Wednesday, October 19, 2011

CRÓNICAS DO KANDIMBA

Nunca estive em Angola. Por sorte ou azar nem a guerra me convocou para a viagem e, desde então, faltou o incentivo bastante para ir até lá. O meu conhecimento de um país que, aprendia-se na 4ª classe, já foi colónia portuguesa com uma dimensão territorial catorze vezes superior à metrópole, é curto mas a minha curiosidade bastante para ouvir interessado os relatos de amigos que lá nasceram, doutros que por lá passaram, doutros ainda que por lá continuam a passar em viagens de trabalho ou de negócios.

O Humberto A., falou-me há dias nas Crónicas do Kandimba, de Sebastião Coelho, jornalista, nascido no Hambo e falecido na Argentina em 2002,  um conjunto de saborosos frescos sobre uma realidade angolana só perceptível por quem viveu profundamente o que viveu. 

Podem ser lidas aqui, e, como aperitivo, destaco um apontamento sobre a fauna angolana e outro sobre D. António d´Almeida, um governador que viu acabado o tempo da comissão antes de começar a governar por ter passado todo esse tempo a querer conhecer a terra que lhe tinham dado de governo.

"Nos meses de Junho ou Julho, podes ver focas e pinguins, esguios e velozes, sulcando as águas das baías do Sul de Angola, ou, refastelados nas areias das praias como qualquer bacana. Na mesma época também é usual verem-se famílias de golfinhos brincalhões exercitando o seu costume de salvar náufragos, porque, para eles, qualquer humano nadando junto à praia, é um náufrago potencial que deve ser empurrado par terra e nem sempre com muita delicadeza."  

" ... a lenda dos peixes voadores que vestem de prata as anharas (savana) do Moxico, foi criada por D. António d´Almeida, o governador-poeta ...

Este peixe minúsculo (tukeia)  nasce na anhara, nos lagos de curta vida que a água das chuvas forma, todos os anos. Nas gretas de lama seca, no fundo, ficaram depositados os ovos que produzem miríades de peixinhos de crescimento alucinantemente rápido. Em dois meses cumpre-se o ciclo vital e começa a desova. A forte evaporação devida à secura do clima e o baixo nivel das águas obrigam à concentração dos cardumes, facilitando a tarefa da recolha. As mulheres da região chegam em grupos, empunhando cestos com aspecto de raquetas enormes. Entram na água juntas, formando parede e avançam umas ao lado das outras, repetindo canções e técnicas seculares. Agitam os cestos com movimentos de baixo para cima e atiram os peixes ao ar, para que caiam sobre as plantas. Dias mais tarde, voltam à anhara, desta vez com kindas e juntam a «tukeya», como quem colhe frutos do alto das bissapas.

O cheiro fétido deve-se ao processo de semi-putrefacção que ocorre durante a secagem, mas os guizados de «tukeia» são famosos entre ganguelas e kiokos e são realmente saborosos. E sem cheiro. Custou-me a provar, por preconceito, depois aficionei-me e confirmo que são uma delicia. E sem cheiro.
A «tukeia» exporta-se em pequenas malas de mateba, de rede apertada à dimensão do conteúdo e a sua presença nos transportes ou comércios rurais é denunciada à distância pelo cheiro. Cheiro a quê? – «A peixe voador, Alteza, a «tukeia», Senhor Don António. A «tukeia»!

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