Tuesday, February 08, 2011

A FONTE DO ADORMECIMENTO

Uma das razões geralmente aduzidas para contrariar as propostas de mudança é a experiência passada. Porque, ou não há precedentes ou os precedentes foram desastrosos. Outra razão obstrucionista também muito comum é a invocação das situações na vizinhança.

É curioso que, neste último caso, o recurso à comparação só é, normalmente, usado pela negativa. Assim, por exemplo, invoca-se que o número de deputados na AR não é excessivo quando comparado com o número de deputados por habitante noutros países. Mas já é geralmente ignorado o facto de em Portugal o Estado compreender um conjunto de órgãos (centrais, locais, regionais, empresariais) em números que excedem largamente as situações comuns na generalidade dos países evoluídos.

Eu também penso que não é o actual número de deputados na AR que conta para os descrédito que tomou conta da casa. E que a eventual redução não terá relevância materialmente significativa nas contas do Estado. Mas a comparação com outros parlamentos não é um bom argumento para sustentar o status quo. E não é um bom argumento porque, se temos de recuperar a distância que nos separa do pelotão da frente, teremos de fazer melhor naquilo em que, eventualmente, os da frente sejam menos bons e tentar imitá-los naquilo que faz deles primeiros.

Freitas do Amaral, num artigo publicado no Expresso, depois de relembrar os leitores a sua qualidade de especialista há quase 50 anos na matéria, considera que as promessas de redução de deputados, de ministérios e de autarquias são infundadas, ineficazes e demagógicas e que não será esta a melhor altura para desencadear dezenas de "Marias da Fonte" . E desafia a não cortarem no mais fácil mas no difícil: os jobs for the boys...Cortem nas despesas de funcionamento corrente, nos subsídios, nas empresas públicas municipais, nas centenas de fundações criadas à socapa e nas inúmeras sociedades anónimas de capitais públicos (de que não há registos globais e controláveis) ... E, já agora, verifiquem a legalidade dos 14500 organismos públicos revelados pelo Tribunal de Contas: terão sido todos criados por lei?.

O especialista tem razão, mas não tem toda. A organização administrativa do país, que vem do século dezanove, tem de ser forçosamente alterada se quisermos ter uma administração local mais competente e eficiente e capaz de assumir  responsabilidades que hoje se encontram centralizadas em Lisboa. O caso do Ministério da Educação é paradigmático desse centralismo que faz da ministra ou no ministro o responsável directo perante centenas milhares de funcionários sem hierarquias visíveis intermédias.
A descentralização de competências para os municípios, nesta e em outras áreas, não pode, contudo, garantir mais eficiência se a dimensão da organização local não for reestruturada.  

Por outro lado, o tecido urbano alterou-se, os meios tecnológicos são outros, a dimensão adequada a uma gestão local que sirva e aproveite melhor a evolução observada é muito diferente daquela que foi traçada há mais de cem anos.

Não alterar nada neste campo porque há outros campos mais onerosos para os contribuintes é uma saída frouxa porque não estamos perante hipóteses alternativas mas complementares. Nada alterar para não acordar a "Maria da Fonte" é uma proposta que recomenda a continuidade de um Portugal adormecido.

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