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Caro Prof. David Justino,
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Congratulo-me com esta sua ideia de uma leitura partilhada (...) e foi com muito interesse que esta manhã fui comprar "Europa como projecto", que já li: 70 páginas em formato de bolso, de texto claro.
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Vitorino Magalhães Godinho, que também merece todo o meu respeito, não me parece que acrescente neste seu livro algo de relevante sobre o tema que dá o título à obra, até porque, desde a primeira linha o autor nega a existência desse mesmo projecto: "A Europa não é uma construção acabada (conclusão tautológica, porque nunca o será), e deixou de ser um projecto". Convenhamos que a partir desta conclusão o destino da prosa subsequente está traçado.
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Ainda na primeira página afirma VMG,"teima-se em tratar de tudo em circuito fechado, sem participação dos cidadãos, escamoteando a vontade geral". Mas VMG é, diz ele mais adiante, “frontalmente contrário à realização de referendos e plebiscitos – essas formas de legitimação queridas por regimes totalitários (a constituição salazarista assim o foi). “Não é possível submeter a uma pergunta única ou um feixe de perguntas em número razoável, sem ambiguidades, um texto complexo e necessariamente longo (…) nem aceitar respostas que podem ir, justificadamente, em sentidos opostos.”
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Também eu penso que um referendo a este Tratado desencadearia uma maré alta de discussão demagógica onde os votantes seriam inundados de slogans (muitos dos quais não terão a ver com a matéria do Tratado em si) e mergulhados na habitual floresta de outdoors onde as caras dos prescritores ficarão a conspurcar a paisagem até que novo ciclo demagógico substitua os figurões.
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Ainda na primeira página, VMG atira, de repente, para o lado que sempre esteve virado: "A Europa no mundo não passa de um instrumento do imperialismo norte-americano, a subserviência a essa política catastrófica impede-a de desempenhar o papel que deveria ser o seu e que nenhuma outra potência pode desempenhar". Uma afirmação que o Francisco Louçã subscreverá com todo o gosto . Como subscreverá outras que não vou transcrever para não me alongar ainda mais.
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"O projecto rejeitado (tratado constitucional) não criaria um quadro institucional adequado e eficiente, continuaríamos com o poder concentrado nos governos e na burocracia, o cancro grave da situação actual - não participação do povo na vida pública -...)"
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VMG insiste repetidamente no seu texto neste ponto da ausência de participação dos cidadãos e vem, de forma extemporânea, propor um grande concílio de sábios, antecâmara de uma assembleia constituinte porque “A Europa é uma opção demasiado séria para (nós) a entregarmos às mãos dos Governos refastelados no conforto neo-liberal"
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Nós, quem? Para VMG "os pensadores com a multiplicidade de formação indispensável para formular a problemática pertinente e traçar rumos intelectuais do que deixava de ser uma mera designação geográfica"(…) "Deve-se estimular a formação de numerosos grupos de reflexão e estudo, compostos por intelectuais, escritores, artistas, geógrafos, historiadores, pensadores políticos, de múltiplas formações, que divulguem conhecimentos básicos e ideias inovadoras"(…)”"Em seguida há que convocar eleições para uma assembleia com poderes constituintes “(...) "Não se afigura necessário ratificação pelos parlamentos nacionais, mas não é de excluir se exequível e não conduzir a becos sem saída"Esta proposta é de um contorcionismo inteiro: começa por reclamar alto e bom som a participação dos cidadãos, convoca depois os intelectuais para desenhar o projecto europeu, apoia-se na democracia representativa a nível europeu para lhe dar a bênção, acaba por colocar reticências à participação dessa mesma democracia representativa a nível nacional e vota o referendo às urtigas.
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Neste último aspecto (do referendo nas urtigas) estou inteiramente de acordo com ele. VMG sabe bem, todos sabemos que a construção da Europa é um caminho que, para usar a expressão de A. Machado, se faz caminhando. Tem curvas e alguns becos. O próximo poderá ser, eventualmente, a rejeição por um ou mais países deste Tratado em referendo ou votação parlamentar.
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