Monday, May 28, 2007

8 PAUS POR UM SUSTO

A ler E continua o espanto , relembro
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1961, Outubro
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Prenderam o Marinheiro, sussurrou-me o Camilo, logo que cheguei ao escritório, depois de se voltar para trás e puxar os óculos para a ponta do nariz, os óculos que usava eram só de ver ao perto. Fiquei sem fala, a fazer mil e uma contas de cabeça. Porquê? perguntei, e, quando perguntei, o Camilo já estava voltado para a frente. Voltou-se outra vez, uns instantes depois, depois de olhar à volta, os óculos outra vez descaídos, parecia um periscópio à cata de inimigos. A Pide, disse ele, ao passar o radar por mim.
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Eu tinha recomeçado as aulas, depois de três anos de férias escolares forçadas, trabalhava de dia, estudava à noite. O Camilo sentava-se na secretária à minha frente, junto à janela que dava para a rua, e se o trabalho não apertava, o que acontecia frequentemente, voltava-se para trás para falar do Gavião. Tinha três vezes a minha idade, quando o transplantaram para Lisboa já era tarde demais, deixara muitas raízes na terra. Nunca tínhamos falado de política, no escritório não se falava de política, e eu não tinha notícia de que alguém alguma vez dali tivesse sido preso. Era na escola que as notícias sobre o momento político se espalhavam, e o ano era fértil em acontecimentos que os jornais censurados não divulgavam ou faziam-no de forma rasurada.
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A caminho de Santa Apolónia, descia todas as manhãs pela rua que ia dar ao rio, e atestava nele todos os sentidos. Um dia, em que me atrasei um pouco, encontrei-me com o Marinheiro, que trabalhava no mesmo corredor que eu, e, fiquei a saber, vivia também para os lados onde eu morava. Passámos a fazer o caminho várias vezes juntos, o Marinheiro tinha a minha idade, falava-me muitas vezes de movimentos operários, um discurso que a mim, nascido numa aldeia rural, se me interessava não me comovia. Em casa, na aldeia, habituara-me a sintonizar à noite a "Rádio Moscovo" mas o tom de propaganda dos comunicados nunca me tinha arrebatado. "A verdade é só uma, rádio Moscovo não fala verdade", do regime contra-informava no mesmo tom falsete. Ouvia-os por curiosidade e não por adesão aos discursos.
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Foi ainda por curiosidade que um dia perguntei ao Marinheiro o que é que havia de verdade nas notícias que corriam acerca de prisões por razões políticas. Tossiu o Marinheiro duas vezes antes de me responder, pôs-se mais vermelho do que era habitual, e contou-me, sempre em voz baixa, histórias que eu nunca tinha ouvido contar. No fim, perguntou-me se eu não queria contribuir para os presos políticos.
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Contribui com 8 paus, o preço de duas idas ao cinema Imperial, cada sessão dois filmes.
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Passada uma semana, nem tanto, volta-se para trás o Camilo a dizer-me que estava preso o Marinheiro.

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