(Marcelo diz que o herói do défice é o povo português)
- ...
Noc! noc! noc!
- Entra!... - Estimado Frutuoso, manda retirar essa porta logo que possível ...
- Retirar a porta???
- Isso mesmo: retirar, puxar para
cima, de modo a que desprenda das dobradiças, e, já está!
E, já agora, manda retirar
também as outras.
- As outras ???
- As outras todas.
- As outras todas???
- Isso mesmo, as outras todas!
- Interiores e exteriores???
- Todas, é isso mesmo, todas! A minha,
é uma presidência verdadeiramente aberta, ainda não entendeste, estimado Frutuoso?
- Mas no inverno ... chove ...
- Bom! No inverno ou quando chover,
andaremos de capa de plástico e um gorro de defesa contra as frialdades. Já aqui estamos há um ano e continuas a bater à porta antes de entrar. Sem portas, deixas de bater, é só entrar ...
- Perturba-me ...
- O quê? O que é que te perturba, estimado Frutuoso?
- Perturba-me entrar e surpreender o nosso muito amado presidente a escrever com as duas mãos ao mesmo tempo ... fico com a sensação de estar a delirar ... Será milagre? Só pode ser milagre ... acho eu.
- Deixa-te de taumaturgias, e vamos ao que interessa ... O que temos hoje?
- O défice ...
- O défice?!! O que é que tem o défice?
- É pequeno demais ...
- É quê?
- Pequeno demais, segundo o Bloco.
- Essa é do careca ...
- Segundo o Bloco o governo deveria ter gasto mais 600 milhões ... Segundo os comunistas ...
- Quais?
- Os outros do mesmo lado...
- O que dizem os outros a propósito do défice?
- Dizem o mesmo, o que disseram os do Bloco, ou vice-versa, eles nunca se entendem sobre quem disse primeiro, dizem que o défice não devia ser tão curto.
- E o que dizem os nossos?
- Que o défice é mais alto do que dizem, que foi maquilhado, que tem cativações, que não tem investimento, que tem perdões fiscais, que tem tudo o que não pode voltar a ter mais ..
- E depois?
- Depois logo se verá, responde o Governo que se gaba de ter conseguido o défice mais baixo dos últimos 42 anos ...
- Milagre?
- Não chegam a tanto mas andam lá por perto ...
- É porque não são crentes. Este défice é um milagre, estimado Frutuoso. E sabes quem fez este milagre?
- Posso imaginar. Quem faz o milagre de escrever ao mesmo tempo com duas mãos é bem capaz de muito mais, digo eu, para não nomear o nome ao santo, mas branco é ...
- Não, estimado Frutuoso. Este milagre deve-se ao heróico povo português! É ao bom povo português, que devemos este milagre, e a quem todos os afectos que lhes dermos são poucos!...
- Se assim for, e acredito piamente que assim seja, a canonização não tardará, e vai ser de arromba altares.
- Oh! Frutuoso!!! Que blasfémia!
- Não era essa a intenção, nosso bem amado Presidente. Mas li, há dias, algures*, que temos défice de santos. Não mais que dez, bem abaixo da média comunitária. Se há milagre, haverá canonização, e dez milhões de uma assentada é muito santo.
- Talvez, talvez ...mas faltam testemunhas...
- Somos todos testemunhas ...
- Ninguém é testemunha de si mesmo. E, repara: Para o Governo não houve milagre porque houve mérito; para as oposições nem uma coisa nem outra.
- Pelo povo, só o nosso bem amado Presidente ...
- E tu, estimado Frutuoso. Testemunhas, são sempre precisas pelo menos duas.
- Já somos três!
- Três???Qual é a outra?
- A Teodora. A Teodora disse que era milagre ...
- Reconheça-se que foi ela a primeira a dizer ... Mas, milagre, só em Fátima, corrigi eu.
- Então, a canonização é possível!
- E constitucional. Prepara-me o processo de candidatura para entregar ao Francisco em Fátima.
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Aqui, o primeiro episódio
** Vd.
aqui