Há quem se indigne, e com alguma razão, com os inquéritos parlamentares quando estes pretendem substituir-se aos tribunais. E digo com alguma razão, porque estando constitucionalmente previstos, assiste aos parlamentares o direito de os realizarem.
Se as conclusões das comissões parlamentares de inquérito raramente se afastam das convicções ou dos interesses da maioria representada na AR, se das competências de investigação atribuidas às comissões de inquérito não resultam poderes sancionatórios, que são exclusivo dos tribunais, os inquéritos parlamentares poderão ter pelo menos o mérito de escapar às habilidades que as leis consentem e que favorecem os advogados no jogo dos julgamentos.
Trata-se de uma espécie de "justiça popular" (com toda a aberração que o conceito induz) a que poderíamos chamar "representativa".
Não é esta "justiça popular representativa" exclusiva do parlamento. São frequentes as sentenças dos tribunais superiores, com constituições parcialmente determinadas pelos partidos políticos, função dos interesses que os juízes representam.
Mesmo nos EUA, onde o sistema judicial é sujeito a um escrutínio exterior que em Portugal não existe, a decisão do Supremo que entregou a presidência a G.W. Bush preterindo Al Gore, foi expressa pela margem mínima, o que denuncia ter a votação sido determinada por avaliações não fundamentalmente jurídicas.
Não deixa de ser, a este propósito, interessante observar o anúncio feito ontem pelo Secretário Geral do PS na abertura do Congresso do partido de se recandidatar porque "há um combate decisivo a travar pela decência na democracia".
Sentindo-se injuriado nos media (jornais e televisões) José Sócrates, no seu discurso, talvez por não acreditar na capacidade dos tribunais para em tempo útil deslindar os casos em que o seu nome tem sido envolvido, pretende levar a julgamento popular a sua isenção e honestidade através das eleições que se avizinham.
Se a maioria lhe for favorável, provado ficará que os eleitores o ilibam se a justiça entretanto o não fizer.
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Afinal, contrariamente ao que por aí frequentemente se diz, em Portugal não falta justiça: temos a justiça popular, a justiça parlamentar (ou justiça popular representativa), a justiça eleitoral e a justiça propriamente dita.
Propriamente?