Caro António,
(acerca deste apelo)
(acerca deste apelo)
Quando, há já alguns tempos (ainda estávamos nos tempos de Sócrates) o ministro da economia (então Vieira da Silva) disse mais ou menos o mesmo que tu dizes agora (inimaginável, tu do lado de Vieira da Silva!) de um apelo idêntico de Cavaco Silva, muita gente vacilou. O que quer dizer que o apelo parece pertinente mas o reparo também.
É por demais evidente que não é com apelos destes que resolve o problema do défice comercial. Se fosse, estaríamos como alemães, com as reservas a abarrotar.
Mas podemos, e devemos, penso eu, olhar a questão de outro modo.
Quem é que está no controlo da abertura das comportas das transacções com o exterior? Não é o ministro da economia (que, aliás, suponho que não sabe o que é que pode fazer). São os bancos e os grandes espaços comerciais. Eu posso ir com toda a boa vontade de me ajudar a mim próprio comprando produtos nacionais e defrontar-me com uma impossibilidade, a de não os haver à venda.
E não falo de telemóveis, falo, por exemplo, de batatas. Quero comprar batatas nacionais mas só vejo batatas francesas à venda, quero comprar morangos, oferecem-me espanhóis, quero cebolas, oferecem-.me espanholas, quero figos secos, são turcos, quero amêndoas, são da Califórnia, quero salsa, vem de Marrocos, quero peixe, vem de Espanha, quero uma camisa, é chinesa, quero umas cuecas, são do cu de judas, etc.
Resumindo e concluindo: Estou condenado a comprar produto estrangeiro?
Não estou.
O ministro da economia e a ministra da agricultura, depois desta ter dispensado os funcionários da gravata, bem podiam reunir-se com os senhores presidentes da Caixa, do BCP, do BES, do BPI, e dizerem-lhes: Meus senhores, a vocês, que contribuíram para deitar a barraca abaixo, chegou a altura de olharem para a borrada que fizeram e de ajudarem a limpar o estrago. Porque, os senhores são quem, indiscutivelmente, irrigam a economia com os fundos que os portugueses poupam, e poupam pouco, mais aqueles que importam do estrangeiro sem se importarem com as consequências futuras. É bom que os senhores, se querem fazer alguma coisa útil, mudem de estratégia e se aliem a quem produz ou pode produzir na vizinhança. A economia de vizinhança não é uma economia planificada mas uma economia inteligente. Ora os senhores, que são inteligentes, mas foram mais gananciosos que inteligentes, invertam as prioridades, porque há um momento em que os contribuintes não podem pagar mais as consequências de todas as vossas ganâncias. Percebem ou é preciso fazer um boneco?
Depois chamam os lordes nacionais dos grandes espaços comerciais (não mais que cinco ou seis) e dizem-lhes: O senhor Soares dos Santos diz que importa morangos porque a produção nacional não chega para satisfazer uma vigésima parte dos morangos que vende, o senhor Belmiro diz que compra onde pode comprar mais barato lá fora e a ele interessa defender os interesses dos seus clientes, o senhor, perdoe mas esqueci o seu nome, importa robalos de piscicultura da Grécia porque não há piscicultura em Portugal, etc., já repararam com certeza que as vossas vendas estão em baixa e vão baixar muito mais. E porquê? Porque vocês se esqueceram de uma coisa elementar: os vossos clientes estão a ficar cada vez mais tesos. Os vossos clientes, não sei se repararam, são os vossos vizinhos. O comércio, a economia em geral, é uma actividade de trocas. Se um tipo não tem para a troca, o outro, mais tarde ou mais cedo deixa de trocar. Elementar.
A economia de vizinhança não é uma economia planificada, mas uma economia inteligente. É aquela que, voluntariamente, decorre de uma perspectiva de sustentabilidade a longo prazo. É aquela que deve ser tida em conta pelos banqueiros quando irrigam a economia. É aquela que deve ser tida em conta pelos hipermercados quando fazem contratos de longo prazo com fornecedores.
E os senhores ministros não têm nada a fazer para além deste discurso? Claro que têm.
Desde logo a senhora ministra Cristas deve pôr os milhares de funcionários do ministério a fazer o que devem, se souberem: trabalhar com os agricultores. E dispensar os que não estão para aí virados. Em Portugal, o número de funcionários do ministério da agricultura por agricultor efectivo (e não nominal apenas) é aterrador mas o resultado uma invisibilidade. O ministério deve promover a reestruturação da propriedade rústica, com vocação agrícola ou silvícola, de modo a dar-lhe dimensão económica. Se não o fizer nunca poderemos ter à nossa escolha produtos agrícolas nacionais no mercado.
O senhor ministro Álvaro deve, se souber, passar da fase de show-off para a promoção do entendimento entre quem se candidata a produzir, quem financia e quem escoa os produtos. Economia planificada? Não. Economia de vizinhança, onde não há mais imperativos para além daqueles que decorrem de interesses mútuos entre as partes envolvidas. Uma economia de vizinhança é uma economia inteligente.
Mas, se mesmo assim, não souberem o que isso é, perguntem ao suíços.
4 comments:
Estou um pouco confusa porque não sei quem é o António (talvez um ex-colega do Álvaro). Mas reconheço perfeitamente a dificuldade de encontrar certos produtos nacionais como as minhas soquetes preferidas, que às vezes me faz telefonar para as fábricas para saber onde os posso encontrar. E também sei que muita gente à minha volta procura deliberadamente comprar coisas mais comezinhas como batatas e morangos, mesmo se tiver de dar um bocadinho mais por eles. Não sei se o Sr. Jerónimo Martins ou o Senhor Belmiro de Azevedo vão dar por isso, mas talvez. Eles passam a vida a dizer que o cliente é quem manda, não é?
Gostava de qualquer modo de saber em que discussão é que este comentário se insere.
IsabelPS
Isabel:
O António é um velho amigo meu e ex-colega de curso. De seu nome completo, António Pinho Cardão, escreve, além de outros escritos, no Quarta República:
http://quartarepublica.blogspot.com
O Álvaro é o actual ministro da economia.
A discussão anda à volta de um apelo que circula na Internet de que dei resumo neste bloco de notas, conforme refiro no apontamento.
Respondi?
Apareça sempre!
Ah, eu apareço, mas nem sempre aviso.
A despropósito, é da minha vista ou ninguém fala nisto:
http://www.businessweek.com/ap/financialnews/D9QIS9700.htm
IsabelPS
"A despropósito, é da minha vista ou ninguém fala nisto:
http://www.businessweek.com/ap/financialnews/D9QIS9700.htm
Comento hoje.
Obrigado pelo contributo.
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