"Não consigo olhar para a PT hoje sem ver a fotografia do engenheiro Sócrates e do Dr. Ricardo Salgado"
Daniel Bessa / Observador
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E., enviou-me aquele
link para uma entrevista a Daniel Bessa publicada há dias no
Observador. Eu tinha, numa reunião de amigos, discordado da imputabilidade das maiores responsabilidades na tragédia da PT ao sr. José Sócrates. O sr. José Sócrates é certamente culpado de muita coisa que aconteceu neste país. Mas não pode ser justamente considerado como um dos principais culpados dos actos danosos e fraudulentos ocorridos na PT se o juízo não estiver condicionado por convicções ou proximidades partidárias.
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Entrevistador pergunta
"Mas acha que o Governo devia ter feito alguma intervenção".
Responde, perguntando Bessa:
"Em qual?"
Na PT, por exemplo. E Bessa responde indirectamente que não:
"No caso da PT, o Governo interveio no tempo do engenheiro Sócrates. E não consigo desligar o estado em que a PT se encontra da intervenção do engenheiro Sócrates. E de Ricardo Salgado".
Subscrevo, sem quaisquer reservas, aquelas afirmações de Daniel Bessa.
Mas já não subscrevo, porque considero contraditórias, as considerações seguintes de DB:
"Quando nós olhamos para a PT, tal como está, aquilo que hoje se está
discutir – claro que estava lá dentro o Dr. Henrique Granadeiro e o
engenheiro Zeinal Bava, num nível de responsabilidade muito elevada, mas acima dos gestores habituei-me a colocar os acionistas e o poder
político, quando chega a esse grau de envolvimento com os acionistas. E é por isso que eu não consigo olhar em momento nenhum para o estado em
que a PT está hoje sem ver a fotografia do engenheiro José Sócrates e
do Dr. Ricardo Salgado".
Se Bessa considera, e eu concordo com ele, que o Governo não deve interferir nas relações accionistas das empresas privadas, não se percebe que coloque acima dos gestores os acionistas e o poder
político como maiores responsáveis das ocorrências verificadas na PT Telecom até agora.
Sem dúvida que os accionistas são os maiores responsáveis. Mas serão todos? Não são. Na assembleia geral de Setembro, que aceitou por quase unanimidade a redução da participação da PT SGPS na CorpCo de cerca de 37% para cerca de 27%, esteve representado menos de metade do capital social, verificando-se a mesma situação na assembleia de 22 deste mês, que aceitou a venda da PT Portugal à Altice.
A PT SGPS é uma empresa cotada em bolsa e cerca de metade do capital accionista está de tal modo disperso que torna a sua agregação para efeitos de voto virtualmente impossível. Daí que a tradicional representatividade do capital accionista nas assembleias gerais (o mesmo ocorre, p.e. na EDP) fique sempre aquém de uma maioria do capital social da empresa. Dito de outro modo: há poucos mas grandes accionistas que governam ou delegam o governo da empresa e há accionistas que, de facto, investem confiantes na capacidade dos gestores, nos auditores e na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Sem uma capacidade de vigilância efectiva da CMVM, a bolsa de valores perde honorabilidade e só não a abandonam de vez os que têm a memória curta ou os que participam apenas no jogo especulativo. Dos accionistas, só aqueles accionistas com capacidade efectiva de intervenção na gestão da empresa são responsáveis pelos actos de gestão praticados.
Quanto à intervenção do poder político, se ela não decorre de uma decisão tomada publicamente em nome da defesa do interesse público, e não foi o caso, quaisquer actos que envolvam estritamente os negócios ou as participações accionistas da empresa são da exclusiva responsabilidade de quem tem poder para os praticar: os accionistas ou os gestores por eles escolhidos. Se o engenheiro Sócrates de algum modo influenciou os actos de gestão da PT Telecom, a responsabilidade efectiva das consequências dos actos praticados terão de ser assacadas por inteiro aos gestores que concretizaram esses actos. Do mesmo modo que não é aceitável que o poder político intervenha na gestão dos negócios da empresas privadas, também não é aceitável que os gestores das empresas privadas endossem responsabilidades, que são unicamente suas, ao poder político decorrentes de eventuais situações de promiscuidade entre os negócios e a política.
Quanto à colocação de DB dos gestores num segundo patamar de responsabilidades, a minha discordância é total. Porque Bessa não ignora, porque ninguém minimamente informado ignora, que a indicação dos gestores nas listas dos orgãos a votar em assembleia geral, decorre de contratos entre os accionistas e os gestores quando os primeiros não assumem eles próprios a gestão corrente dos negócios. Não raramente esses contratos prevêm, tacitamente, contrapartidas entre as retribuições (de natureza e vias várias) aos gestores e liberalidades, para utilizar uma expressão que está a tornar-se moda, aos accionistas que os nomearam. Piketty em "o Capital no Séc XXI" demonstra até que frequentemente os gestores das grandes corporações acabam por dispensar os apoios accionistas quando o capital é quase totalmente fragmentado, e subalternizam os interesses dos investidores aos seus próprios interesses tornando-se eles, e não mesmo os maiores investidores, quem mais riqueza acumula.
Foi isto que aconteceu na PT Telecom.
Ricardo Salgado comprou os empréstimos, sem racionalidade financeira, da PT aos GES por contrapartida dos rendimentos que, por sua proposta, foram atribuidos a Zeinal Bava e seus companheiros da alegria. E os outros accionistas, perguntar-se-á, não deram por isso? Eles dizem que não, mas não é crível. Terão também embolsado as suas contrapartidas. De outro modo não teriam, entre outros actos esquisitos, cedido tão pacificamente à redução dos 37% para 27% na participação no capital da CorpCo, nem tão docilmente defendido a venda da PT Portugal à Altice.
Ainda quanto à publicamente declarada não intervenção do Governo: se é muito compreensível que nenhuma intervenção poderia ser feita na ssembleia de accionistas porque o Estado não é accionista da PT SGPS, é muito incompreensível que o Estado, representado pelos fundos de estabilização financeira da Segurança Social, se conforme com perdas que eventualmente rondarão os cem milhões de euros, segundo notícias vindas a público, alinhando ao lado dos grandes accionistas, que são também os grandes responsáveis, nas votações tomadas nas assembleis gerais de Setembro do ano passado e de 22 deste mês.
Porque, das duas uma: ou os gestores dos fundos de Segurança Social são incompetentes, e devem ser despedidos, ou decidiram em função da informação que conheciam e foram ludibriados pela sonegação de informação relevante, e devem ser punidos os responsáveis por essa sonegação.
Ou não acontece nada, e a bolsa de valores de Lisboa continua a ser um caneiro camuflado?