Com a queda da Câmara de Lisboa começou a aposta de fulanos. Não se discutem os problemas da cidade mas os cabeças de cartaz.
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O Expresso (Única) de ontem, contudo, insere uma reportagem ambiciosa titulada "Se eu fosse presidente da Câmara," lançando o desafio a 10 personalidades, figuras de referência da sociedade nacional, todas residentes na capital, perguntando-lhes o que fariam se tivessem responsabilidades autárquicas" .
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A primeira "figura de referência da sociedade nacional" chamada a dar conta do recado foi, talvez por ser da casa, Clara Ferreira Alves, jornalista, residente nas Amoreiras.
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O que diz Clara?
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"Um presidente ou uma presidente da Câmara precisa, em primeiro lugar, de escapar à lógica partidária e ter força e peso suficientes para desenhar e impor a sua visão da cidade para além dos interesses dos partidos, sem dúvida os grandes contribuintes para o actual estado de coisas. A CML era rica, e é hoje pobre e falida, que deve milhões aos fornecedores, que não honra os seus contratos e que recorre a "outsourcing" apesar de ter nos seus quadros milhares de funcionários..."
Percebe-se, claramente, que a Clara, se fosse presidente da Câmara, far-se-ia eleger como independente e imporia a sua visão da cidade. E pagava aos credores, o que é de aplaudir sem reservas. Como, a Clara não diz.
"milhares de funcionários que para ali foram ficando por imposição e jogo dos partidos, e que se comportam como células partidárias, pondo o interesse próprio acima do de Lisboa"
A acusação é grave, mas a Clara deve ter embalado e exagerou: muito provavelmente, nem todos os funcionários encaixam no retrato tirado pela Clara.
"Proceder ao saneamento financeiro, elaborar um diagnóstico do caos, quem deve o quê e quanto e a quem e como pagar os passivos, e em que prazo, recorrendo a receitas, implica que o presidente tenha uma equipa extremamente competente e qulificada nas suas áreas, que dispense a contratação de assessores para tudo, acabando com o nepotismo e a corrupção. A CML de Lisboa tem sido uma agência de empregos e empenhos, e está minada de incompetentes e corruptos, dos quadros mais baixos aos mais altos, e toda a gente sabe e sente isso na pele. Incompetentes que boicotam os competentes e que ninguém pode ou consegue remover. A CML precisa de uma equipa limpa e dura que corte a direito. E de uma visão que rresponda às suas necessidades sociais e cosmopolitas, e que sirva a população e não as clientelas."
Torna a Clara às preocupações financeiras (quem diria!) e propõe que recorra o Presidente "a receitas". Quais, não nos diz Clara, nem como. É uma ideia forte mas músculo invisível. A Clara poderia subscrever, por exemplo, a alienação de prédios municipais degradados e abandonados, proposta há bem pouco tempo por Carmona, mas fica-se pelo óbvio redondo: arranjar receitas, ignorando os ingredientes. Resumindo, a Clara corria com os corruptos, que são muitos, e com os assessores, que são todos demais, pagava o que devia e impunha a sua visão. Quanto à visão da Clara para a cidade, ficamos em branco, e sobra-nos a dúvida se ela tem alguma. Se tem, não diz.
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As outras "figuras de referência da sociedade nacional", à mesma questão disseram:
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- aumentava a rede de transportes públicos, com grande destaque para o Metro; criava grandes zonas pedonais, sobretudo nos bairros históricos; promovia a educação dos lisboetas para a cidadania. (Paolo Pinamonti - Ex-director do Teatro Nacional de São Carlos, residente na Graça)
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- fazia renascer o espírito de bairro, uma ideia que tem de partir de cada lisboeta, mas que pode ser patrocinada pela edilidade e supervisionada por alguém como o arquitecto Ribeiro Telles; criaria uma espécie de comité de bairro, em que a comunidade zelasse pelo seu espaço e houvesse locais onde os cidadãos se encontrassem e convivessem. (Fernando Lopes, realizador de cinema, residente em Alvalade)
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- devolvia a Baixa aos lisboetas, revitalizava o comércio, criando uma espécie de centro comercial a céu aberto, tornava possível a vinda de famílias jovens para os bairros centenários, fechava algumas ruas ao trânsito para criar uma espécie de corredor privilegiado de ligação da cidade com o rio, trazia companhias de teatro indpendentes para a Baixa-Chiado. (Jacinto Lucas Pires, escritor, reside no Chiado)
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- passava à prática do Plano Verde de Lisboa, já previsto no PDM de 1994 e prometido em todas as eleições, mas sempre adiado. Um caso persistente de desonestidade autárquica. (Luísa Schmidt, investigadora do Instituto de Ciâncias Sociais, reside na Lapa)
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- lutava por uma cidade mais limpa, mais segura, retirava poderes e funcionários à EMEL, poria imediatamente a funcionar o elevador da Glória, faria uma grande limpesa ao Bairro Alto, proibiria os grafitos e colocaria grandes caixotes de ferro onde os jovens poderiam deixar os despojos das suas loucuras nocturnas. (Simone de Oliveira, cantora e actriz, reside no Príncipe Real)
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- arrumava a casa e fazia um programa de curto e médio prazo para o saneamento financeiro, com excepção da reabilitação da Baixa-Chiado, não promovia grandes obras no estado em que a administração da cidade se encontra. (Manuel Salgado, arquitecto, reside em Alcântara)
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- resolvia o problema de trânsito. (Miguel Beleza, economista, reside no Saldanha e tem um dos carros mais pequenos do mercado: um Smart)
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- procurava encontrar soluções para evitar que fossem urbanizados os únicos vales ainda não totalmente ocupados da cidade: Chelas, Alcântara e vale de Santo António. (Leonor Cheis, arquitecta paisagista, reside na Estefânia)
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- limpava a cidade e procurava garantir a eficácia dos respectivos serviços; as fachadas dos prédios estão profundamente degradadas e há edifícios em ruína, atingindo esta situação níveis insuportáveis nos bairros históricos, sendo não só penoso para os residentes, mas também um péssimo cartaz em termos turísticos; procuraria afirmar Lisboa, nacional e internacionalmente, como cidade cultural, iniciando desde logo uma grande campanha de reabilitação dos inúmeros edifícios à beira-rio que se encontram em situação de abandono e dotava-os de novas funcionalidades; melhoraria as acessibilidades ao Museu Nacional de Arte Antiga. ( Dalila Rodrigues, Directora do Museu Nacional de Arte Antiga, reside na Lapa).
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Tivesse a autora-entrevistadora deste artigo juntado as "10 figuras de referência" pedindo-lhes que desenhassem um programa eleitoral para o governo da cidade de Lisboa, o que teria saído?
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Um camelo ou a visão da Clara?
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