Friday, January 23, 2009

TENTAMES

A crise encalhou o barco da economia de mercado e trouxe até à praia os destroços da economia planificada. Enquanto uns discutem o modo de safar o capitalismo sem lhe arrombar ainda mais o casco, outros entusiasmam-se com a ideia de reconstruir o socialismo propriamente dito.

No meio deste súbito reacendimento de uma discussão que parecia soterrada nas cinzas, os meus amigos L Machado e D Vieira colocaram-me debaixo do braço quatro textos de Teixeira Ribeiro reunidos em livro publicado em Junho de 1991: "Sobre o Socialismo". Do primeiro texto (Capitalismo e Socialismo em um mundo só), escrito para uma conferência no Instituto de Altos Estudos Militares, em Junho de 1960, ao último (Eficiência da Economia Socialista), uma comunicação à Academia de Ciências de Lisboa em Maio de 1991, há uma evolução do pensamento, e das convicções, de Teixeira Ribeiro que reflectem as dramáticas transformações políticas no mundo, e sobretudo o mundo dominado por sistemas de economia dirigida, e que (entendimento meu) afrouxaram as suas esperanças num sistema que ele viu desmoronar-se.

Teixeira Ribeiro tinha, certamente para além de muitos outros méritos, uma capacidade notável para expor de forma clara o seu pensamento mas até, neste aspecto, a comunicação de Maio de 1991, ressente-se da sua vontade de acreditar no resgate de um barco à deriva sem ele saber bem como poderia operar-se o salvamento.

Dois anos antes, também em comunicação à Academia das Ciências (Essência da economia socialista), Teixeira Ribeiro justificava a admissão de uma economia socialista em regime democrático por contraposição: "... (se) há capitalismo em países de regime democrático e em países de regime autoritário, porque não admitir também que o sistema económico socialista é compatível com diversos regimes políticos, pelo que podemos ter, ambos economias socialistas, um socialismo democrático e um socialismo autoritário?" Entendendo Teixeira Ribeiro por socialismo o mesmo socialismo (enquanto sistema económico caracterizado pela apropriação dos meios de produção pelo Estado em igual grau em ambos os casos, não se confundindo, portanto com a social democracia) em ambiente democrático ou autoritário.

A esta hipótese, nunca confirmada na prática, coloquei as minhas dúvidas em post suscitado também pelo DV aqui . Muito resumidamente, não vejo compatibilidade possível entre um sistema democrático (no sentido ocidental do termo), que por sua natureza concede ao indivíduo liberdade de escolha, com um sistema económico onde a escolha é fundamentalmente dirigida pelo Estado. Em todo o caso trata-se de uma análise de índole política, em campo onde a abordagem científica não é possível todos os argumentos são discutíveis ad infinitum, enquanto não houver prova prática em contrário, e até hoje não houve.
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Entre a conferência de Junho de 89 e a de Maio de 91, caiu o muro de Berlim (Novembro de 89), o PCUS foi colocado na ilegalidade em Agosto de 91, o processo de desintegração da Jugoslávia e o fim do que sobrava experiência autogestionária de Tito ocorreu logo a seguir entre 91 e 92.
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Teixeira Ribeiro na sua comunicação de Maio de 91, ao abordar a questão da "Eficiência da Economia Socialista" procurava provar que, para além de poder o socialismo*realizar-se em sistema democrático (objecto da sua conferência de Maio de 89) também a economia socialista poderia ser tão eficiente quanto a economia capitalista desde que prosseguisse na relação entre os agentes económicos a mesma mecânica de ajustamento por tentames entre a oferta e a procura através do preço, replicando o processo que o mercado gera espontâneamente.
E, argumentava Teixeira Ribeiro, amparando-se na experiência jugoslava à beira da fim, "a economia socialista de mercado não só se concebeu como se realizou".
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Também a experiência autogestionária socumbiria poucos meses depois.
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Esforça-se Teixeira Ribeiro, e outros antes e depois dele, por refutar as teses de Von Mises e Hayek de que a economia socialista, por carecer de racionalidade económica que só o mercado gera, não teria nunca condições para criar a dinâmica que resulta da interacção natural dos comportamentos individuais. E é da (reconhecida) impossibilidade de poder em economia dirigida, "executar satisfatoriamente a sua tarefa de estabelecer em cada momento os preços de equilíbrio das milhentas mercadorias produzidas no país" que nasce a ideia da simulação programada dos mecanismos naturais da economia de mercado.
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Sabemos hoje que essa tentiva também falhou.
(continua)
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* "Entendemos por economia socialista, (...) aquela em que os meios de produção se encontram socialmente apropriados e em que a produção se faz com mira na satisfação das necessidades. Distingue-se da economia capitalista por nesta os meios de produção se encontrarem individualmente apropriados." - Teixeira Ribeiro, "Eficiência da Economia Socialista"

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