Friday, February 13, 2009

ACERCA DA DEMOCRACIA

"As pessoas devem sair do conforto dos seus sofás e dedicar-se mais à causa pública, com partido ou sem ele. Caso contrário, serão sempre os mesmos a ditar o país que somos e não queremos ser." Comentário de João Vaz ao artigo do Prof. Jacinto Gonçalves "A Doença da Nação" que transcrevi aqui.
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À afirmação, ou ao desafio, colocado por João Vaz e que, subscreve uma parte importante dos pontos de vista do Prof. Jacinto Gonçalves no artigo que transcrevi, pode responder-se com um inequívoco "concordo" e continuar-se comodamente no sofá. O incómodo vem depois.
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Porque este assunto é um daqueles com que me confronto há muito sem nunca ter encontrado uma resposta capaz para as minhas interrogações. Há lugar à participação política em democracia para lá dos partidos políticos? A esmagadora maioria responderá que sim. E, no entanto, os partidos, aqui e em todo o lado onde a democracia vigora, detêm a quase exclusividade da prossecução dos actos que realizam a causa pública. É inevitável que assim seja? Talvez não. Mas a tendência tem-se desenvolvido no sentido de uma cada vez maior monopolização dos partidos no governo da res pública em todos os patamares da administração. E eu não vejo com que meios pode essa tendência ser contrariada.
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A administração local poderia dispensar a luta partidária e resultar da eleição democrática dos vereadores que, entre eles, elegeriam o presidente. À vereação, constituida pelos representantes das diferentes tendências de opinião acerca do governo dos municípios, competiria definir os objectivos mas não a sua realização. Esta deveria competir ao presidente e à direcção do município. Acontece que se a administração local pode dispensar o concurso partidário, os partidos não dispensam participar na administração local por nele colocarem as suas bases de angariação dos votos em eleições nacionais, para além dos interesses inconfessáveis que, através dos autarcas, os partidos traficam com aqueles que lhes engordam os orçamentos.
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A representação nominal e não partidária dos membros do parlamento garantiria maior representatividade dos eleitos relativamente aos interesses dos eleitores mas colocaria aqueles numa situação de maior dependência dos interesses locais secundarizando os interesses golobais. Num país com fortes tradições de caciquismo, a alteração do sistema, que pode ocorrer na próxima revisão constitucional de 2010, contém alguns perigos de subversão democrática mesmo que o modelo seja um compromisso entre a eleição por círculos nominais e um círculo nacional.
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Um outro meio em que a participação dos cidadãos poderia escapar-se à ditadura partidária seria o recurso mais frequente ao referendo. Tenho reflectido acerca da participação dos cidadãos em referendo e, até hoje, não encontrei argumentos que me convençam que se trata de um meio de representação da vontade popular mais genuíno do que aquele que decorre da democracia representativa. Pode ser mais democrático na Suíça, onde existe uma tradição referendária muito antiga, mas a tradição helvética não se tem alargado para além das fronteiras dos cantões suiços. Sem tradição que determine o amadurecimento longo na utilização do referendo este pode inverter a sua vocação de instrumento da democracia directa para se tornar instrumento de confrontos demagógicos.
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Há ainda a sociedade civil, um conceito difuso desde logo pela alcunha que lhe atribuiram. O que é a sociedade civil e como se mobilizam os seus membros para a participação na causa pública sem envolvimento partidário? Geralmente, sentados no sofá, lamentam-se mas nunca constroem. São os opinion makers, geralmente a trabalhar à peça.
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Apesar dos seus enormes defeitos, a democracia representativa tem, historicamente, suplantado todos os outros sistemas de governo no alcance de melhores níveis de desenvolvimento humano. Dos seus pilares, legislativo, executivo e judicial, é este último que apresenta maior corrosão e aquele que ameça comprometer o edifício democrático. A evolução tecnológica que o mundo observou nas últimas décadas passou até agora praticamente ao lado do aparelho judicial.
É a inépcia da justiça que está na origem de muitos dos desaforos que comprometem a confiança dos povos nas instituições democráticas e os leva a alhearem-se cada vez mais da causa pública.
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Podemos, aqueles que não são partidários, fazer alguma coisa contra essa corrosão que ameaça seriamente a democracia? Talvez. Levanto-me do sofá e não sei para onde ir.

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