Sunday, June 03, 2007

OS TORCIONÁRIOS

"Torcionário - Que torce; que pratica extorsão ou violência/s.m. O que pratica extorsão; exactor; carrasco; algoz.
Distorcer - Endireitar, pôr sem torção o que estava torcido; torcer em sentido contrário àquele em que se tinha torcido..." - Dicionário de Língua Portuguesa, da Sociedade de Língua Portuguesa
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Luís Aguiar-Conraria, em artigo no Público defendeu a ideia da substituição de toda a tralha fiscal pelo imposto único sobre o valor acrescentado, mitigando a iniquidade daí resultante com um subsídio único. A proposta de LA-C remete para um artigo de Isabel Correia, do Departamento de Estudos do Banco de Portugal, Consumption Taxes and Redistribution e publicado, em versão mais acessível, no Boletim da Primavera do BP. Ontem, LA-C voltou ao assunto, desta vez reportando-se a um artigo publicado no Diário Económico, da autoria de Ricardo Reis, professor de Economia na Woodrow Wilson School da Universidade de Princeton.
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Como alguém comentou, e eu concordo, imaginação é coisa que não falta. Mas vindas de académicos que certamente terão pesado bem a consistência das suas conclusões, é inexplicável que as suas propostas, se tiverem mérito, não tenham a repercussão que as virtualidades reclamadas pelos seus autores suporiam.
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É incontroverso que o nosso ordenamento legal fiscal (e não só o nosso) é o resultado de acumulados ajustamentos às despesas do Estado, e estas aos desígnios de quem, com a complacência da maioria, se o Estado for governado em regime democrático, (geralmente) expandiu ou (muito raramente) reduziu os encargos contraídos em nome do Estado. Sendo praticamente universal a tendência para a expansão do âmbito do Estado, pelo menos a partir de meados século passado, essa evolução tem implicado, necessariamente, o crescimento da carga fiscal sobre os rendimentos dos cidadãos, tendo-se esse crescimento suportado na anestesia fiscal (diversificando os impostos e as taxas) e no alargamento da base tributável (aumento a base de incidência através dos impostos indirectos).
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Uma redução do leque de incidência tributária só seria suportável se, prioritariamente, fosse reduzido o perímetro de intervenção do Estado e, portanto, das suas despesas. E isto por uma razão óbvia: o mesmo nível de intervenção suportado por um só imposto a uma taxa única tornar-se-ia insuportável para uma grande parte dos contribuintes. A "poll tax" é inviável, se o Estado não se contrair. A menos que os rendimentos do Estado jorrem do subsolo onde a natureza armazenou crude, e onde, neste caso a "poll tax" será tendencialmente zero.
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Deste modo, quando Isabel Correia suporta a sua tese no mérito da não distorção das escolhas dos indivíduos (trabalhar menos, por exemplo, se o imposto progressivo for dissuasor), tese que é também defendida por Ricardo Reis e Tiago Mendes (este, partidário da "flat tax"), parece esquecer não apenas a equidade fiscal a curto e médio prazos (a longo prazo estaremos todos mortos, disse o outro, e ninguém contrapôs) mas também os vectores sócio económicos das sociedades em que vivemos.
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Sobra ainda muita coisa, mas sobra ainda sobretudo analisar outro aspecto que é fulcral na tese
de Isabel Correia e no argumento no artigo de Ricardo Reis: a convicção (não pode designar-se de outro modo uma hipótese que não está demonstrada) de que a uma redução da carga tributária directa corresponderá para algumas classes profissionais a um incentivo para trabalhar mais horas e produzir mais riqueza global, que induzirá mais consumo, mais emprego para todos, mais receitas de impostos, e assim por diante. Lamentavelmente, não é assim. Se fosse, o crescimento global seria imparável e o problema do subdesenvolvimento estaria há muito tempo resolvido. Quantas pessoas, neste país, trabalham menos porque trabalhar mais não compensa por razões tributárias? E quantas não trabalham porque não conseguem emprego? Seguramente que as segundas excedem largamente as primeiras. Os impostos distorcionários (na acepção dada por Isabel Correia) seriam substituidos (aproveitando a terminologia) por impostos torcionários.
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Se se considerar a diferença (que é real, e não pode escamotear-se com modelos de muito longo prazo ) entre os níveis de poupança das diferentes classes de rendimentos debilitam-se ainda mais os argumentos dos adeptos do imposto único.
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Resumindo: Quem quiser reduzir as taxas ou o número de impostos terá de reduzir, prioritariamente, o perímetro do Estado. Se essa redução induz, necessariamente, mais crescimento económico e mais felicidade é uma questão acerca da qual, até agora, nenhuma evidência empírica deu sinal de si.

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