Em países onde a consciência cívica está mais desperta, as obrigações fiscais são mais cumpridas mas as exigências de transparência das actividades do Estado também são mais evidentes no dia a dia dos cidadãos.
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Nesses países, as facturas dos restaurantes, como de quaisquer outras compras de bens ou serviços, são apresentadas sem que os compradores as solicitem. Por outro lado, as facturas explicitam sempre o imposto liquidado, acrescentando-o ao valor da compra. Nas cartas dos restaurantes os preços indicados são preços antes de impostos, em todas as lojas a prática é a mesma. Obrigatoriamente, a mesma. Quando há lugar à liquidação de mais que um imposto (casos de impostos federais e estaduais, ou estaduais e municipais) a cada um deles corresponde uma linha de inscrição na factura.
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O cidadão, consumidor e contribuinte, é, deste modo permanentemente informado do valor de compra do produto ou serviço e dos impostos que lhe estão associados. Quando ocorre uma subida da taxa dos impostos, o cidadão verá essa subida reflectida de forma explícita na factura. Se, inversamente, o governo decidiu baixar os impostos, essa decisão é visível a partir do momento em que se torna efectiva.
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Nada disto acontece em Portugal, vá lá saber-se porquê.
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Provavelmente, uma das razões é este hábito ancestral que se impregnou no nosso ADN cívico que determina a nossa propensão para abrandar costumes e desculpar safadezas, segregando os governos as idiossincrasias das sociedades que os elegem.
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A notícia da redução do IVA, a partir de Julho, anunciada ontem, não terá impacto que se veja na economia. Escrevi isso ontem e, se volto a repeti-lo, é porque me faltou acrescentar a principal razão pela qual uma redução escassa, que por esse motivo não poderia ter efeitos significativos, no máximo 1%, acabará por ter uma incidência tendencialmente nula nos preços.
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Essa razão é a anestesia fiscal, uma prática corrente desde sempre praticada em Portugal em larga escala. O governo (este e todos os outros que o antecederam) sente-se confortado com o facto de subtrair aos contribuintes a informação dos impostos indirectos que lhes cobra. Os pacientes são deste modo sujeitos a uma anestesia que não lhes permite ter consciência da tributação indirecta a que estão sujeitos. Se o imposto aumenta, a sua percepção desse aumento é nula ou quase nula.
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Ocorrendo uma redução de imposto, magra, sem explicitação do imposto nas facturas (que muitas vezes não são passadas sequer pelo fornecedor) o consumidor/contribuinte continua a ver navios.
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E a redução, magra, é retida algures não chegando ao bolso de quem era esperado chegasse.
Em face disto o que dizem as oposições: Que a decisão foi inoportuna, foi tardia, é inconsequente, é demagógica. E mais não dizem. Porque não sabem? Talvez não saibam. Ao principal partido da oposição, contudo, não lhe convém acabar com a anestesia.