Sunday, October 28, 2007

EDUQUÊS

Por sugestão colhida no Quarta República trouxe de O Sexo dos Anjos a transcrição de uma entrevista dada por Nuno Crato à revista VISÃO, " onde se explica como a ideologia tem sido desastrosa para o ensino português. E leia-se de novo o que a este propósito ficou logo no número inaugural da Alameda Digital."
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Uma professora de Ciências pede à turma para inventar uma experiência científica. Uma aluna deixa cair duas bolas, uma de pinguepongue outra de ferro, e diz que a segunda cai mais depressa dado o seu peso. Satisfeita, a docente diz à aluna para apresentar o trabalho num concurso de ciências.«A professora, evidentemente, não sabia que Galileu demonstrou que a velocidade da queda livre dos corpos se deve ao atrito e não à diferença de peso», explica Nuno Crato, 54 anos.
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O episódio desta aula de Ciências, em Sintra, o ano passado, vem transcrito em O Eduquês em discurso directo e é utilizado pelo autor, professor universitário, para exemplificar os efeitos que a pedagogia «romântica e facilitista» produziram no ensino português. Repescando e criticando opiniões de governantes e docentes, Nuno Crato mostra que o «eduquês» é um conjunto de lugares comuns e de ideias vazias - a vitória do laxismo sobre o rigor e o esforço
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VISÃO: Quem ler o seu livro fica com a sensação de que nunca a Educação esteve tão mal... É uma ilação possível?
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NUNO CRATO: De uma coisa tenho a certeza: a escola está muito mal e se não a mudarmos rapidamente sofreremos todos, os jovens e o País. Houve uma série de ideias erróneas que tiveram um peso muito grande na Educação e que são talvez os maiores responsáveis pelo estado a que se chegou. Falo da formação dos professores, dos métodos de avaliação, das directivas avulsas do Ministério da Educação.
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É a tal pedagogia romântica e construtivista que, no seu entender, liberta o aluno de qualquer exigência...
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Exactamente. Parte-se da ideia romântica de que a pessoa aprende por si e que basta motivar as crianças para que elas se desenvolvam e atinjam o conhecimento. Os resultados são desastrosos. Veja-se que só no último ano passou a haver exame nacional no ensino básico. Durante décadas, o ensino obrigatório terminava sem uma única avaliação externa. E porquê? Porque durante anos os românticos defendiam que o exame não avaliava todas as competências dos alunos e que lhes criaria traumas quando não corressem bem. Embora com alguma verdade, estes argumentos serviram para adiar os exames. E, sem eles, o ensino cai na decadência que se tem visto.
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Porque vê como positivo a introdução de exames no 4.°e 6.° anos de escolaridade?
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É necessário haver mais momentos de avaliação entre o início e o fim da escola. É errado haver apenas exame no 9.° ano. Nove anos é muito tempo para aferir, num só momento, todo o percurso educativo. Isso existiu durante muito tempo sem resultados traumáticos. Claro que o exame não deve ser o elemento avaliativo absoluto, mas devia pesar mais do que os 25% actuais. No mínimo, 30 por cento.
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O facilitismo que diz nortear a Educação começa na escola ou as crianças já o trazem de casa?
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Não sei, talvez fosse interessante um estudo sociológico sobre essa questão. Julgo, contudo, que existe uma cultura geral, em Portugal, que não valoriza o conhecimento, o estudo e o trabalho. E isso reflecte-se na escola, onde interessa que o aluno passe de ano, em vez de aferir o que eles efectivamente sabem. Por cá, os pais só procuram os professores para se queixarem das más notas dos filhos.
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Quando é que tomou consciência desse estado de coisas?
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Em 2001, quando regressei dos Estados Unidos. Vinte anos antes, quando parti, pensava que o ensino americano não prestava. Ao voltar, percebi que era a nossa escola que estava pior. Lá não existe o centralismo da Educação como em Portugal. Têm planos educativos alternativos - os trackings - que permitem a um aluno com dificuldades prosseguir os estudos com acompanhamento especializado e uma avaliação rigorosíssima dos professores. Claro que também eles tiveram muitos conceitos românticos no ensino, mas nos anos 60 e setenta....
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Enquanto, por cá, persiste o «eduquês»?
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O antigo ministro Marçal Grilo criou esse termo, gracejando com a linguagem confusa e imperceptível dos agentes educativos. O que eu reparei, lendo várias publicações da área, foi que por detrás dos discursos de alguns não existem estudos técnicos mas pura ideologia. Exemplo taxativo: um professor que discute se 4x1 é igual a 4 ou se isso é uma manobra de exploração capitalista. E isto foi publicado há dois anos!
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Mas crê que esta posição é representativa do ideário dos professores?
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Não, mas o facto de ninguém da Educação criticar abertamente esta posição produz uma permissibilidade.
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O seu livro é particularmente crítico para com as posições da ex-secretária de Estado, Ana Benavente. A vossa discordância é total?
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Não estão em causa as pessoas, mas sim as ideias, sobretudo as de alguém que foi governante e que teve grandes responsabilidades na política educativa. Separam-nos muitas coisas, em particular no sistema de formação de professores, o qual devia compreender um exame de admissão à profissão.
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Tal como na Ordem dos Médicos ou na dos Advogados?
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Exactamente. Os professores chegam hoje à profissão com treinos muito diversos. O facto de o ingresso depender apenas da nota de fim de curso e não de um exame leva as instituições de ensino superior a inflacionarem as notas, incentivando os professores a escolherem as escolas mais facilitistas, onde conseguem melhores classificações.
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Por isso diz haver um défice de cultura de base nos professores?
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Pelo menos em alguns casos é uma verdade. E isso conduz a uma postura construtivista perigosa, na qual, deixado a si próprio, o aluno consegue redescobrir toda a ciência que a Humanidade produziu. Se fosse assim, a escola não era precisa. Mas é: toda a cultura e ciência foram construídas laboriosamente, durante séculos, contra o senso-comum e as ideias feitas. Não é possível a um aluno, por mais inteligente que seja, refazer sozinho todo esse percurso.
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Até que ponto é errado pôr a tónica central do ensino na motivação do aluno?
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Segundo o dogmatismo da ideologia romântica, o que a criança descobre vale enquanto o que se lhe transmite não vale. É preciso ajudar o aluno a descobrir algumas coisas, mas muitas têm de lhe ser transmitidas. É bom que ele saiba pensar, mas também que saiba memorizar e exercitar. Quando me falam em desmotivação dos alunos eu pergunto: Será que não estudam porque não estão motivados, ou não estão motivados porque não percebem a matéria?
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Presumo que se incline para a segunda opção...
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Evidente. Existe a ilusão romântica de que os exercícios repetitivos fazem com que os alunos detestem as matérias e se desmotivem. Eu acho que se desmotivam quando não as compreendem.
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A Matemática é um caso flagrante?
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Sim, mas as dificuldades sentem-se em todas as disciplinas. A matemática deve ser dada da maneira mais criativa possível, mas o ensino não deve ser subordinado ao que é apelativo. Senão, estaríamos a competir com a televisão.
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Nota essas debilidades nos seus alunos universitários?
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Têm pouco raciocínio abstracto: qualquer problema que se lhes apresente tem de ser acompanhado por um exemplo, para perceberem. Depois, têm muita dificuldade no trabalho autónomo, nem tentam resolver exercícios sem ir logo perguntar ao professor.
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Como se explica o êxito crescente no estrangeiro de estudantes portugueses?
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Há um crescimento de escolas internacionais em Portugal, cujo êxito, a meu ver, radica na autonomia. O centralismo do ministério, em Portugal, vai ao ponto absurdo de discutir horários. O que tem o ministério a ver com as aulas de 50 ou de 90 minutos? Cada escola devia organizar-se consoante a sua experiência.
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Tem noção que parte das ideias que defende são tidas como reaccionárias?
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Preocupo-me tanto com isso que até procurei citar vários pensadores revolucionários e de esquerda, como o [Antonio] Gramsci, um marxista convicto que, logo nos anos 30, reconheceu que a escola romântica condenava as classes trabalhadoras à ignorância. Se queremos o acesso de todos à cultura, temos de rejeitar ideias que afastam as pessoas desse trilho. O grande paradoxo da dita «escola nova» é que diz preocupar-se com os mais desfavorecidos mas, ao baixar o nível do ensino, faz com que os mais abastados recorram ao ensino complementar privado e os mais desfavorecidos continuem como estão.
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Embora nos últimos anos a rede escolar pública tenha sido equipada com Internet, mediateca...
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Não é por haver net que passa a haver gosto pela leitura, tal como não é por existirem calculadoras que os alunos passam a perceber de Matemática. A tecnologia não é essencial para melhorar o ensino. Isso consegue-se com a relação professor-aluno, a qualidade dos manuais, a exigente transmissão de conhecimentos e a prática esforçada dos jovens. O problema surge quando há currículos que veiculam o facilitismo, como ter incorporado o Big Brother no programa de Português. Eu chamo a isso «Rousseau, versão pimba». Pensaram que ao porem nos manuais coisas pimba e de apreensão rápida, os alunos vão aprender Português, ao passo que a literatura é aborrecida e, como tal, não deve ser ensinada. O que não se pensou é que o Big Brother é muito mais aborrecido do que um conto de Eça de Queiroz...

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