Thursday, April 30, 2015

A QUADRATURA DE PACHECO

Há pouco ouvi na rádio a transmissão de um excerto da conferência do historiador Pacheco Pereira, acérrimo anti federalista, na Universidade do Porto sobre "A Crise Na Europa". Pacheco Pereira disse o que costuma dizer: A União Europeia anda à deriva, sem rumo, e não só em questões culturais, económicas e financeiras, mas também em assuntos de defesa e relações externas. Transcrevo de memória:

"A intervenção na Ucrânia, ao favorecer a deposição de um presidente democraticamente eleito, ainda que corrupto, e o favorecimento da entrega do poder a um proto-fascista, irritou Putin, que ocupou a Crimeia e outros territórios fronteiriços; na Líbia, participou na eliminação de al-Gaddafi sem cuidar das consequências, provocando o caos e a emergência de dois governos, de facto; na Síria, o apoio aos rebeldes acabou por favorecer o Isis; não tem política de assimilação dos refugiados, sobreviventes, que, do outro lado do Mediterrâneo chegam a Lampedusa, por incapacidade ou recusa de uma integração de melting pot, que caracteriza a sociedade norte-americana". "Culpados disto são, sobretudo, Delors e Giscard D´Estaing, que teve a ideia peregrina de propor uma Constituição Europeia. E Merkel, que não sabe como mudar de paradigma"

Há muita gente a querer, como José Pacheco Pereira, sol na eira e chuva no nabal. Quem não quer?
Como é que isso se consegue é que ninguém sabe. 

Tuesday, April 28, 2015

E EU, O QUE LHE POSSO CORTAR, EXCELÊNCIA?

No tempo do outro senhor as empresas fornecedoras de serviços e bens de utilidade pública chamavam-se companhias: eram as companhias das águas, do gás, da electricidade, dos correios e telefones, dos caminhos de ferro, entre outras. Aliás, a designação "companhia" era, de um modo geral, sinónimo de uma empresa grande: CUF, Companhia União Fabril, Real Companhia Velha, e por aí atrás até à Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Actualmente, só as seguradoras reclamam o título.

Há dias circulava na net uma recomendação irónica:
Evite as más companhias: das águas, do gás, da electricidade, das telecomunicações, dos seguros...

Hoje o ZC., enviou-me e-mail transcrevendo reclamações repetidas junto da Goldenergy, que não produz gás nem electricidade mas factura uma coisa e outra, ameaçando anular instruções de débito em conta se não lhe for dada resposta às questões que há muito tempo colocou. Casualmente, eu tinha  momentos antes recorrido a um meio de última instância, depois de esgotados todas as vias normais possíveis - e-mails, loja, telefone - por causa de um débito indevido, e facturado em duplicado, da EDP.

Interrogo-me muitas vezes se, por traquinice dos deuses estas coisas, só me acontecem a mim ou a generalidade das pessoas não confere as facturas. Os e-mails do H. e do Z.C., levam-me a considerar como mais provável a segunda hipótese. Compreensível, aliás. Conferir uma factura da electricidade ou do gás é, em muitos  casos, um complicado quebra-cabeças.

Solução: Cancelar os débitos directos em contas bancárias, reclamar, com prova suficiente de que reclamou, e não pagar se, em tempo útil, aquele que decorre entre a recepção da factura e  a data do vencimento, não for recebida resposta do fornecedor. 
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Ilus. e Ex.mo Senhor Carlos Pinto Coelho
digno director da Companhia das Águas e
digno membro do Partido Legitimista:

Dois factos igualmente graves e igualmente importantes, para mim, me levam a dirigir a V. Exa. estas humildes regras: o primeiro é a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças Carlistas sobre as tropas Republicanas, em Espanha: o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho.
Abundam os Carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V. Exa., a responsabilidade da canalização e a do direito divino.
Se eu tiver fortuna de exacerbar até às lágrimas a justa comoção de V. Exa., que eu interponha o meu contador, Exmo. Senhor, que eu interponha nas relações de sensibilidade de V. Exa., com o Mundo externo; e que essas lágrimas benditas de industrial e de político caiam na minha bandeira!
E, pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V. Exa. o permite, dos nossos contratos. Em virtude do meu escrito, devidamente firmado por V. Exa., e por mim, temos nós – um para com o outro – um certo número de direitos e encargos. Eu obriguei-me, para com V. Exa., a pagar a despesa de uma encanação, e aluguer de um contador e o preço da água que consumisse.
V. Exa. fornecia, eu pagava. Faltamos, evidentemente, à fé deste contrato; eu, se não pagar, V. Exa., se não fornecer.
Se eu não pagar, faz isto: corta-me a canalização.
Quando V. Exa. não fornecer, o que hei-de fazer, Exmo. Senhor? É evidente que para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso, no análogo àquele em que V. Exa. me cortaria a canalização, de cortar alguma coisa a V. Exa.
Oh! E hei-de cortar-lha!…
Eu não peço indemnizações pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água. Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos nem prejuízos…
Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável, perante o direito e a justiça distribuída: – quero cortar uma coisa a V. Exa.!
Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu posso cortar a V. Exa.
Tenho a honra de ser
De V. Exa. com muita consideração
e com algumas tesouras

A CRISE DO OBSERVATÓRIO

Observatório há muitos. Segundo o que aqui se  observa, haverá cerca de 152, mas o número certo é desconhecido. De um deles, Observatório sobre crises e alternativas, tivemos notícias esta manhã pela rádio. E, sucintamente, ouvimos que

O crédito bancário está na origem da crise actual,

O endividamento externo causado pelos empréstimos aos particulares foi muito mais prejudicial para o país do que a dívida pública.

Os bancos tiveram acesso a dinheiro fácil e barato no estrangeiro que emprestaram sobretudo aos particulares. A dívida pública cresceu sobretudo depois da crise.

Sete anos depois da erupção da crise, o Observatório sobre crises e alternativas desvenda o segredo de polichinelo da crise.

Melhor, só o Ministério Público.

Monday, April 27, 2015

O JOGO DA CABRA CEGA

Ficou mais notabilizado pela promoção internacional do pastel de nata.
Mas foi na arrumação das contrapartidas - de dois submarinos Tridente comprados em 2004 e de doze aviões C-295 para operações de busca e salvamento, comprados em 2006 -, afinal de contas, que o ministro Álvaro Santos Pereira teria sido melhor sucedido. Acabou com elas?

Parece que não. Os submarinos hão-de voltar a emergir, os aviões começam, só agora, a dar que falar.

Segundo o Público de hoje, vd. aqui, "ex-responsável pela imagem de Passos Coelho e ex-adjunto do Governo intervieram na negociação de um contrato que está a ser investigado pelo Ministério Público. Um tornou-se sócio da Salvador Caetano, o outro foi contratado por esta empresa ... No dia 1 de Agosto de 2012, Álvaro Santos Pereira assinou um aditamento ao contrato com a Airbus. A garantia bancária foi reduzida, para 15%. E a Salvador Caetano passou a ser o maior parceiro do novo contrato revisto, estimado em 292 milhões de euros, num total de 464 milhões gerados pelas contrapartidas dos C295. Em Setembro de 2012, já após o contrato, foi criada a Salvador Caetano Aeuronautics."

Sempre notável é a oportunidade das intervenções do Ministério Público: nove anos depois do contrato de compra dos aviões, quase quatro anos depois do aditamento que lhe remediou as contrapartidas.  

A QUIETUDE DA ÁGUA


Em "A Quietude da Água" não é a história que conta. As histórias repetem-se sempre, ad infinitum, na realidade e na ficção. O que conta é o fulgor da arte de as contar.
"A Quietude da Água" é um filme que vale a pena ver pelo exotismo das paisagens, das vivências e das tradições recolhidas em planos de grande beleza cinematográfica mesmo em cenas de desespero e revolta.

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Sunday, April 26, 2015

O ASSASSINATO DA FRANÇA

“As elites estão a assassinar a França”, afirma Michel Houellebecq  numa entrevista publicada hoje aqui. Dito por qualquer outro francês, e a maioria dos franceses dirá o mesmo, aliás como a maioria dos portugueses, dos espanhóis, etc., a respeito dos seus países, a afirmação seria anódina, de tão batida. 

Dita por Houellebecq, titula a entrevista a um escritor que, para além dos méritos que lhe possam ser reconhecidos, e serão muitos, merece agora  protecção policial permanente desde a publicação de "Submisão", ocorrida, vantajosamente para ele, quase em simultâneo com o massacre de Charlie Hebdo. Aliás, o livro e a entrevista recolhem, com humor perverso, o sentimento generalizado de uma larga maioria de franceses, e não só, que vêm na progressão islâmica motivo mais que suficiente para se barricarem em posições extremistas de direita. 

Michel Houellebecq satiriza o incómodo e a inabilidade ocidental perante um avanço que não sabe conter e muito menos combater. As elites, submergidas pela vaga invasora, limitam-se a esperar pela oportunidade de colaborar com o invasor e assassinar a França. 

Premonitório ou provocador, a Houellebecq qualquer dos atributos convém. "Soumission" não é um romance; é um manifesto político romanceado. A capa da edição portuguesa é muito elucidativa da intenção do texto.
Quem não gosta do estilo são os putativos intrusos.
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correl. - Sobre Huellbecq

Saturday, April 25, 2015

PREVARICADOR E FISCALIZADOR

Sabe-se que o Tribunal de Contas não pode mandar prender ninguém. A designação que lhe emprestaram é simples alegoria. Mesmo assim, de vez em quando surpreende-nos com alguns relatórios que provocam meteóricas manchetes nos media. De tal modo que chegamos admitir a hipótese de, afinal, o tal pseudo tribunal ter os frutos no sítio, ainda que tipo cereja. Aconteceu, por exemplo, há uns dias atrás.

Na terça-feira passada o nosso inocente Tê-Cêzinho (não confundir com o Tê-Cê, Tribunal Constitucional) foi levado em ombros pelos media quando teve a tímida ousadia de, vd. aqui, dar parecer desfavorável à fiabilidade dos documentos de prestação de contas do Tribunal Constitucional relativos a 2013 e ter constatado irregularidades como a atribuição de viaturas para uso pessoal a todos os juízes conselheiros. O acontecimento foi oportunamente registado aqui. O senhor juiz presidente do tribunal acusado, agastado, confessou-se desgostoso.

Acontece que, ao mesmo tempo que o Tê-Cêzinho ousava bulir com o tribunal supremo (não confundir com o Supremo Tribunal, que também é supremo mas é menos), os deputados da nação preparavam-se para votar por unanimidade, vd. aqui, a transferência das responsabilidades de fiscalização das contas dos grupos parlamentares, até agora sob alçada do pequeno Tê-Cê pequeno, para o prevaricador Tê-Cê maior.

Melhor, nem na Madeira.

Friday, April 24, 2015

ONDE MORA A FELICIDADE?

No começo deste mês comentei aqui os resultados de uma avaliação do Eurostat sobre o nível de felicidade dos povos da União Europeia publicados no Economist. Anteontem, foi publicado o relatório da ONU -World Happiness Report 2015 - com intenção idêntica mas de âmbito mundial e metodologia diferente. E se as conclusões do Eurostat reflectiam um grau de menos felicidade declarada pelos portugueses que colocava Portugal nos lugares da cauda do ranking, a transposição para o contexto mundial no relatório da ONU piora a posição relativa da felicidade portuguesa colocando o nosso país muito abaixo dos lugares ocupados nos rankings do Programa de Desenvolvimento Humano (PNUD), também das Nações Unidas, que conjugam os indicadores que, em princípio, deveriam ser forjadores de felicidade: PIB per capita, sistema de saúde, escolaridade, esperança de vida.

Que falta aos portugueses para serem felizes?

(clicar no quadro)

Por que são mais felizes os panamianos (25ª. posição) que os italianos (50ª. posição) e os moldavos (52ª. posição) que os portugueses (88ª. posição)?

Veja-se no relatório, aqui.
A explicação dos factores de avaliação encontram-se nas págs. 22 e 23 do relatório.
Os rankings a págs. 26, 27 e 28.
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Correl. - Há mais suicídios em Portugal que mortes nas estradas. Em média, três portugueses por dia decidiram por termo à vida, segundo o Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses.

Thursday, April 23, 2015

ARTE ASIÁTICA

Beauty in Spring

O Google relembra hoje o 140º. aniversário de Uemura Shōen, artista japonesa nascida a 23 de Abril de 1875. A arte asiática não participa ainda em medida muito evidente nos leilões dos nomes mais sonantes do negócio, apesar de alguns artistas plásticos, japoneses e chineses estarem a obter crescente reconhecimento dos coleccionadores ou investidores em obras de arte. Por outro lado, depois das aquisições feitas por japoneses durante o boom económico nipónico, os investidores chineses já colocaram o seu país também no primeiro lugar do mercado da arte ocidental. 
Um dia destes chegará a vez do entusiasmo especulativo pela arte asiática.
E evolução do valor da arte está sempre intimamente ligada à evolução da acumulação de riqueza apropriada por aqueles que, mais do que admiradores da obra adquirida, esperam que outros mais ousados ou mais abonados,  no futuro, subam a parada. Ou que eles mesmos, em tempos que considerem oportunos, provoquem a subida.

Wednesday, April 22, 2015

TAL E QUAL, COMO NO CONSTITUCIONAL



Porque o exemplo vem de cima, está há muito e mais que explicada a tendência lusa para o generalizado surrupiamento dos interesses colectivos reunidos num ente abstruso, abstracto mas imbecil, a que usamos, e abusamos, chamar Estado.
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O juiz presidente do Tribunal Constitucional diz estar desgostoso pela revelação feita pelo Tribunal de Contas esta manhã de terem os juízes do tribunal a que preside recebido 12 mil euros em subsídios de refeição considerados ilegais, e 21 mil euros por gastos não documentados. São ainda acusados pelo uso descontrolado das 20 viaturas oficiais. - vd. aqui




"O documento classifica o controlo interno de "deficiente" e aponta para uma falta de fiabilidade dos documentos de prestação de contas de 2013. Em quase todos os pontos, os juízes do Palácio Ratton alegaram a legalidade dos procedimentos invocando outra interpretação das leis em vigor.

Os juízes-conselheiros do TC têm à sua disposição 20 automóveis, sendo dois usados pelo presidente e pelo vice-presidente, 11 para uso pessoal pelos 11 restantes juízes-conselheiros, cinco para serviços gerais do TC e dois estão ao serviço da Entidade das Contas e Fiscalização dos Partidos. Segundo a auditoria, a atribuição dos 11 carros aos juízes infringe a lei. O documento explica que "admitir, como defende o TC, que todos e cada um dos juízes dos tribunais superiores (TC, TdC, STJ, STA, Tribunais de Relação e Tribunais Centrais Administrativos) tem direito a veículo de uso pessoal teria significativas implicações retributivas que, no nosso entendimento, obrigariam à sua previsão no Estatuto dos Magistrados", sustenta o TdC em reação aos argumentos apresentados por Sousa Ribeiro, constantes logo no final do relatório. Aliás, os argumentos de Sousa Ribeiro ocupam 73 páginas, menos seis do que as conclusões do tribunal liderado por Guilherme D"Oliveira Martins. Por outro lado, "seria singular que o presidente do TC tivesse a competência para regular, por despacho administrativo, a afetação para uso pessoal dos veículos da frota da entidade que preside porque nenhum outro supremo titular dos órgãos de soberania tem essa prerrogativa (Presidente da República, presidente da AR, primeiro-ministro)", acrescenta.

No contraditório, o presidente do TC declara estar "desgostoso" com as conclusões do relatório, assumindo o firme propósito de corrigir "essas situações e seguir as recomendações concretas".
 

Depois desta auditoria, concluída a 27 de janeiro deste ano, o refeitório foi encerrado por estar em situação ilegal. "Verificou-se que se encontrava em funcionamento, em instalações do TC, um bar/refeitório explorado por particulares, a título gratuito, sem que haja evidência de qualquer processo de contratação ou autorização superior que o permita". Os auditores admitem ainda que os encargos com as respetivas instalações desse mesmo refeitório - como luz, água e gás - são suportados pelo Constitucional."
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Correl. - (23/04) - Quando o Tribunal (de Contas) julga o Tribunal (Constitucional)