Wednesday, April 29, 2009

OS GANHADORES DA CRISE

Comentando a notícia de o Diário Económico , "Salários em Portugal têm o maior aumento da década", Vítor Bento comenta no blog da Sedes:

... "o maior aumento salarial foi o dos trabalhadores da função pública e das empresas públicas sistematicamente deficitárias, com 2.9% e que estimo possa atingir (por alto) até 1 milhão de trabalhadores. Segundo, que a amostra utilizada do sector privado se refere a 0.5 milhão de trabalhadores que terão conseguido negociar um aumento médio de 2.6%. Terceiro, que esta amostra se refere às seguintes actividades: Construção (2.3%), Comércio e reparação de veículos (3.1%), Educação (2.2%), Actividades administrativas e serviços de apoio (2.9%), Indústrias transformadoras (3.2%), Seguros (2.6%); ou seja, com excepção de “Indústrias transformadoras (?!)”, abrangendo apenas um universo de 20 mil trabalhadores, são tudo actividades não transaccionáveis, isto é protegidas da concorrência internacional (desconfio que as “indústrias transformadoras” da amostra também são actividades não transaccionáveis…). Quarto, que o artigo se “esqueceu” dos restantes 3.5 milhões (por enquanto) de trabalhadores e dos 500 mil (por enquanto) desempregados, ...
...Vista a economia agregadamente, do ponto de vista macroeconómico – e praticamente todos os apodados de pessimistas partem deste ponto de vista –, a economia enfrenta um problema muito grave e o futuro é cinzento escuro.
Mas quem olhe para a ela do ponto de vista do sector não-transaccionável, não tem tido, e continua a não ter muitas, razões para se preocupar. Funcionando num mercado protegido e com margens asseguradas, seja pela garantia dada pelos preços administrados, seja pela garantia de volumes de vendas, este sector tem prosperado e sido altamente lucrativo. Aliás, o excesso de procura em que vivemos há uma década e que tem deteriorado os principais equilíbrios macroeconómicos, tem sido uma das principais protecções da rentabilidade do sector. Não pode por isso surpreender que este seja o sector que mais investimento financeiro e mais talentos tem atraído.
E, por isso, ao olhar para os últimos 10 anos, se verifica que o sector não transaccionável terá tido nele o seu período de maior prosperidade, ao mesmo tempo que a economia, como um todo, foi continuamente definhando. [A propósito já se deram conta de que metade do que pedimos anualmente emprestado ao exterior é para pagar juros? Alguém acha que isso é sustentável?]
Este sector tem, como se sabe, uma enorme influência política e mediática, o que lhe potencia o impacto opinativo e social. Como a governação, praticamente desde a entrada no euro, deixou de se preocupar com a gestão macroeconómica, facilmente se compreende que tenha sido capturada pela perspectiva do sector não transaccionável e que esta se tenha tornado na visão dominante. E facilmente se compreende a protecção e o apoio preferencial de que o sector tem beneficiado. Assim como facilmente se compreende a marginalidade a que foi remetida a outra perspectiva, ainda que mais realista.
Concluindo: quem é que vai pagar (em termos líquidos) os tais maiores aumentos da década, do sector protegido da economia, que titulava o jornal? São os outros, os que trabalham no sector transaccionável e os desempregados! (Em média tem que haver queda de rendimento – certo?! – senão não estávamos em recessão). Como? Com aumentos de impostos (presentes ou futuros) e aumento de preços dos produtos não transaccionáveis. Duvidam? Vejam os últimos dados do INE sobre o IPC (Março). Com uma variação homóloga global negativa (-0.4%), e quedas nos produtos alimentares e vestuário, as classes cujos preços mais subiram foram “04-Habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis” (apesar de o preço dos combustíveis importados ter caído abruptamente!) e “restaurantes e hotéis” e “bens e serviços diversos”.
Mas continuamos com a cabeça enterrada na areia…
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