Meu caro TZ,
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Falámos há dias, se bem te recordas, do imbróglio na Câmara de Lisboa, tendo eu, que não sou partidário, nem tenho clube nem credo específico, dito que o imbróglio resultava, sobretudo, de uma lei abstrusa, mas, como há males que vêem por bem, talvez esta cena de ópera bufa possa levar quem manda nestas coisas a arripiar caminho.
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Admira (ou talvez não, afinal a repetição provoca a banalização, invertendo as expectativas) que, passados 31 anos depois da promulgação da Constituição da República pós-25 de Abril, continuem a observar-se tantos desacordos acerca do nosso texto fundamental. Aquele que deveria resumir um grande consenso acerca das linhas mestras da nossa vida em comum é, frequentemente, apontado como motivo de discórdia e contestação, não raras vezes de justificação das nossas incapacidades colectivas. Mesmo aqueles, ou alguns deles, que estiveram desde a origem na edificação constitucional e das suas sucessivas alterações, vêm a público dizer do seu descontentamento acerca deste ou daquele ponto.
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Desta vez é Vital Moreira quem avança, honra lhe seja, no reconhecimento de que, na parte que enquadra a forma de governo municipal, a Constituição estabelece uma aberração ao mandar eleger separadamente a assembleia municipal e a câmara, gerando imbróglios como o de Lisboa, para além de outros entorses que VM não nomeia no seu artigo publicado ontem no Público: "O imbróglio de Lisboa".
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Tão evidente, que até nós, leigos na matéria, já a denunciámos aqui várias vezes. Tempos virão em que outras questões, que também já temos abordado, relativamento à gestão dos municípios se tornarão tão claras que não podem deixar de ser reparadas. Por enquanto há, certamente, muita gente que repara, mas não quer ver.
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Quanto aos constitucionalistas, que seria deles se a Constituição fosse de uma clareza insuspeita?
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Trancrevo do Público,
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"Se houvesse um mínimo de racionalidade democrática no nosso sistema de governo municipal, o
órgão executivo municipal deveria "cair" por demissão do seu presidente ou por destituição da assembleia municipal e não por acção concertada de renúncias colectivas dos membros do executivo e todos os seus suplentes partidariamente decididas no exterior.... A falta de lógica do sistema político municipal resulta da própria Constituição de 1976, que, paralelemente à assembleia municipal, estabeleceu também a eleição directa e proporcional da câmara municipal..."
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Vital Moreira, in Público de 8/5/2007
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Como é que se pode entender que uma conclusão tão óbvia não tenha sido antecipada pelos constitucionalistas de 1976?
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