"...é dito muitas vezes (até por economistas!) que o PIB é a riqueza produzida no País. Isto é um disparate que nem por ser muitas vezes repetido deixa de o ser"- Ferreira do Amaral, na Conferência de ontem na Culturgeste.
E João Ferreira do Amaral exemplificou: Quando um cabeleireiro corta o cabelo a um cliente cria riqueza? É óbvio que não cria. E, no entanto, o valor do seu trabalho é uma parcela do PIB produzido no País.
Trata-se de uma questão menor? Não parece, a julgar pela relevância que JFA lhe deu.
Se JFA tivesse optado por um montador de cadeiras concluiria de forma diferente? A julgar pela dedução de JFA para o trabalho de corte de cabelo, o montador de cadeiras cria riqueza, acrescenta valor à cadeira desmontada comprada no IKEA? Temos duas hipóteses: Ou o comprador da cadeira desmontada é ele próprio montador da cadeira, e neste caso o valor acrescentado não é relevado estatisticamente e não é considerado como parcela do PIB, ou o comprador é inábil para montar a cadeira e recorre aos serviços de apoio do IKEA que lhe debita o custo do serviço e, neste caso, o preço pago é parcela do PIB. Temos, portanto, três serviços que podem ser considerados economicamente de forma diferente: o corte do cabelo, que segundo JFA não cria riqueza mas é parte do PIB, a montagem faça você mesmo que, estatisticamente nem é PIB nem criação de riqueza, e a montagem feita por um terceiro que é PIB e criação de riqueza.
Se a discrepância entre o segundo e o terceiro casos se deve a pressupostos que decorrem de um gap entre a evolução da técnica de fazer e vender cadeiras e a metodologia estatística em vigor, o caso do corte de cabelo não pode deixar de nos interrogar se não formos atentos veneradores e obrigados do prof. João Ferreira do Amaral.
Porque se, claramente, o conceito de riqueza aponta para um stock de bens (um indivíduo é rico, não por já ter cortado o cabelo quinhentas vezes na vida mas, por exemplo, ser proprietário de quinhentas mil cadeiras) também não é menos verdade que o stock cresce (ou decresce) consoante a produção realizada, isto é, consoante o PIB, uma medida de avaliação anual.
A ser consistente a opinião de JFA e estúpida a minha conclusão, para além de relapsa depois de o ter ouvido, teremos de concluir que o cabeleireiro cria riqueza mas o carpinteiro não. Ora eu que não sou uma coisa nem outra, mas estive mais próxima da última que da primeira, não posso deixar de oficiosamente defender aqui a classe dos cabeleireiros.
O cabeleireiro não produz riqueza? Claro que produz. Tem uma perdurabilidade quase efémera porque passado mais ou menos um mês o cliente deve voltar à tosquia. Mas o que acontece com o cabeleireiro acontece com todos os serviços. Uma vez feito e consumido, sai do stock. Não há riqueza eterna. A cadeira pode ser um orgulho do comprador no acto de compra mas lá virá o dia em que é passada a lenha para a lareira. É tudo uma questão de tempo. Quem vai ao cabeleireiro vem de lá a valer mais? Geralmente deve vir, caso contrário por que compraria o serviço?
Uma coisa é o stock de riqueza, geralmente constituído por bens e direitos (uma concessão para exploração petrolífera é parte do stock mas nunca é, enquanto tal, parte do PIB), outra a formação desse stock que pode ter origens diversas. Mas parece-me não ser disparate, como JFA qualifica, conceder ao trabalho do cabeleireiros a mesma função criadora de riqueza que temos de atribuir aos carpinteiros. A menos que JFA a recuse também a estes e a riqueza quem a quiser que a herde.
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Trata-se de uma questão menor? Não parece, a julgar pela relevância que JFA lhe deu.
Se JFA tivesse optado por um montador de cadeiras concluiria de forma diferente? A julgar pela dedução de JFA para o trabalho de corte de cabelo, o montador de cadeiras cria riqueza, acrescenta valor à cadeira desmontada comprada no IKEA? Temos duas hipóteses: Ou o comprador da cadeira desmontada é ele próprio montador da cadeira, e neste caso o valor acrescentado não é relevado estatisticamente e não é considerado como parcela do PIB, ou o comprador é inábil para montar a cadeira e recorre aos serviços de apoio do IKEA que lhe debita o custo do serviço e, neste caso, o preço pago é parcela do PIB. Temos, portanto, três serviços que podem ser considerados economicamente de forma diferente: o corte do cabelo, que segundo JFA não cria riqueza mas é parte do PIB, a montagem faça você mesmo que, estatisticamente nem é PIB nem criação de riqueza, e a montagem feita por um terceiro que é PIB e criação de riqueza.
Se a discrepância entre o segundo e o terceiro casos se deve a pressupostos que decorrem de um gap entre a evolução da técnica de fazer e vender cadeiras e a metodologia estatística em vigor, o caso do corte de cabelo não pode deixar de nos interrogar se não formos atentos veneradores e obrigados do prof. João Ferreira do Amaral.
Porque se, claramente, o conceito de riqueza aponta para um stock de bens (um indivíduo é rico, não por já ter cortado o cabelo quinhentas vezes na vida mas, por exemplo, ser proprietário de quinhentas mil cadeiras) também não é menos verdade que o stock cresce (ou decresce) consoante a produção realizada, isto é, consoante o PIB, uma medida de avaliação anual.
A ser consistente a opinião de JFA e estúpida a minha conclusão, para além de relapsa depois de o ter ouvido, teremos de concluir que o cabeleireiro cria riqueza mas o carpinteiro não. Ora eu que não sou uma coisa nem outra, mas estive mais próxima da última que da primeira, não posso deixar de oficiosamente defender aqui a classe dos cabeleireiros.
O cabeleireiro não produz riqueza? Claro que produz. Tem uma perdurabilidade quase efémera porque passado mais ou menos um mês o cliente deve voltar à tosquia. Mas o que acontece com o cabeleireiro acontece com todos os serviços. Uma vez feito e consumido, sai do stock. Não há riqueza eterna. A cadeira pode ser um orgulho do comprador no acto de compra mas lá virá o dia em que é passada a lenha para a lareira. É tudo uma questão de tempo. Quem vai ao cabeleireiro vem de lá a valer mais? Geralmente deve vir, caso contrário por que compraria o serviço?
Uma coisa é o stock de riqueza, geralmente constituído por bens e direitos (uma concessão para exploração petrolífera é parte do stock mas nunca é, enquanto tal, parte do PIB), outra a formação desse stock que pode ter origens diversas. Mas parece-me não ser disparate, como JFA qualifica, conceder ao trabalho do cabeleireiros a mesma função criadora de riqueza que temos de atribuir aos carpinteiros. A menos que JFA a recuse também a estes e a riqueza quem a quiser que a herde.
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A intenção das conferências (4) de Ferreira do Amaral, segundo pode ler-se no folheto distribuido, "fornecer a quem não é economista os meios de compreensão necessários ...". Mas FA não foi ontem feliz em uma ou outra das afirmações que fez. FA continua a reclamar que a microeconomia é uma disciplina que continua a usar os mesmos instrumentos de há 150 anos, que nas universidades o mainstream bloqueia o avanço da ciência económica naquele campo, que quem não se incorpora no rebanho (designação minha) não se safa. Já há coloquei neste caderno uns apontamentos a refutar este pensamento recorrente de J Ferreira do Amaral. E não só. Diga-se em abono da verdade que JFA tem muitos companheiros de barricada. Mas é uma barricada da qual não ousam ou não sabem saltar.
A propósito os malefícios das teses mainstream JFA deu o exemplo do princípio do equilíbrio dos mercados financeiros e a culpa desse princípio no forjar da crise financeira que deflagrou há três anos. Estou certo que JFA não ignora que o princío do equilíbrio dos mercados financeiros foi colocado em causa há mais de vinte anos, pelo menos. Hyman P. Minsky*, que foi provavelmente o mais dedicado mas também o mais crítico discípulo de Keynes, dedicou-se na maior parte da sua carreira à demonstração de que a especulação é inerente aos mercados financeiros e que no fim surgirão inevitavelmente as crises. Nouriel Roubini, alguns meses antes emergência da crise de 2008, interrogava perante os indicadores de que dispunha: Teremos já atingido o ponto de Minsky?
É para mim muito claro que, mesmo para aqueles que foram os principais mentores das batotas que excitaram os demónios da crise e cobraram lucros e prémios estratosféricos, os estudos de Minsky não eram desconhecidos. Nem tão pouco eram desconhecidas as consequências das acções condenáveis que praticavam. Mas alguma vez um gatuno, por mais letrado que seja, se preocupa com o que consta dos manuais?
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* Para quem quiser aprofundar recomendo: "Stabilizing an unstable economy"- Hyman P. Minsky
A propósito os malefícios das teses mainstream JFA deu o exemplo do princípio do equilíbrio dos mercados financeiros e a culpa desse princípio no forjar da crise financeira que deflagrou há três anos. Estou certo que JFA não ignora que o princío do equilíbrio dos mercados financeiros foi colocado em causa há mais de vinte anos, pelo menos. Hyman P. Minsky*, que foi provavelmente o mais dedicado mas também o mais crítico discípulo de Keynes, dedicou-se na maior parte da sua carreira à demonstração de que a especulação é inerente aos mercados financeiros e que no fim surgirão inevitavelmente as crises. Nouriel Roubini, alguns meses antes emergência da crise de 2008, interrogava perante os indicadores de que dispunha: Teremos já atingido o ponto de Minsky?
É para mim muito claro que, mesmo para aqueles que foram os principais mentores das batotas que excitaram os demónios da crise e cobraram lucros e prémios estratosféricos, os estudos de Minsky não eram desconhecidos. Nem tão pouco eram desconhecidas as consequências das acções condenáveis que praticavam. Mas alguma vez um gatuno, por mais letrado que seja, se preocupa com o que consta dos manuais?
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* Para quem quiser aprofundar recomendo: "Stabilizing an unstable economy"- Hyman P. Minsky
7 comments:
O cabeleireiro não produz riqueza? Claro que produz.
Claro que produz, mas é toda para ele, porque não passa factura e não paga nada.
Se atender dez clientes por dia, a dez euros (??), são 2.800 euros/mês.
Declara 400 e fica com o resto.
cabeleireiros, barbeiros, sucateiros, médicos, advogados, é tudo igual.
Quando se fala de economia paralela vem à baila o lavrador que vende umas couves e umas galinhas na feira.
Ciganos, não são para aqui chamados.
A economia paralela faz parte do PIB se não compreender actividades
ilegais.
Como é que é avaliada, ainda não tenho uma ideia precisa. JFAmaral falou em avaliação através de indicadores:consumo ferro, cimento, energia.
Como cabeleireiro não usa cimento nem ferro ou coisa parecida não sei como é que é incluido se não paga impostos. Se partirmos do princípio que não paga impostos.
Mas eu penso que a maior parte paga.
Caro Rui
Não percebo a tua obstinação em rebater uma afirmação que destacada do contexto não é muito compreensível. JFA para além de afirmar o que tu citas completou dizendo que "é mais compreensível e incomparavelmente mais verdadeiro dizer (embora não com total precisão) que o PIB de um dado ano é o valor dos rendimentos (salários, rendas, lucros e juros) gerados na economia nesse ano. Mais rigorosamente o PIB de um dado ano é a soma dos valores acrescentados gerados pelas empresas (e pelo Estado) que operam no país nesse ano". A que ainda poderíamos acrescentar a conhecida óptica da despesa. Estas três opticas referem-se ao fluxos gerados que indubitavelmente geram riqueza mas que não correspondem ao acrescimo de stock desta.
Para ilustrar a ideia referiu JFA o barbeiro que ao prestar um serviço de corte de cabelo, no seu ponto de vista (e no meu), não acrescenta riqueza mas aumenta o PIB.
Poderá dizer-se, em geral, que o conjunto de gastos que não aumentam o valor ou a vida útil do stock não podem considerar-se como acrescentando riqueza.
Dirás da estrela de cinema que gasta fortunas com esse tipo de serviço. Aí estou de acordo ela procura melhorar o valor da sua "imagem" que faz certamente parte do stock pois acrescenta aptidão para produzir rendimento.
O segundo ponto da tua discórdia, a microeconomia, que segundo JFA continua a utilizar os pressupostos de há 150 anos ou seja o comportamento racional e a eficiência dos mercados que estão completamente afastados da realidade e que têm como consequencia que "a Macroeconomia resvale da explicação do que é para a explanação daquilo que deveria ser, deixando de ser uma ciência positiva".
Esta situação contribuiu para a contínua desregulação do mercado tido como o mais eficiente, o financeiro. É um facto que se recuarmos ao tempo da grande excitação imobiliária e analisarmos a meios especializados, ninguém se lembrava de citar Minsky. Já com a bolha em grande expansão nem algumas vozes de economistas prestigiados como Rubini travaram as ideias entretanto consolidadas e que correspondem ao mainstream. Lembras-te dos célebres programas de televisão dos anos 80 do sec passado do Milton Fridman da liberdade de escolha?
Essas ideias ainda hoje estão presentes, até na sem vergonha com que se faz apelo ao Estado para ir em socorro de bancos em apuros ou falidos.
Vê lá se, depois do sucedido, houve alterações significativas no funcionamento destes mercados designadamente no seu pricipal pilar, as offshores.
Não te esqueças que a gatunagem aparece porque lhe é dada oportunidade - a ocasião faz o ladrão.
Abrç
Lm
Podendo levar a mal entendidos, porque uma frase irónica pode ser tomada por ofensa, o que nunca esteve no meu pensamento, reformulo o comentário.
Grande post, caro Rui. Embora não concorde com tudo, felicito-te vivamente. Com a mesma força com que, por vezes, divergimos.
Claro que Ferreira do Amaral tem muitas frases infelizes. Mais do que ele deveria permitir a si próprio, como Prof. Doutor do Quelhas.
Lamentavelmente, Ferreira do Amaral tem sido um dos maiores suportes da desgraçada política económica e financeira que nos tem levado para esta situação que vivemos. Cada vez mais no fundo.
Luciano,
Antes de mais, os meus agradecimentos pelo teu comentáris.
Lamento apenas que apareças tão pouco.
Mas não te percebo. Tento, mas não consigo.
Dizes tu que a frase que destaquei a frase do contexto para a rebater. Seria pouco digno da minha parte se o tivesse feito com essa intenção e lamentável mesmo que a intenção não tivesse existido.
Ora, meu caro Luciano, a frase que transcrevi vale por si independentemente do contexto que aliás não lhe altera minimanente o sentido.
Vamos ao contexto: Diz JFA que "é muito mais compreensível e incomparavelmente mais verdadeiro dizer (embora não com total precisão) que o PIB de um dado ano é o valor dos rendimentos (salários, rendas, lucros e juros")
Pergunto: Salários, rendas, lucros e juros não representam sempre riqueza?
Em que é que um conceito difere materialmente do outro? O que é salário, renda, juro ou lucro senão riqueza (ainda que seja riqueza miserável)?
Acrescenta ainda JFA: "Mais rigorosamente, o PIB de um dado ano é a soma dos valores acrescentados gerados pelas empresas (e também pelo Estado) que operam no país nesse ano"
Do meu ponto de vista, há um erro adicional neste conceito que resume às empresas e ao Estado a exclusiva geração de valor acrescentado. Há entidades que não estão organizadas sob a forma empresarial e que geram valor acrescentado. Ou então JFA considera que toda a actividade económica é desenvolvida pelo Estado e por outras entidades a que genericamente chama empresas. Admitamos a segunda hipótese para evitar mais embrulhos.
Mas, então, pergunto: Sempre que há criação de valor ou valor acrescentado não há rendimento, e havendo rendimento não há criação de riqueza? Quando? Não sei. Sabes?
::::
Vamos agora à questão da microeconomia e concretamente do caso do equilíbrio, ou de desequilíbrio,dos mercados financeiros.
Evidentemente que cada qual lê num texto aquilo que lhe convém se não estiver de boa fé.
Assim fazem os que invocam os catecismos para justificarem os seus actos.
Para quem não segue os catecismos e procura apenas a interpretação dos factos à luz da razão e despido de preconceitos ideológicos, conclui facilmente, como tenho dito repetidamente quando se trata de abordar a questão, que as práticas ditas neo-liberais, mas que foram outra coisa porque foram crimes,
não decorreram de uma fé inocente no que constava dos manuais mas da sua intenção muito consciente de enganar terceiros.
Endossar para as universidades a responsabilidade do descalabro é uma forma de desculpabilizar os gatunos. Digo isto aqui neste caderno desde a primeira hora.
Pois bem: JFA & Cª. insiste que a culpa está no ensino mainstream da microeconomia.
É um pândego.
Estarão por acaso no index da universidade onde ele ensina os manuais que denostram o deseuilíbrio congénito dos mercados financeiros? Ele, que é professor catedrático, portanto no topo da carreira, será saneado se explicar Minsky aos seus alunos?
JFA disse, e eu concordo com ele, que os offshores são uma calamidade para o sistema financeiro e para a economia global mas duvida ( eu também) que acabem com eles, apesar das muitas boas intenções que enchem este inferno.
Por que não acabam?
Porque está escrito nos manuais que assim deve ser?
Por que é que alguns economistas assumem posições que os levam assumir responsabilidades que são alheias à economia?
Caro António PC,
Agradeço muito o teu comentário.
Gostaria, no entanto, que tivesses expressado o ponto ou os pontos em que não concordas.
Aprecio, sobretudo, que discordem de mim. Para que possa corrigir a pontaria.
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