na Suíça, outro país com um nível de vida médio mais que duplamente superior ao nosso, os carros das compras raramente passam nas caixas com os volumes de carga  que se observam nos supermercados em Portugal. Compram menos que nós? Não é possível. Compram mais frequentemente, de acordo com os consumos semanais. Os portugueses habituaram-se a comprar por atacado, e os supermercados persistem, apesar da crise ou por causa dela, em incutir nos consumidores, através de promoções constantes, o frenezim da compra.  Resultado: quando o stock excede as necessidades normais de consumo para um determinado período, ou há sobre consumo ou deterioração de alguns artigos, ou uma coisa e outra.
 
O serviço público que pagamos à RTP deveria ocupar-se disto, mas à administração da RTP (ou aos governos?) preocupa-a mais entreter o pagode com coisas pseudo cómicas como o "Preço Certo".