"Qual é a vossa opinião ?
Eu gostei do que li ! Mas não sou economista " J. Vaz
Caro J. Vaz,
O memorando, como muita gente já disse, é um programa de governo que nenhum partido ousaria propor ao eleitorado, porque, evidentemente, seria chumbado pelos eleitores. Perversões da demagogia ou debilidades da democracia, o certo é que ainda está para aparecer o antivírus para esta fatalidade, que ataca, sobretudo, as democracias menos conscientes e mais pobres. É, portanto, uma receita para um país social e economicamente doente, que, para vergonha nossa, foi ditado por estrangeiros. Que, para vergonha nossa, nos pusémos de cócoras quando, alegremente, nos deixámos endividar até ao cocuruto e adormecemos à sombra de investimentos públicos sem retorno aceitável e de outras habilidades demagógicas.
É pena que, em alguns pontos, não tenha ido ao cerne da questão. Por exemplo:
É excessivo o número de funcionários públicos mas é, muito mais excessivo o número de funcionários públicos redundantes ou incompetentes. É absurdo, e toda a gente sabe que assim é mas nenhum político o ousa dizer em público, que a redução da função pública venha sendo sempre proposta através da substituição por um funcionário por cada 1+x que saiam. Não faz sentido nenhum que gente jovem, competente, qualificada, com vontade de trabalhar, tenha de aguardar que alguém morra, se reforme ou por sua vontade saia. Dos seiscentos e trinta e tal mil desempregados deste país nenhum é desempregado da função pública, são todos desempregados do sector privado. Porquê? Porque há cidadãos de primeira e de segunda neste país, também no que toca a garantia de emprego para toda a vida. Por que razão é que, praticamente, só os funcionários públicos ou de empresas de serviços públicos fazem greve e obtêm o que querem porque são os contribuintes ou os utentes a pagar? Porque têm emprego garantido e uma força sindical reivindicativa desmesurada frente a quem lhes paga.
Por outro lado, a procissão ainda não saiu do adro e as discussões à volta de quem deve levar o andor ameaçam deitá-lo abaixo. Esta poeira levantada à volta da redução da TSU, contida no memorando, fruto de mais uma inabilidade do PSD, é um exemplo acabado das questiúnculas menores com que nos confundem os políticos. A redução de 4 pp na TSU, diz-nos um cálculo de aritmética elementar, resulta numa redução de custos pouco mais que insignificante. Poul Thomsen, o dinamarquês que na troica representava o FMI, em entrevista que coloquei no Aliás, fala de uma redução da TSU que tenha um impacto no PIB de 4-5%, o que implicaria uma redução de 16 a 20 pp da TSU. Portanto, a discussão à volta de 4 pp faz pouco sentido, e a redução menor, diluída ao longo da legislatura, por onde pretende ir Sócrates, é mais uma das suas simulações demagógicas. Para obter o mesmo efeito da redução dos 4 pp sobre os custos de produção das exportações bastaria que o governo desse instruções à Caixa Geral de Depósitos para reduzir os juros em cerca de 1,5% sobre os financiamentos equivalentes ao valor nacional acrescentado exportado e agravar na mesma medida os financiamentos das importações. Disse isto mesmo, ontem, numa reunião onde estava presente um dos protagonistas mais em destaque na actual cena política.
Em resumo: O memorando é tão bom como o óleo de fígado de bacalhau que, felizmente para a tua geração, já não foste obrigado a tomar: Sabe horrivelmente mal, é pouco eficiente mas não há outro remédio. E mesmo este foi receitado por estrangeiros.
Com tanta turbulência à volta, é grande o risco de o paciente o vir a regurgitar após as primeiras contracções de vómitos.
2 comments:
Obrigado pela resposta clara e sóbria (algo que falta ao país e a muitos políticos)
Abraço,
João
Caro Rui
Estou completamente de acordo e só com intervenções desse tipo é que pode aceitar-se a existência da Caixa como banco público.
Quanto a mim a Caixa nem deveria poder fazer parte dessa tal APB que não é mais que um cartel encapotado.
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