Quando Cavaco Silva relembrou a Lei de Gresham, num artigo publicado no Expresso, a generalidade da opinião pública viu, por detrás das palavras do ex-Primeiro Ministro, a intenção (e a acção) que sacudiu Santana Lopes da presidência do governo. O próprio Santana Lopes, entre tantas queixas de desabafo salientou, umas vezes directa, outras indirectamente, o empurrão com que o seu ex-presidente o desequilibrou. E a leitura ficou por aí.
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Cavaco Silva, interpelado sobre o assunto, respondeu que a sua afirmação não visava ninguém em especial mas a classe política em geral. E nunca mais se falou no assunto.
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O que poderia ser o mote para uma discussão pública e proveitável da qualidade (ou da falta dela) da classe política que nos governa, desde as minúsculas juntas de freguesia até à magistratura mais elevada, esgotou-se, lamentavelmente, na suspeição de uma intenção pontual persecutória.
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E, no entanto, não há dia nenhum em que um dos encartados (ou sem carta) analistas políticos da nossa praça não venha pintar, com todas as cores da nossa vergonha, a desvalorização que progride na classe dos dirigentes políticos, quer eles estejam a governar ou na oposição. E ninguém pergunta porquê, como se uma selecção negativa decorresse de uma maldição dos deuses ou o universo de recrutamento não desse para mais.
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Ora só por surperstição ou falta de auto estima se pode acreditar que não temos alternativas, é o nosso destino, (é a vida, como dizia o outro), o nosso fado não é cantável de outra maneira.
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De vez em quando, há quem levante a questão pecuniária: os cargos públicos são mal remunerados, quem vale alguma coisa faz por se valer fora da actividade pública, ou deixa um pé num lado e põe o outro no outro. Ou passa pela governação para arranjar trampolim. De qualquer modo, o serviço público não é suficientemente motivador e a dação à causa pública não passa de uma treta. A democracia, no entender desta corrente, paga-se. E, de acordo com a sabedoria popular, para pouco (ou mau) dinheirito pouco (ou mau) trabalhito.
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E é nesta prosaica sapiência que, do meu ponto de vista, se encontra o cerne da questão: há cargos públicos que estão a ser disputados, não por aqueles que tenham demonstrado competência bastante para o trabalho mas por candidatos a emprego; E se muitos cargos públicos, que requerem a dedicação total de quem os ocupa, devem ser remunerados em condições competitivas, muitos outros há onde essa exigência não se põe, e que são, nas actuais circunstancias, mal remunerados, e, por isso, disputados a um nível de baixa competência.
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Estão, neste último caso, todos os eleitos para funções que são (ou deveriam ser) primordialmente de representação, e não executivos, (membros das juntas de freguesia, membros das assembleias municipais, vereadores municipais, por exemplo). Se estes cargos fossem não fossem remunerados, a grande maioria dos que procuram emprego político abandonaria o campo e outros, com competência e verdadeira dedicação à causa pública, seriam tentados a dar o seu contributo, mais válido e menos oportunista. E sem recorrerem assessores, uma praga gerada pela confessada incompetência de quem os recruta e pelo clientelismo que factura os apoios prestados na eleição daqueles que assessoram.
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Teríamos, então a democracia servida a dois níveis: legislativo e executivo remunerado em condições competitivas, estabelecendo-se a concorrência entre os mais capazes, e representativo, não remunerado, constituido por aqueles que se dispunham a contribuir para o bem público com a sua experiência e saber, dentro duma suficiente disponibilidade de tempo.
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Por outro lado, a redução de muitos lugares executivos, obviamente desnecessários (por exemplo, algumas secretarias de estado, direcções gerais, direcções de serviço, deputados à Assembleia da República, que excedem as reais necessidades e foram criados por razões de clientelismo político) permitiria remunerar adequadamente aqueles que se justificam.
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Com o mesmo custo de cunhagem, subsistiria a moeda mais forte, mesmo admitindo que alguma moeda rapada continuasse a insinuar-se na circulação.
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