Saturday, May 19, 2007

O SE DA SINA

A ler No princípio era o espanto , recordo.

1961, Setembro

O F. era ferroviário de segunda a sexta e barbeiro ao fim-de-semana. Fui lá cortar o cabelo num Sábado, véspera do embarque no comboio para Lisboa e, enquanto ele fazia o melhor que sabia, dei-lhe conta que ia emigrar. Prontificou-se a arranjar-me quarto em casa duns primos, gente boa, e ir comigo até lá. Ferroviário viaja de borla no comboio, e a oportunidade de uma ida à capital valia bem a receita de meia dúzia de cortes de cabelo no Domingo. Aceitei de bom grado, e até a Mãe ficou menos desconsolada com a saída do filho para parte incerta.

Cheguei com meia hora de antecedência à estação e aguardei a chegada do meu amigo barbeiro. Partiu o comboio a horas, contra todas as expectativas do ferroviário, que chegou atrasado.

Cheguei ao Rossio pela primeira vez na vida, com mala de cartão com excesso de peso por excesso de preocupações da Mãe. Confiado no F., não tinha plano B. no bolso e, á saída, fiquei especado com um olho a olhar “a fama do brandy Constantino já vem de longe”, em néon a acender e apagar por cima da pastelaria Suiça, e o outro na mala de riscas verdes.

Fiz mentalmente o balanço aos trocos que trazia no bolso e entrei para um táxi, a mala ao lado, não fosse o diabo tecê-las, e mandei seguir para o Chiado, um colega tinha-me dito que morava para aqueles sítios, com um bambúrrio talvez o visse por lá. Não vi, e quando o taxímetro se aproximava ansioso dos meus limites financeiros, dei indicações para voltar ao ponto de partida.

A carregar a mala sem destino, subi a Avenida da Liberdade até à Rua das Pretas. Que faço, que não faço, estava ali por perto uma máquina de pesar pessoas, tinham-me sobrado cinco tostões, meti-os na ranhura, e salta um bilhete com o peso e uma sina:

"Se deixares a tua terra sem pensares bem, voltarás mais pobre e arrependido"

Levei umas horas, sentado num banco da Avenida, com a mala ao lado, a pensar na casualidade da sina.

E foi aquele "se" que me resolveu a questão.
Há “ses” assim, pacholas.

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