Thursday, January 29, 2009

SONHOS E RABANADAS - 7

CHEZ VOUS - HOTEL

Palavra que não sei como é que aqui vim parar. Tenho o hábito de não dar muita atenção às amenidades publicitadas nos folhetos ou nos sites dos hotéis. Sou geralmente hóspede em trânsito, chego à noite, saio de manhã, tenho um leque de exigências restrito. E nunca pensei que fosse possível que a evolução da técnica chegasse a estes extremos.
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Imaginem que depois do check-in a recepcionista vos dava para as mãos um GPS em lugar da chave do quarto, com um peso pendurado por causa dos esquecimentos, ou de um cartão chipado. Pois foi o que me aconteceu. Ainda não me tinha vindo à cara todo o espanto da surpresa e já a recepcionista me explicava que no "Chez-vous" não havia quartos numerados nem portas fechadas, "comme chez-vous", rematando com um sorriso imparável. Um "must".
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De modo que, muito logicamente, não havendo números nas portas, o GPS é, "Chez-nous", o guia permanente no labirinto do hotel. "Chez-nous" não é um hotel como os outros. Nada daqueles corredores compridos, perpendiculares, dos grandes hotéis de luxo standardizado. "Chez-nous" é um favo de recantos onde não há duas portas iguais, onde o GPS não é uma extravagância mas um salva-vidas. Sem GPS, as hipóteses de sair do labirinto são de uma em mil, fiquei a saber mais tarde, uma oportunidade tão remota que antes que ela ocorra quem se perde já não se acha. Terrível e excitante. É destes desafios, dizem, que é feita a vida.
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Com GPS podemos deambular por toda a teia de corredores esconsos e desnivelados, sombrios ou atravessados por uma luminosidade intensa que vem reflectida do mar onde encalharam o "Chez-nous". Bem agarrado ao GPS fui até à piscina (nunca costumo ir às piscinas dos hotéis), à sauna (nunca tinha ido), ao SPA (entrei e saí). A vaguear temerariamente naquele embricado fantástico, às tantas estava numa conferência com o portentoso âmbito: "Como sair da crise sem GPS". Pelo sim, pelo não, agarrei-me ainda mais ao aparelhinho vital. Mas a conferência prometia tardar e eu decidi sair dali e voltar depois de jantar para ouvir as conclusões. Para que serve o resto?
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Ia de regresso a "Chez moi" quando encontro num cruzamento desnivelado sabem quem? O ministro das finanças de Portugal. Nem mais nem menos. Eu não teria dado por ele se não tivesse ouvido fungar de baixo para cima. Espreitei por mera curiosidade, e vi o homem lá em baixo a apalpar-se nervosamente como quem procura qualquer coisa nos bolsos que ele não tinha porque estava de tanga e toalha ao ombro, com cara afogueada de quem vinha da sauna.
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Tinha ido à abertura da conferência e pirara-se logo de seguida para as amenidades. E perdera o GPS. Melhor dizendo, o GPS evaporara-se porque ninguém perde o GPS naquele labirinto e continua a avançar, a menos que esteja distraído ou com ataque de sonambulismo. Não sendo estas regalias permitidas a um ministro das finanças, forçoso é concluir que o GPS se evaporara. Talvez se tenha evaoprada na sauna, disse eu para o tranquilizar, mas ele não gostou da piada. Vinha da massagem.
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O que é que um cidadão pode fazer se vê o ministro das finanças da sua terra sem GPS num labirinto fatal? Emprestar-lhe o GPS para ele ir até à recepção pedir um duplicado e voltar aqui a "chez moi" devolver-me o guia emprestado. Foi o que eu, patrótica e impensadamente, fiz.
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Já estou aqui há seis horas à espera do ministro, e ele sem chegar. Ter-se-á evaporado o meu GPS????

2 comments:

A Chata said...

Nada mau.
Acordei uma noite destas com um pesadelo horroroso.
Estava numa aldeia grega, toda gente corria de um lado para o outro porque se esperava um ataque aereo de Israel.
Se eu tivesse juízo, não lia mais o Jerusalem Post nem qualquer outro jornal.
Em vez disso, apreciava, apenas, as coisas maravilhosas que o Homem é capaz de produzir.

Apaixonei-me por ela aos 16 anos. Tenho acompanhado o seu crescimento. Ainda tenho esperança que a minha neta a possa visitar já terminada.

http://www.youtube.com/watch?v=HQ_qwyic0II

Rui Fonseca said...

A Sagrada Família, quando estiver construída, terá impregnada nas suas naves a transcendência que presentimos nas catedrais medievais. E também o desprendimento dos que lhe colocaram as primeiras pedras sabendo antecipadamente que, nem eles nem os seus filhos, lhe iriam colocar as últimas.