Saturday, May 31, 2014

SEGURO MAS DESEMPREGADO

"Quero dizer, com toda a ternura, disse o João, que não me revejo de maneira nenhuma naquele artigo que o meu pai escreveu hoje e que acho aquilo um disparate ...".

O João poderia ter dito que, com toda a ternura, não concordava com o pai ou que discordava dele, mas não o fez por menos e afinou por aqueles que afirmam que "o velho já está cheché". Por que razão assumiu o João uma posição pública frontalmente contra o patriarca do partido quando tudo indicia que não é Seguro mas Costa o candidato preferido pelos socialistas e pela opinião pública em geral é um mistério salvo hipótese de comportamento edipiano serôdio.

Soube-se há pouco que Seguro propôs na reunião de hoje do secretariado nacional do partido a realização de eleições primárias para a eleição do candidato do partido às próximas eleições legislativas. Costa não recusa a proposta mas vai propor esta tarde realização de congresso extaordinário para o que já conta com o número de assinaturas necessário.

É óbvio o estratagema de Seguro. Ele gostará tanto de primárias quanto Maomé do toucinho. Eleições primárias nesta altura, solução inédita em Portugal proposta por Assis - vd. aqui -  quando concorreram ambos ao lugar deixado vago por Sócrates, sem entecedentes nem regras estabelecidas, é uma manobra claramente dilatória com a intenção de esvaziar os objectivos de Costa.

A proposta é ao mesmo tempo decente e cínica. Decente, no sentido de que só através de eleições primárias será possível reanimar o exercício democrático, actualmente ofuscado por uma prática que entrega a um universo muito restrito de militantes (o aparelho partidário) a escolha dos  candidatos a primeiro-ministro, replicando o estilo leninista do "centralismo democrático".  Cínica, porque Seguro e os seus seguidores sabem bem que o timming é totalmente desajustado.
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Act. - A proposta de Seguro de realização de primárias para escolha do candidato a primeiro-ministro mantendo-se ele em secretário-geral em qualquer caso não é original. Rubalcaba, vd. aqui, tentou a mesma via, que foi rejeitada.

TOCANTE


Sinfonia Juvenil Teresa Carreño de Venezuela

Alegria e beleza a rodos.
Amanhã há mais.

Friday, May 30, 2014

ELES POR CÁ TODOS BEM, GRAÇAS AOS DELES

Em Espanha foram pela primeira vez condenados quadros das caixas de aforro, neste caso quatro altos responsáveis de uma caixa de aforros da Catalunha, na altura a terceira de maior dimensão - vd. aqui - por desvio de fundos em proveito próprio, aquilo que costuma designar-se por roubo quando quem desvia não é banqueiro ou parecido. Condenados a prisão, o presidente durante dois anos, e a um ano três outros membros da direcção, escapam às grades por contrapartida da devolução de 28 milhões de euros à procedência.
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Act. - Ouço na rádio parte de uma entrevista ao Procurador Geral Distrital Pinto Nogueira, já  reformado, afirmar que, provavelmente, a prescrição observada no processo Jardim Gonçalves ficou a dever-se a negligência do procurador incumbido do processo. E que, concordando em grande parte com as medidas adoptadas pela actual ministra da Justiça, falta sobretudo reformar as cabeças dos magistrados do Ministério Público. Cito de cor, não garanto que as palavras do entrevistado tenham sido exactamente aquelas, mas o sentido é certamente o que aqui registo.

Thursday, May 29, 2014

DOS TEMPOS DAS BOAS COLHEITAS

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Continuam a rocar como se o tempo não tivesse passado por eles. Actuam esta noite no Rock in Rio.
O cartaz foi desenhado por Daniel Sampaio, um designer do Porto. Não irei assistir ao espectáculo mas colecciono o cartaz, que considero muito bem esgalhado, aqui no caderno.
Já é alguma coisa.

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Act. -  vd. fotogaleria aqui

Wednesday, May 28, 2014

COM COSTA NADA DE NOVO

Uma das conclusões mais repetidas de alguns comentadores depois da declaração de disponibilidade de António Costa para liderar o PS é a de que com António Costa nada de substancial se alterará na intervenção do PS como alternativa ao actual governo porque, qualquer que seja o líder do PS, na eventualidade de ganhar as próximas eleições legislativas e tornar-se, nesse caso, o próximo primeiro-ministro, não irá, porque não poderá, governar de modo significativamente diferente daquele que tem caracterizado a acção do actual governo.

Esta suposta impossibilidade de alternativa decorrente das circunstâncias impostas pelas sequelas da crise terá sido a principal razão absorvida pelos eleitores para atribuirem uma vitória de Pirro ao PS, para utilizar a expressão do seu fundador, e uma derrota confortável à coligação que suporta o governo. Tal leitura conduz directamente à conclusão dramática de que  se este governo é péssimo não se decortina quem no PS, Seguro, Costa ou qualquer outro, seja capaz de fazer significativamente diferente quando for governo outra vez.

Por que é que, quando A Costa acaba de fazer uma declaração que abala o PS, se lhe cola a mesma dúvida generalizada que paira sobre a capacidade de A Seguro, apesar do apressado rol de  promessas feitas por este à última hora durante o recente período eleitoral?

Só há uma resposta possível: Se A Seguro não teve até agora a capacidade de convencer os portugueses de que é capaz de ser uma alternatível credível a P Coelho, também das intervenções públicas de A Costa não foram apercebidas pela maioria da opinião pública ideias suas para levantar o país.
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PS - (29/5) - Seguro não aceita convocar congresso extraordinário e Costa, por erro na contagem das espingardas, fica pelo caminho. Mas a chegada de Seguro a Setembro do próximo ano como líder vai ser turbulenta. Se, como tudo indica, as sondagens que irão aparecer até ao fim deste ano, não favorecerem a consolidação de Seguro no posto, haverá congresso extraordinário no primeiro trimestre de 2015 e, muito provavelmente, Sócrates voltará em ombros de seguristas, costistas e soaristas. Se assim for, se tudo correr mal, o próximo primeiro-ministro será P Coelho ou J Sócrates.
(previsão isenta de IVA, que, nessa altura, deve ter atingido os 25% )
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Correl. - A direcção do PSOE aceita convocar um congresso aberto"Los barones atienden la iniciativa para que todos los militantes participen en la elección del futuro secretario general"

Tuesday, May 27, 2014

O VÍRUS DO FUTEBOL

Quando digo que não sou adepto ou sequer simpatizante de qualquer clube de futebol mas que gosto de ver um espectáculo futebolístico, se o espectáculo merecer ser visto, ninguém acredita, salvo se também pertence ao grupo de tipo raro que nasceu sem o condão da fé, neste caso da fé clubística, como eu.Tenho dificuldade em compreender, ainda que me esforce por isso, como é que uma disputa entre profissionais principescamente pagos possa mobilizar a paixão partidária de multidões até à agressão física, obrigando à intervenção massiva e sistemática das forças policiais para evitar os confrontos dos adeptos alucinados. Também me custa compreender como é que aquilo que é apenas um espectáculo, ou um jogo, segundo a designação comum, seja frequentemente tema de conversas entre amigos, como se tratasse da preocupação maior das suas vidas. Ou, muito frequentemente, azede o humor do adepto, adensando o relacionamento com as pessoas mais próximas em casa, no trabalho, na rua, até. Já anotei em tempos neste caderno, aqui, o caso de clubite aguda que mais me impressionou na minha juventude. Se o Benfica perdia, e LMSMarques sabia disso não sei como, a aula de segunda-feira era aterrorizante. Mas é assim, com diferentes graus de fé clubística,  a condição humana, as excepções apenas confirmam a regra. O tema tem sido objecto de inúmeras teses, a mais vulgarizada das quais é provavelmente, "The Soccer Tribe" de Desmond Morris, não foi qualquer veleidade de acrescentar algo que me sugeriu este apontamento de hoje, mas um artigo que acabo de receber, enviado por um amigo, publicado no CounterPunch - Real Madrid and the Soccer Malady, de Binop Kampmark.

Realça Kampmark neste artigo, a propósito do encontro recente entre as duas equipas espanholas finalistas da "Champions", as consequências da alienação provocada pelo vírus nas tribos do futebol em sociedades apoquentadas pela crise economica e pelo desemprego. Kampmark não o refere mas é fácil constatar a sobreposição das paixões clubísticas sobre os interesses próprios no comportamento até do adepto comum. Ouvem-se fequentemente protestos, acusações excitadas, fundamentadas ou não, contra as retribuições dos políticos ou as evasões fiscais legalmente consentidas de alguns empresários, mas os estratosféricos rendimentos dos artistas da bola, atletas, treinadores, dirigentes dos clubes, passam incólumes no meio da trovoada de críticas contra privilegiados e monopolistas. Até os partidos da classe operária se esgueiram a citar a questão, demonstrando que até aqueles que mais se batem contra os privilégios de classe não ousam tocar nos monstros sagrados. Alguém sabe que impostos pagam e onde os pagam os artistas da bola?

Por outro lado, o negócio do espectáculo não sobrevive, geralmente, sem o recurso ao crédito, que, deste modo é desviado do financiamento da economia produtiva. Grande parte destas sociedades encontra-se endividada, contribuindo para o escessivo endividamento do país. A maior parte dos atletas que jogam em clubes portugueses da primeira e da segunda ligas são importados e transaccionados ao sabor dos interesses dos gestores das sociedades ditas desportivas.
Sic transit gloria mundi.   
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Prevenindo a hipótese do link se poder partir, transcrevo o artigo que referi na íntegra
by BINOY KAMPMARK


Europe is awash in both capital, and its evil twin brother, debt, and the football (soccer) club has become the vital expression of this relationship. What price the European Football League? The treasuries of European clubs have become the repositories of world capital, be it Russian (Chelsea); Qatari (Paris Saint-Germain) or UAE (Manchester City). In the Spanish case, there are domestic sources of royal and extravagant patronage and no one comes close to Real Madrid, the royal jewel in the Spanish crown.
This monumental injection of capital has seen footballers become the modern gladiators in a market that has made purchasing power the only standard, the sole measurement. Everything else – the commentary, the aesthetics, the skill – is subordinate to the purse.
The European Championship League final has seen as much a battle of financial accounts as it has with deft players of skill and stamina. It is the richest competition of clubs in the world, a titanic confrontation that pits contestants who are often striving in their domestic competitions as well. This year, it was Real Madrid and Atlético Madrid, a first time Championship derby which ended, only in the last portion of the match, in Real’s favour. It was ‘La Décima’ – their tenth victory of the tournament, one they have often regarded as their own, an ancestral entitlement.
It did look like Atlético had the measure of their giant neighbours for much of the match, playing solidly while containing their more favoured counterparts. Real’s star striker, Cristiano Ronaldo, was held in check for a good portion of the contest, his star dimmed. His team mate, Gareth Bale, seemed to be somewhere else, as he has been at stages this season, including the El Clasico. But stamina proved telling, and the breach in extra time led to a flood, yielding a deceptively flattering 4-1 in favour of Carlo Ancelotti’s side.
The story behind the win is something else, somewhat less glamour and glitz and more cold sobriety and hard-bitten deception. The campaign to win their tenth title, one they have been waiting for since 2002, cost Real the equivalent of a billion pounds. In eleven seasons, the furthest the club got in the Champions League was the semi-finals. The club sports a debt of 590 million euros, something it wears more like a floral garland than a millstone. It demands, and often gets, special dispensations.
Such instances of erratic monetary behaviour are not exceptional, though Real does it better than most. This enables them to play the money game of the football transfer market, which has led them to breaking the world transfer record three times in 10 years. That particular circus of extravagant expenditure has become much like the contemporary art market – a matter of figures over substance; the auction market before the standard.
It is actually impossible to measure the value of something that is, as Oscar Wilde would have designated, useless. That may be part of the problem. Transfer fees are distorted, and when they are revealed, there are embarrassed confessions. This has been the case with the signing by Barcelona of the Brazilian star Neymar. Initially, the figure was £48 million. Then, it was revealed that the actual cost was a heftier £73 million (International Business Times, Mar 25). Corporations need their chips to perform, and they don’t want to be seen as reaping a poor dividend. Bale cost £91 million in the transfer deal between Real and Tottenham, a fee so staggering it would make any subsequent performance on his part poor.
Beyond such extravagant outlays come the dispensations offered such clubs as Real and their staunch rival FC Barcelona. Given the state of the Spanish economy, every bit of tax revenue would, surely, be chased with terrier-like enthusiasm. Not so the Spanish government, which revealed last year that the amount of unpaid tax owed by professional football clubs in the country’s top two divisions was a jaw-dropping 664,876,441 euros (The Independent, Aug 6, 2013).1
The figure sits uncomfortably with the European Union bailout package worth somewhere in the order of 100 billion euros. Unemployment hovers at a sore 26 per cent, with youth levels almost double that level. Priorities do determine choices, and Spanish football tends to be a priority over many others. The European Commission last December took note of this when it initiated an investigation of seven Spanish clubs, including Barca, Real, Osasuna and Atlético, for contravening EU rules prohibiting favourable tax treatment for them. Much of this is put down to the fact that such clubs are still owned by the socios – their own membership.
Various clubs were also investigated for receiving illegal state aid2 – Real over training facilities at Valdebebas; and Bilbao over money received for the construction of a new stadium. Others have also received cash assistance from regional governments, including Valencia. Given these links, it should surprise no one that the Spanish government has taken to battling the European Commission over such charges of illegality. Football, explained Spanish foreign minister José Manuel García-Margallo, is “part of the Spanish brand” (Reuters, Dec 16, 2013). It’s football, or nothing.
What price the league, then? All in all, too much, itself an object, an aim, and one increasingly pursued like an addiction fed with impunity. Addictions, by their nature, resist reflection. In the case of the football giants, they get away with it, because they can. They are prima donnas of the pocket, demanding cheques and curtseys rather than curses and sanctions. But pots of gold do run out – eventually.
Dr. Binoy Kampmark was a Commonwealth Scholar at Selwyn College, Cambridge.  He lectures at RMIT University, Melbourne.  Email: bkampmark@gmail.com

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Correl. - Os estádios da ignorância

Monday, May 26, 2014

O QUE PROPÕE PIKETTY

Subitamente, e após o aparecimento da edição em língua inglesa, o livro de Thomas Piketty - Le capital au XXIe Siècle -  está ser lido e escalpelizado em todo o mundo. Dir-se-ia que o vazio deixado, primeiro pela derrocada do socialismo real, e depois pelo rombo provocado nas economias ocidentais pela globalização e pelo liberalismo sem regras, procura um autor que reequacione o mundo económico e social e o preencha com uma proposta mobilizadora para um caminho menos incerto.

Os tempos de crise são sempre propícios ao aparecimento de gurus e demagogos. Mas são também tempos de descoberta e de desafio à condição humana de superação de obstáculos e de reorientação no meio do caos. A abordagem de Thomas Piketty, segundo as avaliações que generalizadamente têm sido feitas da obra - que ainda não li integralmente - é consistente, ainda que tenham sido objecto de reparos alguns dados e cálculos apresentados, e só a parte final, a das propostas, está a merecer alguma contestação.

Daquilo que já li, deduzo que, sucintamente, a análise histórica conduziu Piketty à conclusão de que a concentração da riqueza, o crescimento da desigualdade, a apropriação de riqueza por uma minoria em ritmo superior ao crescimento económico confirma o esmagamento dos rendimentos das outras classes, e nomedamente da classe média, e é, consequentemente, indutor de redução do crescimento económico e gerador de um ciclo vicioso que tem de ser invertido. Nada de muito surpreendente, portanto.

Aquilo que gera mais controvérsia, e é colateral às conclusões do "Capital no séc. XXI", é a proposta do autor à política de austeridade como resolução do endividamento público excessivo, sugerindo Piketty que, não sendo utilizável a amortização da dívida pela inflação moderada, por oposição incontornável da Alemanha, deverá ser imposta fiscalidade bastante sobre o valor líquido das fortunas acima de determinado limiar (referiu, hipoteticamente, um milhão de euros). Nada de muito diferente daquilo que Miguel Cadilhe, entre outros, já propuseram há muito tempo.

É muito simplista porque ignora a capacidade quase ilimitada da imaginação humana para driblar o fisco? Pois é. Porque só seria efectiva se mudasse radicalmente a organização mundial do sistema financeiro e fiscal. Mas entre o oito e o oitenta há um intervalo largo onde é possível instalar mais equidade fiscal e a reduzir a desigualdade que possam repor níveis de crescimento susceptíveis de criar emprego na Europa.

Portugal é o exemplo acabado de uma sociedade atormentada pelo endividamento excessivo onde a política de austeridade tem penalizado desigualmente as diferentes classes sociais. Provavelmente, os sacrifícios impostos pela troica e sobreaplicados pelo governo teriam tido um impacto menos desfavorável no crescimento económico se tivessem sido requeridos em proporção progressiva dos rendimentos e da riqueza líquida de cada um e, sobretudo, seriam melhor acolhidos pela população em geral. O governo optou por outro caminho. Os eleitores disseram ontem o que pensam das políticas adoptadas.

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*   Votaram 34,66% dos eleitores inscritos nos cadernos eleitorais. Dos que votaram, 7,49% votou em branco ou nulo. Dos 32% que votaram num dos partidos, 27,7% voram na coligação PSD/CDS, ou seja 8,864% dos eleitores inscritos. Mesmo admitindo a desactualização/sobredimensionamento do número de eleitores, só por sofisma manhoso pode o governo afirmar, como tem estado afirmar pela boca de alguns dos seus ministros, que os portugueses comprenderam as políticas que foram e continuarão ser adoptadas. Igualmente manhosa é a mensagem de triunfalismo que o PS tem estado a querer fazer passar junto da opinião pública. Votaram PS 31,5% menos de 10,08% dos eleitores inscritos. Aliás, se as eleições legislativas se realizassem agora, segundo sondagem da Intercampus, a vantagem do PS seria  de 0,4%!

Sunday, May 25, 2014

POR UMA QUESTÃO DE FÉ

- Então, vais votar ou não?
- Já te disse que não vou votar.
- Podias ter mudado de opinião.
- Mudo muitas vezes, mas neste caso não. E tu, votas?
- Não posso. As pernas não me deixam.  Mas se as pernas me deixassem votava.
- E sabes em quem votarias. 
- Sei, claro que sei. Votei sempre no mesmo partido. E se voltasse a votar, votava mais uma vez no mesmo.
- Mesmo que o partido tome decisões que te desagradam ou que quem lidera o partido pratique acções ou tome atitudes que tu condenas?
- Mesmo assim. Não é por o cavalo estar a mancar que lhe vamos amputar a perna.
- Mesmo que aqueles a quem confiarias o teu voto tenham tomado decisões contra os teus próprios interesses.
- O meu partido nunca tomaria decisões contra os interesses da classe a que pertenço.
- Estás seguro disso?
- Estou seguro disso.
- Então conheces bem quem são os candidatos da lista do teu partido e aquilo que eles podem fazer por ti.
- Não os conheço assim tão bem, não, mas confio no partido. Que não é o partido comunista, fica sabendo que nunca votei nos comunistas. Não gostei do que os vi fazer a seguir ao 25 de Abril.
- Já me tinhas dito. 
- Mas compreendo que muitos trabalhadores votem no partido comunista. O que eu não compreendo é que haja trabalhadores que votem nos partidos dos ricos.
- Por que será?
- Não sei. Talvez por uma questão de fé. Talvez por uma questão clubística. Ou religiosa. Ou tudo isso, à mistura. Talvez porque não estejam suficientemente elucidados. 
- E por isso votam naqueles em quem têm fé.
- Não vejo outra explicação. 
- Mas não achas que quando me dizes que confias no teu partido, independentemente das acções ou atitudes que o partido toma, também estás a ser guiado por alguma dose de fé?
- Não. De modo algum. Tenho perfeita consciência do lado a que pertenço. 
- E esse lado nunca muda de posição?
- Oscila, mas anda sempre à volta do mesmo ponto de equilíbrio. 
- Tens a certeza?
- Confio nisso.

Saturday, May 24, 2014

NECESITO DOS ENTRADAS


 
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El Madrid gana la Décima  Los goles de Cristiano, Bale y Marcelo en la prórroga dan la victoria a los blancos

Friday, May 23, 2014

O DIREITO DE NÃO VOTAR

O direito de votar, essência do exercicio democrático, é também um dever cívico? Não é.
Um direito nunca pode constituir um dever ainda que o seu exercício possa implicar, e frequentemente implica,  a assunção de um ou mais deveres. Decorre do direito de votar algum dever para além daqueles que formalizam esse direito, o dever de se inscrever nos cadernos eleitorais, por exemplo? Não decorre. Em alguns países, onde vigoram regimes pseudo democráticos, o voto é obrigatório por lei. Neste caso a lei não concede ao cidadão eleitor um direito porque lhe impõe um dever, o dever de votar.

Do direito de votar não pode decorrer o dever, dito cívico, de votar. Se o cidadão é livre de expressar o seu voto, pode expressá-lo votando ou não votando, isto é, abstendo-se. Pode a abstenção fundar-se na rejeição de qualquer das candidaturas sujeitas a sufrágio ou simplesmente de ausência de motivação ou conhecimento suficiente para discernir acerca da sua opção de voto. A abstenção é, neste caso, democraticamente mais válida do que o voto daqueles que são empurrados a votar sem que tenham uma percepção aproximada sequer do sentido que deram ao seu voto.

Afirmar, como ouço frequentemente afirmar em Portugal, que um elevado nível de abstenção é sintoma de uma democracia debilitada só não é uma refinada tolice porque a caça partidária ao voto procura empurrar o maior número possível de indecisos para os seus redis. Nos EUA, por exemplo, os níveis de abstenção são geralmente elevados e ninguém dirá, com propriedade, que a democracia norte-americana alguma vez esteve ameaçada por isso.

Há, no entanto, em Portugal uma irregularidade crónica nos cadernos eleitorais que adultera os valores de abstenção. Estarão agora inscritos 9,5 milhões de eleitores, um número claramente exagerado. Corrigir esta situação, que se arrasta desde as primeiras eleições democráticas, é um dever cívico a que deveriam ser chamados a cumprir periodicamente os cidadãos, de dois em dois anos, por exemplo. Por que razão não é cumprido esse dever é uma resposta com que, manhosamente, nenhum partido se parece importar.

Thursday, May 22, 2014

À ESPERA DE QUEM OU DE QUÊ?




Em Janeiro de 2009 anotei aqui:
"...
Uma conclusão parece admissível: Se o Mississípi se endivida (ou a Califórnia) para além do seu nível de resistência (a partir do qual alguma coisa tem de acontecer que inverta a tendência) o consumo e o investimento retrocedem, o desemprego aumenta e a emigração acelera. O Mississípi não emite moeda. Se a dívida externa portuguesa continua a progressão ao ritmo actual alguma coisa acontecerá porque é impensável que possa crescer indefinidamente. E a emigração não parece ser (não parecia mas está) a válvula de escape, sobretudo nas actuais circunstâncias. Alguém sabe que saída vislumbra Vítor Constâncio? Ou, mais metodicamente, alguém sabe fazer umas contas?"

Hoje, soube-se -Vd. Boletim Estatístico do Banco de Portugal, cit. aqui, que

"A dívida pública portuguesa subiu para 132,3% do PIB no primeiro trimestre deste ano face a 129% no fim de dezembro, segundo o Banco de Portugal (BdP). A dívida pública, na óptica de Maastricht, situava-se em 220.684 milhões de euros no final de março, refere o Boletim Estatístico do BdP. O governo estima, no Documento de Estratégia Orçamental, que a dívida pública feche este ano em 130,2% do PIB, começando a cair em 2015 para 128,7% e chegando a 116,7% em 2018." 

As eleições para o PE já arrancaram hoje no Reino Unio e na Holanda. No fim do próximo domingo ficarão eleitos todos os deputados europeus. Depende de algum modo dos resultados destas eleições a capacidade do nosso país inverter a tendência de progressão da dívida pública? Não depende. Os senhores deputados europeus em matérias sensíveis não riscam nada. Então depende de quê? ou de quem? Ouço alguém responder-me que depende de nós. Pergunto: como?, e ninguém me responde com contas feitas.

Pelas minhas, há muito tempo que calculo que, ou há reestruturação da dívida, com alongamento de prazos a perder de vista e juros suportáveis, ou a carga virará de lado de vez.


EVOLUÇÃO


AS CIDADES E OS RIOS

MONDEGO by Daniel Pinheiro from Daniel Pinheiro - Wildlife Films on Vimeo.

(Colocado no Aliás em Dezembro de 2011)


Wednesday, May 21, 2014

SANTOS BANCOS




Outras sobre ...
tantos, nada santos, com estes, que somos obrigados a saber que temos de pagar.
Todos nós cometemos erros, mas nem sempre quem os comete paga o que deveria pagar por eles. Nestes casos, pagam os contribuintes.

Tuesday, May 20, 2014

PORTALEGRE

Hà já uns largos anos já, visitámos  a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre. Entristeceu-nos, nessal altura, o aspecto arruinado das instalações, encantou-nos a dedicação e arte das poucas artistas que ainda lá trabalhavam. A semana passada, encontrando-nos por ali perto, decidimos voltar a visitar a cidade e o seu ex-libris. A malha urbana alargou-se, a cidade tem agora uma envolvente moderna que a distingue da urbe parada no tempo que tínhamos encontrado há anos atràs. De qualquer modo, todos os caminhos em Portalegre continuam a levar-nos ao Largo do Rossio.

Já esquecidos da localização da MTP, tentámos descortinar onde se encontrava o posto de turismo. Não vendo à volta indicação alguma, pedimos a um motorista de táxi, ocasionalmente à conversa com um camarada de ofício, que nos dissesse que caminho tomar para ir às Tapeçarias. É fácil, respondeu o homem, sobe aí essa ladeira à direita, e depois, ... Depois disse que, era bem melhor que, antes da visita à manufactura, visitássemos o museu, uma coisa digna de ser vista, inaugurada há pouco tempo. Se vocês jà estiveram na Manufactura há uns anos atrás, não irão encontrar nada de novo porque está tudo mais velho. E onde fica? Suba essa rua ali à direita até encontrar o começo da muralha. É lá que fica a entrada.

Lá fomos. Avistámos a muralha, não vislumbrámos qualquer indicação de entrada, de modo que, duzentos metros à frente decidimos voltar para trás. À segunda tentativa, e com a ajuda duma jovem, descobrimos o acesso. O Museu é uma adaptação recente e bem conseguida de um palácio antigo. Vale a pena a visita. Na recepção, quando perguntámos pelo melhor caminho para ir à Manufactura, disseram-nos que estava tudo na mesma mas com menos pessoas a trabalhar. Desistimos da visita à Manufactura. Em Portugal, a indústria vai dando lugar à museologia da indústria. E ao novo riquismo com que os políticos  e os coniventes pōem os pacóvios de boca aberta.

Do lado oposto do acesso ao museu, após a passagem na muralha, contruiram duas quedas de água com uns três metros de altura, encimadas por dois pequenos lagos. Como é habitual, feito o investimento no cimento, faltou o dinheiro para o funcionamento. Os pequenos lagos são agora uns charcos, as àguas deixaram de cair, o sitío está isolado e deserto, por trás um casal fazia sexo ao vivo.
Podemos admitir que tenha sido este o objectivo último do projecto, mas custa caro ao contribuinte.

Uma inutilidade maior e, provavelmente, mais dispendiosa, é uma rampa de acesso a uma passagem encerrada, ao longo da muralha, em aço inox, vidro e um material plástico que não conseguimos identificar. A passagem nunca foi aberta, a rampa dá acesso a um portão fechado onde já crescem trepadeiras.

De volta ao Largo do Rossio, onde um edifício dos sec. XVIII, o palácio dos Póvoa é agora um armazém chinês a troco de uma renda mensal de 4000 euros, segundo informações ouvidas na praça, conseguimos descobrir encoberto nas trazeiras o posto de turismo.

Não há identificação do museu, não há identificação do posto de turismo, ...
Pois não. Mas reclamações não faltam. Por que é que o senhor não pōe também a sua reclamação por escrito?

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21/05/2014 -
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 "Quadros para uma exposição: o veado (de Tróia), D. Fuas e uma fumadora de ópio"
Júlio Pomar, nasc.  1926 (mais)
 tapeçaria da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, fio de lã policromado
assinada e datada de 1986, marcada MTP e numerada 2193 - 3/6
Dim. - 215 x 400 cm 
Vendido por €34.000

Monday, May 19, 2014

SINA

"Os imperativos da hora e os interesses do País não permitem ainda atenuar disciplinas da austeridade e a rudeza dos sacrifícios" ..."O volume dos encargos e a limitação dos recursos exigem sacrifícios fiscais, restrições nos serviços, severidade nos gastos"... "Os dinheiros da Nação, em consequência da maior pressão fiscal suportada, embora possam vir a diluir-se pelo acréscimo do produto nacional, têm como contrapartida as exigências de parcimónia, o rigor intransigente da aplicação" .
- do discurso de Ulisses Cortês na tomada de posse como ministro das Finanças em meados de Junho de 1965.

Ulisses Cortês sucedia a Pinto Barbosa, que se mantivera no cargo durante os dez anos anteriores, foi exonerado do cargo três anos depois, em Agosto de 1968. Salazar ficaria inválido um mês. Entre as intensões do discurso de Ulisses Cortês, que resumiam os objectivos que Salazar lhe traçara, e os resultados atingidos, nomeadamente no campo da parcimónia dos gastos, observou o ditador uma distância que o levou a enviar a Ulisses o cartão da praxe, de agradecimento pelos serviços prestados.
Até Abril de 74 o ministério teve mais dois ocupantes. Desde então, a austeridade deixou de fazer parte das listas de preocupações dos governos até ao princípio da década de oitenta, quando a fragilidade estrutural das finanças públicas foram abaladas por uma crise mundial dupla. Voltou essa fragillidade a acirrar-se a partir de 2008 num contexto de nova e mais agressiva das economias ocidentais.

Por culpa do estado social ou da ausência de parcimónia na gestão dos dinheiros públicos, que são coisas diferentes ainda que nos queiram fazer crer que são a mesma coisa?

Sunday, May 18, 2014

UMA SAÍDA LIMPA COM UM OSSO DURO DE ROER

Ontem terminou o programa de ajustamento saindo Portugal de debaixo da tutela da troica sem qualquer programa cautelar, uma saída limpa segundo a versão oficial apadrinhada pelos media em geral. Curiosamente, hoje, o primeiro dia em que estamos limpos, ouviu-se alguns governantes afirmarem que "se tudo correr mal ... se voltarmos a fazer as mesmas asneiras, poderá haver necessidade de um segundo resgate".

O aviso parece óbvio e decalcado daquele que os pais fazem aos filhos traquinas que acabaram de recuperar o andar depois de terem partido uma perna. Mas não é. Desde logo não é preciso que tudo corra mal nem que o país faça as mesmas asneiras para que o fantasma de um segundo resgate nos venha bater outra vez à porta. Basta que nada se altere na política europeia de resolução das dívidas públicas dos países com endividamento excessivo para que dentro de um ou dois anos Portugal esteja, novamente, cercado pelos credores.

E esta questão - da impossibilidade de autonomamente podermos inverter a tendência de crescimento da dívida e cumprir o tratado orçamental - ninguém a aborda, ninguém nos explica como é que isso se faz, salvo os partidos dos extremos que defendem soluções extremas, políticamente inviáveis num quadro político dominado pelos partidos que governam na Europa e, muito sobretudo, na Alemanha.

É neste contexto de enorme indefinição, em que a saída será limpa, porque sim, mas tem atrelado um notável osso duro de roer, que o senhor Passos Coelho, em entrevista concedida à CNBC, citada aqui, recusa que o BCE deva ter um papel interventivo no crescimento económico - numa altura em que mesmo em países membros economica e financeiramente robustos experimentam crescimentos titubeantes - e, nomeadamente, é contrário a uma política de injecção de liquidez, quantitative easing, no jargão anglo-saxónico.

Está doido ou iluminado?

Saturday, May 17, 2014

OS MEUS UCRANIANOS


O Arnold ligou esta manhã para me dizer que o anúncio tinha sido publicado no DN, sem dizer bom dia. Já leste o DN de hoje? Não tinha lido. Aliás, não leio o DN, embirro com o título gótico. Mas onde ele queria chegar vinha na sequência de uma conversa que tivemos há duas semanas durante um almoço no Ritz. Eu já não via o Arnold há uns vinte e tal anos nem tinha tido notícias dele desde aquele dia em que o Diniz da Gama decidira acabar com o programa de reorganização da fábrica porque, disse ele, tinha encontrado alternativa mais conveniente. Que alternativa era essa, nem ele me disse nem eu perguntei, afinal o termo do contrato libertava-me de um fardo emocional que o acaso me tinha posto às costas dois meses antes, e qualquer razão era boa para não recair sobre mim o ónus da rescisão do contrato.
Havia no edifício administrativo da fábrica uma sala de reuniões vigiada pelos retratos dos fundadores, e duas vitrinas de exposição dos momentos mais marcantes da empresa. À volta dessa mesa, pesada e comprida, de castanho português, podiam sentar-se, à vontade, trinta e seis pessoas, disse-me Diniz da Gama, quando me mostrou as instalações, no mesmo tom grave de orgulho com que me garantira que a fábrica podia produzir mais de uma centena de toneladas de peles e cabedais por mês. Nas vitrinas tinha lugar de destaque o "alvará concedido por sua magestade o senhor Dom Luís em mil oitocentos e trinta e cinco, mil oitocentos e trinta e cinco não pode ser, aquele oito parece um três, foi em mil oitocentos e oitenta e cinco, tinha, então, o meu bisavô trinta e cinco anos, antes já negociava em peles em fresco". Era naquela sala que eu me reunia com os responsáveis pelas secções da produção e a contabilista, a Júlia, uma mulher vistosa, morena, na casa dos trinta, casada, sem filhos, com o engenheiro director, o Vieira, que não cheguei a conhecer, estava doente há largos meses. Com o passar do tempo, a Júlia começou a aparecer na sala de reuniões com ar cada vez mais perturbado. A princípio entendi que a atormentava a doença prolongada do marido, mas depois suspeitei que haveria outras razões que não poderia descortinar. Um dia, ia a sair da sala onde me reunira com a contabilista, quando passa no corredor Diniz da Gama e me convida a entrar para o seu gabinete. Visivelmente incomodado por alguma razão que, naquele momento, não entendi, disse-me que me via demasiadamente ocupado com as contas e menos com os processos industriais. Se as contas me preocupassem, não teria contratado um consultor engenheiro mas um auditor! Respondi-lhe que sem um bom entendimento dos custos dificilmente se poderia reorganizar a fábrica sem colocar em causa tudo o que nela, bom ou menos bom, existia. Pois muito bem, engenheiro, ainda bem que estamos de acordo. Isto não tem ponta por onde se lhe pegue, desisto do seu projecto e vou por em marcha outra alternativa. Só depois do almoço com o Arnold, há duas semanas, consegui reconstituir o puzzle das razões que levaram Diniz da Gama a tomar decisão de terminar o contrato.
Quando entrei no Ritz o Arnold ainda não tinha chegado. Sentei-me na sala, a olhar o parque, naquele dia envolto por uma morrinha que prometia durar o dia inteiro, e a recordar o percurso da casualidade que me tinha levado até ali. Depois de terminado o secundário no colégio alemão, tinha visto o Arnold duas ou três vezes em almoços de antigos alunos e, anos mais tarde, no dia em que deparei com ele na empresa de Diniz da Gama. Inesperadamente, o Arnold telefonou-me, não sei onde desencantou o número do meu telemóvel, para me convidar para aquele almoço no Ritz.
Chegou afogueado, com menos cabelo e mais peso, louro, alto e rosado, com mais trinta anos em cima é uma edição aumentada e usada do rapaz esguio e trunfa loura e comprida que todas as miúdas daquele tempo gostariam de ter em casa. Depois dos reconhecimentos e cumprimentos, atirou-se para um canto do sofá onde eu me sentara,  estendendo lateralmente as gâmbias, aparando a barriga com os dedos cruzados, ao mesmo tempo que abria o seu sorriso largo, sempre satisfeito com a vida, eu, no outro lado, intrigado com a convocatória sem agenda, e foi ele o primeiro a mentir: Estás na mesma, pá! O que é que tu fazes para estares sempre na mesma? O mesmo digo eu. Que é feito de ti, grande malandro? Há quanto tempo é que a gente já não se via? Dez anos, vinte,  hem?!, não menos que dez anos... Pelas minhas contas, não menos que vinte.
Depois do colégio, cada um foi à sua vida, e a vida de cada um de nós andava por caminhos que só por acaso  se voltariam a encontrar: o Arnold foi para Inglaterra, onde frequentou engenharia automóvel, casou com uma italiana que tinha conhecido em Turim, tem sete filhos, foi corredor de ralis durante anos, até à morte prematura do pai, tornando-se, então, sócio e seu sucessor na firma de representação de duas ou três marcas de carros de gama altíssima; eu fiquei por Lisboa, andei no Técnico, estive três anos na tropa, dois em Moçambique, voltei em Novembro de 74.
Em Outubro de 1983, era então engenheiro consultor de processos industriais, recebo uma chamada da parte de um tal senhor Diniz da Gama, de quem não tinha qualquer referência para além da informação de que era amigo ou conhecido de um outro cliente meu. Percebi depois que estava preocupado com a competitividade da sua indústria de curtumes, arrasada, dizia ele, pelas reivindicações absurdas dos sindicatos. Combinámos uma visita à fábrica, e, uns dias depois, viajámos até lá no carro do industrial. Diniz da Gama era um homem de estatura baixa, desempenado, na casa dos sessenta e muitos,  e apareceu acompanhado de um sujeito alto, cujo nome naquele momento não retive, aparentando sensivelmente a mesma idade. Feitas as apresentações, eles sentaram-se atrás, eu à frente, ao lado do condutor. Logo que o carro entrou na auto estrada, a conversa no banco de trás passou a ser audível à frente, e cada vez mais perceptível a intenção deles de me juntarem à discussão do tema que os animava naquela manhã de outono a despedir-se: a situação política e económica do país tinha-se degradado a um ponto de onde, conclusão unânime do duo várias vezes repetida, não sairia sem um novo golpe que restaurasse a ordem e acabasse com os sindicatos. Quando chegámos, eram quase horas de almoço, fomos almoçar. A conversa à mesa continuou o mesmo tema que tinha entretido a viagem, eu ouvia, mostrava-me interessado, mas não dizia nada. Inesperadamente, Diniz da Gama, volta-se para mim, e dispara: O que diz a isto, engenheiro? Perante a minha hesitação, ajudada pelo vai vem do garfo entre o prato e a boca, ele reforçou a pergunta: Não lhe parece que com estes sindicatos é impossível aguentarmos a indústria? John Falconer, era esse o nome do amigo de Diniz da Gama, interpôs-se com um "eu acho!", prevenindo-me, subliminarmente, que poderia com uma resposta inadequada estragar o almoço e a encomenda. Depois de fazer umas contas dir-lhe-ei quanto lhe custa isso, respondi, e o industrial, aparentemente, acomodou-se com a resposta.
Muito bem, vamos às contas!, pagou a factura e fomos ver a fábrica.
Diniz da Gama tinha boas razões para se sentir preocupado com o andamento da sua actividade industrial, tecnologicamente obsoleta, abalada de um dia para o outro pelas alterações desencadeadas a partir de Abril de 74, agravadas pela recessão dupla mundial em 1980 e 1982, que lhe derrocaram a fortaleza onde vivera tantos anos de prosperidade tranquila. Subiram os preços, subiram os juros, e, incompreensivelmente para ele, subiam as reclamações de aumentos de salários. Como é que posso, diga-me lá engenheiro, aumentar os salários e manter os preços se quiser vender?
Tem de investir ...
Não tenho feito outra coisa toda a vida, engenheiro. Está aqui enterrado tudo o que ganhei! Se não tivesse outros negócios, esses sim, deixam alguma coisa, estaria hoje na penúria.
Que negócios eram esses, não disse.
Eram seis da tarde quando nos reunimos com os encarregados das secções da fábrica e a contabilista para lhes anunciar uma primeira observação da minha parte, que não duraria mais que duas semanas, seguida, se assim fosse decidido, por uma intervenção que se prolongaria por cerca de três meses.
Em meados de Dezembro, cruzo-me no corredor do edifício dos escritórios com um fulano que tive a imediata sensação de conhecer mas não me recordava de onde. Estou a conhecer-te de algum lado, não estou? Eh! pá! O que é que fazes aqui? Isso mesmo pergunto eu. Era o Arnold.
O Arnold, Arnold Falconer, era sobrinho de Diniz da Gama, filho do John Falconer e da irmã do Diniz. Fomos almoçar, passámos em revista os anos passados desde a saída do colégio, comentámos a situação política do momento, acabámos por falar daquilo a que o Arnold chamava as idiossincrasias do Didi, o tio Diniz. Vinha de vez em quando até à fábrica, se o tio o convidava, porque, dizia o Didi, como não tenho filhos nem mais sobrinhos, um dia destes quem tem de tomar conta disto és tu. De forma que é melhor que vás aparecendo, preparando-te para alombar com a cruz que os tipos que tomaram conta disto nos colocaram às costas. Uma vez por outra, o Didi convidava o cunhado para umas patuscadas, umas aventuras fora de portas, para John Falconer a indústria das peles e cabedais era um negócio repelente.
Segundo Arnold, Diniz da Gama tinha durante toda a vida papado as papas na cabeça da irmã.
Quando o avô Gama morreu, o Diniz voltou a casa, depois de vadiar e estoirar a pródiga mesada paterna durante anos, e tomou conta dos negócios da família. Casou-se tarde, quarentão, e não teve filhos. Nos dias em que se deixava embalar pelos espíritos, em reuniões de amigos, culpava a mulher, alto e bom som, pela falta de descendência. E gabava-se de ter multiplicado por dez a dimensão dos  negócios de curtumes. Mas nunca, mesmo em tais circunstâncias de visível obnubilação alcoólica, abrira a porta ao segredo da compatibilização dos escassos dividendos dos negócios familiares e a exibição da vida que levava. O Arnold suspeitava que ele, conluiado com os agentes no estrangeiro, partia a meias as comissões creditadas a cada um, tornando-se agente geral de todas as exportações da fábrica. Mas provar isso, o Didi não deixava provar.  E não voltei a ver o Arnold até aquele dia em que, trinta anos mais tarde, almoçávamos no Ritz.

Nunca mais voltaste à fábrica?
Nunca mais. O Diniz não voltou a chamar-me e, eu, mesmo que ele me tivesse chamado, não tinha posto lá mais os pés.
O projecto de reestruturação da fábrica foi à viola ...
Foi completamente abandonado. Andou às turras com os sindicatos, incompatibilizou-se com os encarregados, os únicos que poderiam amortecer os conflitos com os operários. Soube mais tarde que um dia descobriu que tinha o problema resolvido empregando uma dúzia de ucranianos que tinham arribado por lá perto. Qual reestruturação, qual modernização, qual investimento, qual carapuça, com os meus ucranianos vou dar a volta a isto em três tempos!
A falta de carácter de certos indivíduos traduz-se frequentemente numa frase dita com a maior naturalidade deste mundo. Numa reunião, a que assisti, com os encarregados, soube que o Vieira, seu braço direito durante muitos anos, continuava doente. Displicentemente, sem o mínimo clique emocional, perguntou por perguntar Diniz da Gama: E quando é que ele morre? Quando me recordo disto ainda hoje me recordo da náusea que aquele vómito me provocou. Soube mais tarde que o Vieira morreu pouco tempo depois
Era um tipo intratável, concordo...
Era?!! Deixou de ser, ou já morreu?
Nem uma coisa nem outra, está doido, numa situação de insanidade total! Abandonou a mulher doente, e vive desde há algum tempo com a Júlia, lembras-te da Júlia? a Júlia era a a mulher do Vieira, e uma filha que, dizem, é filha de um dos ucranianos, talvez engenheiro, que substituiu o Vieira no cargo e na cama. Mãe e filha deram-lhe a volta ao miolo e o doido perfilhou a filha da Júlia, tornando-a sua herdeira universal...
E não pode?
Não pode porque está doido! Já lançámos acção de impugnação por insanidade do perfilhante.
Agora percebo tudo. Só não percebo a razão porque me contas tudo isso. Seria um razoável argumento para uma telenovela mas não acredito que me estejas a convidar para escrever o guião, em toda a minha vida só vi uma telenovela, a Gabriela, a preto e branco.
Preciso de testemunhas, e pensei que tu, que o conheceste quando estava mentalmente são, que pudesses depor no processo de impugnação. Enfim, ganharíamos todos com isso. Tanto quanto conseguimos saber até agora, a fortuna dele ascende a uns larguíssimos milhões ... em risco de cair  toda nas mãos  da Júlia e da filha.
Nem penses! respondi de imediato.
Vá lá, vá lá, não é preciso decidires já, um dia destes telefono-te a informar sobre o anúncio da entrada do processo no tribunal. Está muita massa em jogo...
Não falámos mais sobre o assunto durante o almoço, e não voltámos a falar até ao telefonema de há momentos.

Então, já decidiste?, insistiu ele
Já tinha decidido. E não volto atrás com a decisão. Não tenho nada a testemunhar. Não vejo o Diniz há trinta anos, sei lá se está doido ou não ... Além de que, tanto quanto julgo saber, o pai da filha da Júlia não é o engenheiro ucraniano.
Não é??? Como é que sabes isso?
Disse-me a Júlia.
Ela mesmo?
Ela mesmo.
Hum! Não te fazia tão próximo da Júlia ...
Ficámos amigos. Um bom consultor nunca perde os contactos ...
Mas se não é filha do ucraniano, de quem é? Do velho não é. Há muito tempo que se sabe na família que a infertilidade do casal vem do lado dele e não do lado dela.
Pois não, não é.
É do ucraniano. Sempre se disse que é do ucraniano.
Não. Também não é do ucraniano.
Ah! Ah! Ah! Não me digas que é tua!
Não, não é.
Então de quem é?
É tua.
Minha???
Posso estar mal informado. Mas não é nada que tu não possas provar com um teste ADN.
Estás doido?
Não. Estou a avisar-te.
A avisar-me? De quê, pode saber-se?
Claro que pode. Somos amigos, e aqui entre amigos te digo que julgo saber que se o processo de impugnação de perfilhação da filha da Júlia pelo Diniz não for retirado, a Júlia e a filha podem avançar com um processo de reclamação de perfilhação contra ti. Agora, escolhe.

...

Desligou-me o telefone.


Friday, May 16, 2014

SUBPRIME À PORTUGUESA

Volto ao tema do difícil equilíbrio da balança comercial.
Ontem referi que, ou o problema se resolve no âmbito do crédito concedido e da estratégia dos grandes grupos de distribuição, o que envolve um número relativamente reduzido de "responsáveis", ou o desequilíbrio assomará de novo às portas de entrada e saída do país.

Para além do crédito bancário às importações, a política dos bancos e das "grandes superfícies" de pressionarem o consumo a crédito voltou e mais agressiva que nunca. Mas, para além deles, não há cão nem gato que não "ofereça" crédito directo, na hora, ou cartões de crédito a taxas de juro "a partir de 9,5%". Pechinchas que só aqueles que estão aflitos ou a caminho disso aproveitam, perante a passividade do senhor Carlos Costa, que espera, talvez, receber pela distracção recompensa semelhante aquela que foi atribuida ao seu antecessor, o "distraído" senhor Vítor Constâncio.

A crise desencadeada pela erupção dos créditos sub prime aconteceu nos EUA há seis anos. Em Portugal há muitos que culparam os portugueses em geral por "terem vivido acima das suas possilidades."

Mas esses fazem-se esquecidos de que o envididamento excessivo decorre frequentemente de um logro em que são embrulhados os cidadãos. Que, tendo também responsabilidades no cartório, são muitíssimo menos culpados que os seus credores por disporem de muitíssimo menos informação que aqules. Ninguém ignora as consequências devastadoras do logro em que caem frequentemente os menos  informados ou mais incautos. Mas todos quantos deveriam prevenir a repetição do desastre continuam a assobiar para o ar.

Thursday, May 15, 2014

O BURRO E AS COUVES

Há dias recebi e-mails trocados entre amigos e conhecidos acerca do conflito entre a necessidade de defender a produção nacional e a possibilidade de o fazer sem infringir as regras que subscrevemos no âmbito das convenções sobre a liberdade do comércio e, muito particularmente, daquelas a que estamos submetidos enquanto membros da UE.

Há quem, pura e simplesmente, defenda a saída da zona Euro e da UE. Uma proposta que, contudo, é
muito minoritária. Invocam, por outro lado, muitos daqueles que defendem a permanência no euro e na UE que é impraticável qualquer medida ou prática que possa contrariar os princípios da liberdade de comércio. E que, além de impraticável, poderia desencadear efeitos de retaliação e ter resultados contrários aos pretendidos. Adicionalmente, referem que qualquer campanha de promoção
publicitária das vantagens do made in Portugal para os portugueses esbarra com os interesses particulares de cada um. Recordo-me, a propósito, de uma amiga minha que detesta os chineses e compra regularmente "os trapos" nos chineses...

Do meu ponto de vista só há uma via para evitar que a balança comercial se inverta de novo. Essa via passa pelos bancos - são os bancos que financiam as importações - e pelos maiores grupos de distribuição. São estes senhores que têm de convencer-se ou têm de ser convencidos de que deverão mudar de estratégias. Se o não fizerem, e foram eles os grandes responsáveis pelo nível de endividamento público e privado atingidos, voltará muito rapidamente o burro para as couves.

Wednesday, May 14, 2014

OLHÓ DESASTRE!


No tempo em que os jornais eram vendidos por ardinas, volta e meia ouvia-se o pregão que rendia em Lisboa:
Olhó Notícias,  Lisboa! República! Popular! Olhá Bola! Olhó Recór!!  Traz o desastre! Olhó desastre!
E, muitas vezes, o desastre era a derrota do Benfica ou do Sporting.

O desastre é uma coisa que vende bem, e os ardinas sabiam bem disso.
O desastre desta noite foi celebrado com um beijo na boca entre Carriço, do Sevilha, e Rakitic,  o capitão da equipa -vd. aqui -

Os desastres já não são o que eram.

Tuesday, May 13, 2014

JUÍZES EM CAUSA PRÓPRIA

Pergunta-se hoje no Expresso: se os juízes são bons porque é que a população não acredita na justiça? "As avaliações dos juízes portugueses são excelentes: só um por cento tiveram nota negativa e 30 por cento conseguiram a nota máxima de Muito Bom. Mesmo assim, só 28 por cento dos portugueses confiam na Justiça".

"Nuno Garoupa, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, diz que há “uma inflação grosseira das notas, uma vez que a nota bom é na verdade menos boa do que parece em termos de progressão de carreira” e que “o CSM devia alterar a denominação para evitar confusões”. “Os números das avaliações são reais: a esmagadora maioria dos juízes é boa ou muito boa e só uma escassa maioria não tem aptidão para o trabalho e por isso sai”, defende Mouraz Lopes, da Associação Sindical dos Juízes."

Houve, certamente, lapsus linguae ou erro de transcrição das declarações do desembargador Mouraz Lopes (uma escassa maioria não tem aptidão ...), mas o que o presidente da Associação dos Juízes não conseguirá desmentir é a realidade dos números que caracterizam a gritante ineficiência da Justiça em Portugal.

 “Good news, no news está a matar a Justiça”, terá ainda dito o desembargador, e venha o diabo e o entenda, a menos que se tenha dado o caso de outro lapsus linguae ou outro erro de transcrição. "No news, good news" seria realmente sintomático de que os senhores juízes portugueses seriam tão bons quanto se julgam. Acontece, desembargador Moura Vaz, que é raro o dia em que os portugueses não sejam contemplados com más notícias do lado da Justiça.

Monday, May 12, 2014

A WIKIPEDIA FALA POR ELE

O jornalista considerou imerecida  a atribuição, pelo Presidente da República, da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique a quem, segundo o jornalista, "durante o seu mandato a CGD gastou recursos que não tinha numa aposta ruinosa para fazer crescer as operações da Caixa em Espanha, aposta que se traduziu em muitas centenas de milhões de Euros de prejuízos diretos das participadas no país vizinho ... e  que permitiu a concessão de créditos de centenas de milhões de Euros a investidores que apenas queriam especular nos mercados com esse dinheiro, nomeadamente na tomada de poder no BCP (…)"

Sem contraditar cabalmente os factos, remete o atingido as razões dos resultados danosos deles resultantes para o imponderabilidade dos actos de gestão, por um lado,  e, por outro, para os outros gestores envolvidos nesses actos, também eles, provavelmente vítimas da mesma fatal imponderabilidade. Actos de que resultaram perdas que arruinaram o banco do Estado e, consequentemente, os bolsos dos contribuintes portugueses. 
.
E, como testemunha abonatória do seu comportamento notável, remete o acusado para o seu curriculum vitae  na Wikipedia* que, diz ele, "fala por si". De notável, lê-se na Wikipedia, que se que licenciou em economia pelo Instituto Superior Técnico em 1965; Segundo a APB, Associação Portuguesa de Bancos, licenciou-se no mesmo ano, e no mesmo Instituto, em engenharia mecânica.

Sunday, May 11, 2014

COMO ELES TIRARAM OS CAVALOS DA CHUVA


De que os bancos foram, destacadamente, os maiores culpados pela crise que os contribuintes, por força de um costume perversamente iníquo, têm de pagar, só discordam os banqueiros e os coniventes. 

Que os bancos, e particularmente os banqueiros alemães, franceses, britânicos, holandeses, embalaram desenfreados durante vários anos na inundação incontrolada de crédito na Europa do sul, é matéria de facto indesmentível. 

Que quando o mar ficou mais alto que a terra, os colectores de crédito foram bruscamente tamponados, e surgiram os programas de ajuda externa, foram apresentadas facturas aos contribuintes e, em Portugal, muito particularmente aqueles que estão prepotentemente subjugados a um iníquo imposto de classe. 

Denúncias deste ciclo perverso têm sido ouvidas de todos os quadrantes. Ajudas a Portugal e à Grécia foram resgates dos bancos alemães é mais uma. Quem o afirma é Philippe Legrain, que foi conselheiro do presidente de Durão Barroso, ainda presidente da Comissão Europeia num livro que pode ser espreitado aqui clicando em "Look inside" ou aqui numa entrevista do Público.

Amanhã começa oficialmente (emprego o adjectivo do costume sem lhe perceber o sentido), a caça ao voto. Já alguém ouviu algum dos que provavelmente serão eleitos, aqueles que vão sentar-se em Estrasburgo, falar disto? Pois não. A caça ao voto não é um assunto sério*.
---
Correl.- Há quase tantas listas quantos os deputados

Saturday, May 10, 2014

O JOGO DA CABRA CEGA

O Ministério quer novo julgamento do caso dos submarinos  porque “Salvo o devido respeito, estamos perante um erro crasso do acórdão" do colectivo que há três meses absolveu 10 arguidos (sete portugueses e três alemães)

Finalmente um julgamento isento em perspectiva?
Que ninguém se preocupe, isto é apenas um jogo.

Friday, May 09, 2014

DECLARAÇÃO DE SCHUMAN

A Declaração de Schuman é a semente primordial da actual União Europeia. Proferida a 9 de Maio de 1950, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros francês Robert Schuman, ninguém poderá negar que o objectivo mais premente do documento fundador era, e quero acreditar que deverá ser ainda, agora e no futuro, a garantia da paz na Europa. 

Hoje é dia de celebração do sexagésimo quarto ano consecutivo de paz dentro dos territórios dos estados membros da União Europeia, mas o fogo da guerra já se reacendeu, entretanto, bem perto dos seus limites e não está garantido que não possa propagar-se para dentro deles quando menos se espera por acumulação de matéria incandescente.

A União Europeia é ainda um edifício em construção e, parafraseando Schuman, enquanto a Europa não for construída, os europeus poderão voltar a matarem-se uns aos outros. Ou a União Europeia caminha decididamente para uma federação que minimamente suporte consistentemente o edifício ou ele estará sempre sujeito a ser derrubado pelos populismos barricados detrás dos nacionalismos com raízes milenárias que ninguém parece querer erradicar. 

Ao contrário, na véspera de eleições para o Parlamento Europeu, são os ventos nacionalistas que sopram desenfreados contra os muros por consolidar. E ninguém, em lado algum, vem a terreiro proclamar que sejam cumpridos os factores que primordialmente poderão consistentemente garantir o objectivo primordial da Declaração de Schuman.

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A Declaração Schuman de 9 de maio de 1950

A paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços criadores à medida dos perigos que a ameaçam.
A contribuição que uma Europa organizada e viva pode dar à civilização é indispensável para a mauntenção de relações pacificas. A França, ao assumir-se desde há mais de 20 anos como defensora de uma Europa unida, teve sempre por objectivo essencial servir a paz. A Europa não foi construida, tivemos a guerra.
A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-à por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto. A união das nações europeias exige que seja eliminada a secular oposição entre a França e a Alemanha.
Com esse objectivo, o Governo francês propõe actuar imediatamente num plano limitado mas decisivo.
O Governo francês propõe subordinar o cunjunto da produção franco-alemã de carvaõ e de aço a uma Alta Autoridade, numa organização aberta à participação dos outros paises da Europa.
A comunitarização das produções de carvão e de aço assegura imediatamente o estabelecimento de bases comuns de desenvolvimento económico, primeira etapa da federação europeia, e mudará o destino das regiões durante muito tempo condenadas ao fabrico de armas de guerra, das quais constituiram as mais constantes vítimas.
A solidariedade de produção assim alcançada revelará que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se tornará não apenas impensável como também materialmente impossivel. O estabelecimento desta poderosa unidade de produção aberta a todos os paises que nela queiram participar, que permitirá o fornecimento a todos os países que a compõem dos elementos fundamentais da produção industrial em idênticas condições, lançará os fundamentos reais da sua unificação económica.
Esta produção será oferecida a todos os países do mundo sem distinção nem exclusão, a fim de participar na melhoria do nível de vida e no desenvolvimento das obras de paz. Com meios acrescidos, a Europa poderá prosseguir a realização de uma das suas funções essenciais: o desenvolvimento do continente africano. Assim se realizará, simples e rapidamente, a fusão de interesses indispensável à criação de uma comunidade económica e introduzirá o fermento de uma comunidade mais vasta e mais profunda entre países durante muito tempo opostos por divisões sangrentas.
Esta proposta, por intermédio da comunitarização de produções de base e da instituição de uma nova Alta Autoridade cujas decisões vincularão a França, a Alemanha e os países aderentes, realizará as primeiras bases concretas de uma federação europeia indispensável à preservação da paz.
O Governo francês, a fim de prosseguir a realização dos objectivos assim definidos, está disposto a iniciar negociações nas seguintes bases.
A missão atribuida à Alta Autoridade comum consistirá em, nos mais breves prazos, assegurar: a modernização da produção e a mehoria da sua qualidade; o fornecimento nos mercados francês, alemão e nos países aderentes de carvão e de aço em condições idênticas; o desenvolvimento da exportação comum para outros países; a harmonização no progresso das condições de vida da mão-de-obra dessas indústrias.
Para atingir estes objectivos a partir das condições muito diversas em que se encontram actualmente as produções dos países aderentes, deverão ser postas em prática, a titulo provisório, determinadas disposições, incluindo a aplicação de um plano de produção e de investimentos, a instituição de mecanismos de perequação dos preços e a criação de um fundo de reconversão destinado a facilitar a racionalização da produção. A circulação do carvão e do aço entre países aderentes será imediatamente isenta de qualqer direito aduaneiro e não poderá ser afectada por tarifas de transportes distintas. Criar-se-õ progressivamente as condições para assegurar espontaneamente a repartição mais racional da produção ao nivel de produtividade mais elevada.
Ao contrário de um cartel internacional que tende a repartir e a explorar os mercados nacionais com base em práticas restritivas e na manutenção de elevados lucros, a organização projectada assegurará a fusão dos mercados e a expansão da produção.
Os principios e os compromissos essenciais acima definidos serão objecto de um tratado assinado entre os estados. As negociações indispensáveis a fim de precisar as medidas de aplicação serão realizadas com a assistência de um mediador designado por comum acordo; este terá a missão de velar para que os acordos sejam conformes com os principios e, em caso de oposição irredutivel, fixará a solução a adoptar.
A Alta Autoridade comum, responsável pelo funcionamento de todo o regime, será composta por personalidades independentes e designada numa base paritária pelos governos; será escolhido um presidente por comum acordo entre os governos; as suas deciões serão de execução obrigatoria em França, na Alemanha e nos restantes países aderentes. As necessárias vias de recurso contra as decisões da Alta Autoridade serão asseguradas por disposições adequadas.
Será eleborado semestralmente por um representante das Nações Unidas junto da referida Alta Autoridade um relatório público destinado à ONU e dando conta do funcionamento do novo organismo, nomeadamente no que diz respeito à salvaguarda dos seus fins pacíficos.
A instituição de Alta Autoridade em nada prejudica o regime de propriedade das empresas. No exercicio da sua função, a Alta Autoridade comum terá em conta os poderes conferidos à autoridade internacional da região do Rur e as obrigações de qualquer natureza impostas à Alemanha, enquanto estas subsistirem. 

A LANCHEIRA

Um filme que vale a pena ver.  
Trailer aqui.
Classif. - ***

Thursday, May 08, 2014

POR 31,5 MILHÕES DE DÓLARES


'Le sauvetage', de Picasso, vendido pela Sotheby´s de Nova Iorque por 31.500.000 dólares (22.624.757 euros)
 vd. aqui

Um valor equivalente daquele em que terão sido avaliados os 82 Mirós que alguns, de entre os quais se tem destacado excitadamente a ex-ministra da cultura Gabriela Canavilhas, que considera um espólio artístico importantíssimo que não deve ser deixado sair de Portugal.

Wednesday, May 07, 2014

OS JOÕES FERREIRA TOCAM-SE


"João Ferreira do Amaral, em defesa da independência nacional"
"Defender o povo, defender o país", João Ferreira, 1º. candidato da CDU ao PE

Os nacionalismos estiveram sempre na origem dos conflitos bélicos que destruiram a Europa.
Eles aí estão de novo por detrás de diversas barricadas, algumas das quais simpatiquíssimas aos olhos mais desprevenidos.

Tuesday, May 06, 2014

VOTO PIM, PAM, PUM

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A ideia,  que encontrei aqui, é boa para ajudar a decisão de voto de quem ainda acredita em promessas. Por curiosidade, também respondi ao questionário e saiu-me como candidato mais conforme com as minhas preferências um partido chamado PAN. Conhecem? Nem eu.  

Mas ainda que conhecesse em honra de quê ou de quem iria eu perder tempo para depositar um voto favorável a quem come 2,9 milhões de euros do orçamento, que eu também pago, contrariado, mas pago, e que não serve, realmente, para nada? E quem diz o PAN, diz todos os pequenos grupos de amigos e conhecidos que se juntaram para comer igual maquia. 

Quanto aos outros, os que se farão representar em Estrasburgo, sabemos que prometem o que não cumprem até porque, valha a verdade, não têm na generalidade dos casos capacidade para fazer cumprir. Na UE, as estratégias políticas decorrem dos interesses nacionais em jogo. No PE, com excepção dos que defendem o fim da UE e do euro, os partidos limitam-se a abanar a cabeça para o lado para onde sopra o vento de Berlim. Não há nenhuma proposta de estratégia para uma democracia  europeia plena. Assim sendo, daqui a três semanas, os votos são de faz de conta.

Monday, May 05, 2014

CHUTO PARA CANTO

Cavaco Silva quer programa cautelar para Portugal
Portugal deve optar por um programa cautelar
Cavaco e Barroso preferiam cautelar

"O que mais me vem à memória, no dia de hoje, são as afirmações perentórias de agentes políticos, comentadores e analistas, nacionais e estrangeiros ainda há menos de seis meses, de que Portugal não conseguiria evitar um segundo resgate. O que dizem agora?

Neste tempo pré-eleitoral
é apenas isto que respondo a todos aqueles que pedem a minha reação ao anúncio de ontem de que Portugal não recorrerá a qualquer programa cautelar, ao mesmo tempo que lhes recomendo a leitura integral – e não truncada – do prefácio que escrevi para Roteiros VIII, disponível na página oficial da Presidência da República na Internet.- aqui"

Peremptoriamente, chuto para canto é medida cautelar e saída limpa.


Sunday, May 04, 2014

O OVO DA SERPENTE

Pedro Madeira, português, e a mulher, italiana, trabalham no Reino Unido, ambos têm pós graduações, falam varias línguas e são quadros superiores nas empresas onde trabalham: ele, para uma nova empresa tecnológica, ela numa empresa internacional de publicidade. No princípio da sua carreira, Pedro teve dois empregos: um, sem remuneração, que lhe permitiu subir na escada do emprego, outro, como recepcionista de hotel, para sobreviver. Nunca dependeram da segurança social. 

Esta semana, conta Pedro ao Financial Times, "a minha mulher recebeu um panfleto do UKip (UK Independence party), pessoalmente endereçado, afirmando que "estão a chegar ao Reino Unido, provenientes da UE, 4000 pessoas por semana", apresentando a notícia como uma coisa má."
Pergunta P Madeira: Está o UKip preocupado com a entrada de pessoas altamente qualificadas, estrangeiros com ambições, ou com a "mão-de-obra barata" que pressiona os salários britânicos no sentido da baixa, como diz no panfleto?" "Quem está com medo de um pouco de concorrência da UE?".  
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É a terceira vez que uso o título do apontamento de hoje neste bloco de notas (as outras, aqui e aqui), aquele que Bergman foi buscar a Shakespeare para a sua visão cinematográfica da eclosão do nazismo na Alemanha. Os nacionalismos, que estão longe de se expressar apenas através das palavras e dos actos dos partidos racistas e xenófobos, estão inscritos na generalidade no ADN dos povos europeus e são o maior obstáculo a uma integração politica que possa suficientemente consolidar a UE. Mas quando esse sentimento arreigado de nacionalismo é aproveitado pelas circunstâncias da crise pelos extremistas, as estruturas já levantadas correm sério risco de desabar e esmagar a paz europeia sonhada pelos homens que lançaram os alicerces da União. Nenhum espaço económico ou monetário é sustentável apenas na livre circulação de mercadorias e capitais.


No Parlamento Europeu, toda a gente sabe isso, não estão representadas diferentes visões estratégicas para o futuro da Europa sustentadas por convicções transversais aos interesses de cada país membro. Os nacionalistas defendem, coerentemente, reconheça-se, o fim da UE e o encerramento de portas aos trabalhadores estrangeiros, incluindo os da actual UE. Os outros, por oportunismo manhoso, nem querem falar do assunto. Se, como diz o outro, o futuro de Portugal passa pela Europa, que futuro vislumbram aqueles que se dizem europeístas convictos e se vão sentar em Estrasburgo após as eleições deste mês? Nenhum. Só querem garantir um emprego bem remunerado e demais honrarias anexas.
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[…] qualquer um que fizer o mínimo esforço poderá ver o que nos espera no futuro. É como um ovo de serpente. Através das membranas finas pode-se distinguir o réptil já perfeitamente formado. Hans Vergerus / c/p aqui