Wednesday, April 22, 2009

CCB

Senhor Presidente
do Centro Cultural de Belém,
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Cerca de três semanas antes do concerto no CCB, "Música Para Quatro Mãos", de Maria João Pires e Ricardo Castro, no dia 9 deste mês, a bilheteira informava que a plateia se encontrava já esgotada e sobravam apenas alguns lugares em camarotes.
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No próprio dia 9, umas horas antes do início do concerto, dois amigos nossos conseguiram comprar dois bilhetes de plateia, "os únicos que havia disponíveis em resultado de duas desistências de última hora", segundo informação da bilheteira.
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Quem conseguiu assistir ao concerto pôde constatar que na plateia ficaram vazias cerca de 50 cadeiras.
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Estou certo de que isto não constitui para si uma novidade. Muito menos que uma não novidade, aliás, é uma banalidade. Não só no Centro Cultural de Belém, mas também em outras salas subsidiadas com dinheiros públicos.
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Não foi, evidentemente, o caso que em concreto refiro que me levou a escrever-lhe mas a banalidade e a indiferença com que estas situações acontecem.
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Eu sei, senhor presidente, que há uma tradição neste Portugal de mamadores do Estado que vem de longe e é, porventura, difícil expurgar.Eu sei que há patrocinadores que trocam apoios por entradas (um negócio que lhes dá fama de beneméritos e proveitos de entradas gratuitas) que distribuem a amigos e conhecidos nem sempre interessados na oferta. Eu sei que de si esperam os manobradores do aparelho do Estado os tradicionais envelopes com os convites mesmo que as agendas não lhes consintam ou o desinteresse os desmotivem a usá-los.
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Todos suspeitamos que, lamentavelmente, ninguém abdicará deste consuetudinário de miseráveis mordomias sem rancor e sem vinganças.
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Por tudo o que o senhor presidente bem sabe e nós presumimos, não lhe sugiro que acabe de vez com a babugem. Peço-lhe apenas que lhes solicite com cortezia qb que, no caso de estarem interessados nas borlas prometidas, levantem, ou mandem levantar, os seus bilhetes até dois dias antes dos espectáculos. Vai ver que lhe sobrarão muitos bilhetes que pode vender a preços reduzidos a jovens que não têm trocos suficientes ou nunca tiveram a oportunidade de escutar ao vivo Maria João Pires, por exemplo. Deste modo semeará para daqui a cinco ou dez anos colher uma assistência mais interessada e disposta a pagar bilhete inteiro.
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Já agora, permita que faça perder tempo a quem ler esta missiva com mais dois pontos:
1 - Não me sinto marginalizado ou ressabiado por não me tocarem convites. Antes, pelo contrário: o que me indigna é não poder comprar bilhetes porque as lotações estão esgotadas e só recorrendo a borlas consigo entradas.
2 - Diz-se, frequentemente, que a corrupção campeia em Portugal e as cunhas matam as competências. As borlas são o exemplo mais acabado da mesquinhez das cunhas com que se prestigiam muitas das nossas elites.
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Está nas suas mãos, senhor presidente, contribuir para que a sociedade que vai ao CCB seja globalmente mais decente.
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Com os meus cumprimentos,
Rui Fonseca

2 comments:

aix said...

Meu caro Rui, como sabes sou um melómano (ou tenho a presunção de o ser).Tenho dúvidas(isto é,certeza) de que o Dr. Mega Ferreira te (não) vai ler, mas é pena, porque a questão é pertinente e bem se devia fazer qualquer coisinha para moralizar a utilização desse (e doutros) espaços de arte que pertencem à comunidade.Já me aconteceu mais do que uma vez o que tu narras: enviarem-me para um camarote e de lá ver a plateia com vastos lugares vazios. Já cheguei a mudar-me ao intervalo mas é sempre uma opção desagradável.
Agora,quando me negam a plateia, pura e simplesmente não vou.Há uma frase que é repetida na formação de gestores, "um elefante come-se aos pedaços":Também o combate à (grande) corrupção poderia começar por pequenas correcções como esta.

Rui Fonseca said...

"Tenho dúvidas(isto é,certeza) de que o Dr. Mega Ferreira te (não) vai ler, mas é pena,"

Viva, Francisco!

Cada um faz o que pode. Não sei se o Mega vai ler. De qualquer modo o que escrevi neste post é cópia do e-mail que lhe enviei.

Alguém lerá.