Thursday, May 16, 2024

POR QUE RAZÃO O MINISTRO DA JUSTIÇA TEM QUE SER UM JURISTA?

Já tivemos Ministros da Saúde que não eram médicos, um dos que melhor deu conta do recado é economista e hoje é presidente do banco do Estado, já tivemos vários Ministros das Finanças e Ministros da Economia, juristas, já tivemos Ministros da Defesa que nunca foram tropa, já tivemos Ministros da Educação, juristas, economistas, enfim há ministros para todos os Ministérios que requeiram um ministro, com uma excepção: para o Ministério da Justiça sempre foi nomeado um Jurista.
E a minha questão é: Porquê?
Um Ministro da Justiça, enquanto nessa qualidade, não vota as leis, nem interfere seja de que modo for, na votação, nem na forma nem no conteúdo das leis aprovadas pelo Poder Legislativo eleito com assento na Assembleia da República.
Mas pode e deve promover a organização do Poder Judicial de modo a que possa a administração da justiça, feita em nome do povo representado na Assembleia da República, ser eficaz e eficiente na aplicação das leis em tempo útil. Compete, portanto, ao Ministro da Justiça promover a administração competente dos meios postos à disposição dos agentes do Poder Judicial. 
Entre um Ministro da Saúde e um Ministro da Justiça, não há, não deve haver, outras responsabilidades que excedam as suas obrigações de exercerem com competência funções de administradores de meios. 
Ou há?
 
No Público de 31 de Janeiro deste ano, o Juiz Desembargador Manuel Soares escreveu sobre "o monstro que nos devora", uma elucidativa opinião sobre o estado da Justiça em Portugal e avançava algumas propostas para reformar o Poder Judicial no nosso país e alterar a má imagem que os portugueses têm dela.
Não sei se o artigo em questão mexeu alguma coisa na consciência dos seus pares, enquanto agentes da administração da Justiça. Mas suspeito que tenha, surdamente, sido criticado pela maioria. Como, aliás, como outros, muito poucos, também agentes da Justiça, que saíram publicamente com opiniões críticas sobre as deficiências de um quadro de funcionamento obsoleto e, consequentemente, retrógrado.
O que não admira: o sistema obedece a regras corporativas que saltaram alegre e sem a mínima beliscadura as alterações políticas motivadas pela entrada do país no quadro das nações de regime democrático.
 
Disse, recentemente, a Ministra da Justiça:
“Queremos uma Justiça que funcione bem, e a tempo, sem o que não há economias robustas nem sociedades saudáveis. Reconhecemos que a justiça económica é um pilar fundamental para a coesão social e para a competitividade do País. Uma justiça célere, eficaz e transparente é essencial para prevenir e combater a corrupção, a fraude e a evasão fiscal”
 
Boas intenções, a merecerem os nossos aplausos.
 
Acontece que a Ministra da Justiça tem que confrontar-se com a pressão de exigências que passarão para a frente das prioridades no princípio da sua acção governativa. Incluindo as listas de exigências da Ordem dos Advogados de que a advogada Rita Júdice, agora Ministra é membro. 
"Os advogados também têm uma lista de exigências. Uma das principais passa pela eliminação das alterações ao estatuto da Ordem dos Advogados que pôs a classe em rota de colisão com o governo socialista."
"Mas na Justiça também se fala de dinheiro. Com os funcionários judiciais à cabeça, também Rita Júdice vai ter de abrir os cordões à bolsa se quiser pacificar o setor. As greves dos funcionários judiciais marcaram o setor no ano passado com milhões de atos processuais adiados. O tempo está a contar"
 
Não cairá a Ministra Rita Júdice na tentação de ser juíza em causa própria, como advogada. Eventualmente influenciará, discretamente, os parlamentares do seu partido a repor as vantagens estatutárias que o anterior Governo retirou à classe.

A estafada questão do combate à corrupção não parece estar nos primeiros lugares da lista de preocupações da Ministra Júdice.
E percebe-se porquê.
Porque o combate à corrupção requer, além do mais legislação que seja travão de actos corruptíveis, um objectivo de enorme alcance que terá de ser debatida e consensualizada por maioria qualificada na Assembleia da República. E quem, na Assembleia da República, tem competência para levar a bom termo tão exigente quanto complicada tarefa? Poucos, se alguns, dirão os pessimistas e acertam porque sabem que com pareceres e trabalhos de feitura de leis pagam os contribuintes larguíssimas contas a escritórios de advogados. É uma realidade intransponível porque a eleição de deputados é feita com base nas fidelidades partidárias, e só muito raramente, se algumas houver, com base na competência que só bons juristas fazedores de lei sabem fazer.
E a este respeito, de qualquer modo, a Ministra da Justiça, enquanto Ministra, não pode intervir mesmo que, seja eventualmente, muito competente no assunto.

Então, volto a perguntar:
Porque razão o Ministro da Justiça tem que ser jurista?
Vantagens, não vejo nenhuma.
Desvantagens há várias como pode constatar-se da constante nomeação de juristas para o lugar e a consequente imobilidade do monstro que nos devora.

“Insanidade é fazer sempre a mesma coisa, esperando resultados diferentes” – Albert Einstein

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