Tuesday, January 06, 2009

DECLARAÇÃO INICIAL DO GOVERNADOR DO BANCO DE PORTUGAL NA APRESENTAÇÃO DO BOLETIM ECONÓMICO DE INVERNO (2008)

1. Como habitualmente nesta altura do ano, o Boletim Económico inclui as projecções para a economia portuguesa referentes aos próximos dois anos. Preparadas no contexto do exercício de projecções do Eurosistema que decorreu em Outubro e Novembro,procedeu-se, no entanto, a actualizações de algumas hipóteses e à incorporação de informação mais recente sobre a evolução económica.
As previsões económicas apontam para uma quebra da actividade económica de 0,8 por cento em 2009 e para um crescimento de +0,3 por cento em 2010. São as mais negativas até agora publicadas sobre a economia portuguesa, embora não se conheçam ainda as próximas actualizações a publicar por organismos internacionais. A análise de riscos a que procedemos aponta para possíveis cenários alternativos maioritariamente descendentes. A estimativa para o crescimento em 2008 é também revista em baixa, de 0,5 por cento para apenas 0,3 por cento. Esta alteração decorre de os indicadores parciais já disponíveis apontarem para um desempenho muito negativo da economia no quarto trimestre. Esta circunstância também afecta inevitavelmente a previsão do crescimento médio para 2009.
Todas estas perspectivas negativas ocorrem num contexto de recessão marcada no conjunto dos países desenvolvidos e, possivelmente, no quadro da economia mundial como um todo pela primeira vez em décadas. Na verdade, o actual enquadramento macroeconómico da economia portuguesa é marcado por um quadro de interacção entre uma crise sem precedentes nos mercados financeiros internacionais e uma recessão internacional.
Não obstante as medidas das autoridades a nível global no sentido de reforçar aconfiança e restabelecer o regular funcionamento dos mercados financeiros, permanece uma elevada turbulência nestes mercados, com uma significativa reavaliação em alta do risco por parte dos investidores e uma deterioração da confiança em vários segmentos dos mercados financeiros a nível global. Neste contexto, é de destacar a reduzida liquidez nos mercados monetários interbancários das principais economias avançadas e nos mercados de dívida privada, em particular nos mercados de financiamento por grosso das instituições financeiras.
Uma pequena economia aberta plenamente integrada em termos económicos e financeiros como a economia portuguesa é fortemente afectada por aquele enquadramento macroeconómico. O abrandamento da actividade económica e a redução das perspectivas de crescimento mundial, bem como a elevada incerteza quanto à magnitude e duração da actual fase descendente do ciclo económico, tendem a afectar negativamente a procura externa dirigida às empresas nacionais e as expectativas dos agentes económicos nacionais quanto à evolução futura da procura.
2. Acompanhando a fase recessiva da economia internacional e a descida de preços das matérias-primas, em particular do petróleo, a inflação irá reduzir-se de 2,7 por cento em 2008 para apenas 1 por cento este ano. Esta descida da inflação contribuirá para um aumento médio previsto do rendimento disponível real das famílias em 1,1 por cento. Isto implica, por sua vez, que, apesar da descida da produção, o consumo privado deva ter um crescimento positivo de 0,4 por cento, com o consumo de bens correntes não-duradouros a conhecer uma variação de +1,2 por cento.
A redução já verificada das taxas de juro do crédito ajudará também a suportar as despesas de consumo. Por outro lado, a variação do consumo é afectada negativamente por um incremento da taxa de poupança decorrente da maior incerteza quanto ao futuro e por um aumento do desemprego. Este último constitui o ponto mais negativo da evolução da economia, pelo drama humano que implica, e pela redução do rendimento que origina no segmento da população afectada. As componentes da procura que explicam a queda da produção interna são fundamentalmente o investimento e as exportações. As estimativas mais recentes apontamjá para uma redução do investimento (FBCF) de 0,8 por cento em 2008, após um crescimento de 3,2 por cento em 2007. As previsões para este ano e o próximo apontam para uma contracção do investimento (FBCF) de 1,7 e de 0,3 por cento. Esta evolução traduz essencialmente uma deterioração das perspectivas de evolução da procura nosmercados interno e externo e uma quebra das expectativas dos agentes económicos.
No que respeita às exportações, estas contribuíram já significativamente para o forte abrandamento da actividade económica em 2008. As estimativas actuais apontam para uma taxa de crescimento das exportações em volume de 0,6 por cento em 2008 (contra 7,6 por cento em 2007). As previsões indicam uma queda das exportações em 2009 (-3,6 por cento) e um crescimento de 1,8 por cento em 2010, o que representa uma evolução próxima do indicador de procura externa considerado no enquadramento internacional subjacente à actual projecção. Esta quebra das exportações em 2009 representa a manutenção da tendência já observada no final de 2008 e afecta tanto as exportações de mercadorias como as exportações de turismo e outros serviços.
As necessidades de financiamento externo da economia terão aumentado de 8,2 por cento em 2007 para 9,0 por cento do PIB nominal em 2008. Após a deterioração estimada para 2008, o défice da balança de bens e serviços em percentagem do PIB deverá reduzir-se para 7,0 por cento em 2009, aumentando posteriormente para 7,5 por cento em 2010. Esta evolução está condicionada em parte pela projecção para os termos de troca, os quais incorporam o impacto da evolução do preço do petróleo. Assume-se que este registe uma forte queda em termos médios nos mercados internacionais em 2009, num contexto de redução das perspectivas de crescimento e procura mundiais, e que apresente posteriormente alguma recuperação. Se excluirmos os bens energéticos, o défice da balança de bens e serviços deverá estabilizar entre 2009 e 2010 num nível próximo do estimado para 2008 (3,6 por cento do PIB). Este mesmo défice situava-se em cerca de 8 por cento do PIB em 2000. A sua redução para 3,6 por cento significa um assinalável ajustamento que incluiu a transformação da estrutura produtiva da economia que em termos competitivos promoveu exportações líquidas significativas de bens e serviços. A deterioração da balança total de bens e serviços deve-se à balança energética, o que é agravado na balança corrente total pelo acentuar do défice de pagamento de juros e dividendos ao exterior decorrentes do endividamento externo entretanto acumulado.
Assinale-se que, apesar de o nível de endividamento das empresas e particulares constituir uma fonte de vulnerabilidade, existem alguns factores que atenuam esta avaliação. Por um lado, a tendência de aumento do endividamento das empresas e dos particulares traduziu, em grande medida, a resposta endógena dos agentes económicos ao novo regime em que a economia portuguesa passou a operar com a sua participação na área do euro, caracterizado por taxas de juro mais baixas e menos voláteis. Este factor reflectiu-se, apesar do maior nível de endividamento, numa relativa estabilidade dos juros pagos pelo sector privado não financeiro em percentagem do PIB. É igualmente de referirque tal ocorreu sem que fossem desenvolvidas bolhas especulativas no mercado imobiliário, ao contrário do observado em outros países. Adicionalmente, importa sublinhar a ausência de um segmento sub-prime no crédito à habitação em Portugal. De facto, os resultados do último Inquérito ao Património e Endividamento das Famílias indicam que a participação no mercado de crédito, em particular do crédito para habitação, das famílias de rendimentos mais baixos é bastante limitada e, para as famílias endividadas, o valor da sua riqueza bruta (que inclui o valor da habitação) ultrapassa o das respectivas dívidas com uma margem relativamente confortável.Noutra perspectiva, sublinhe-se que as necessidades de financiamento externo para este ano e o próximo representam um novo e inevitável agravamento do rácio em relação ao PIB do nosso endividamento num sentido lato (Posição de Investimento Internacional).
No curto prazo, conter mais o crescimento do endividamento externo implicaria o agravamento da recessão, que não seria aceitável face aos riscos de desemprego e perda de rendimento que implica. A prioridade da política económica em todos os países consiste agora em tentar minorar uma recessão que se tornou inevitável, mas que há que conter para evitar cenários de depressão e deflação que, felizmente, parecem afastados do horizonte graças à determinação de Governos e Bancos Centrais em adoptar políticas expansionistas.
3. No que concerne às grandes orientações da política económica, considero importante sublinhar os seguintes aspectos:
3.1. Primeiro, no actual contexto de crise financeira a nível global, é absolutamente crucial garantir o funcionamento regular do sistema financeiro. A estabilização do sistema financeiro constitui um pré-requisito para a resolução da crise económica. Para além do abundante fornecimento de liquidez pelos Bancos Centrais, os programas públicos de apoio à recapitalização dos bancos e de garantias ao seu financiamento foram essenciais para garantir a estabilidade financeira, que foi posta perigosamente em risco após a falência do Lehman Brothers.
Sublinhe-se que existe actualmente uma forte interacção entre o risco soberano e o risco dos bancos. Esta interacção reforça a necessidade de assegurar simultaneamente uma situação sustentável das finanças públicas e um reforço do balanço dos bancos. Neste âmbito, vale a pena referir que o financiamento dos bancos no quadro das garantias concedidas pelo Estado tem implícito um custo para os bancos que depende directamente do risco soberano, incorporando também comissões calculadas em função do risco dos próprios bancos. Estas garantias não representam, assim, um subsídio aos bancos.
Finalmente, na actual fase descendente do ciclo económico e de deterioração dos balanços das empresas e das famílias, será de esperar uma desaceleração cíclica do crédito concedido pelo sistema bancário, que importa distinguir de situações de restrição do crédito associadas a dificuldades de balanço dos próprios bancos. Aliás, num contexto recessivo existe uma normal diminuição da procura de crédito por particulares e empresas, não sendo possível distinguir na prática o que na desaceleração do crédito é o resultado da quebra da procura ou das restrições da oferta pelos bancos. Em qualquer caso, é fundamental assegurar a solidez do balanço dos bancos, de modo a garantir o acesso ao crédito dos agentes económicos com estruturas de balanço adequadas e projectos rentáveis.
3.2. A recessão internacional é causada por uma quebra generalizada da procura e não por quaisquer choques reais de oferta. As medidas para combater os riscos recessivos têm assim que se concentrar em produzir efeitos na expansão da procura no mais curto espaço de tempo possível. Não estão agora em causa medidas para melhorar a eficiência da oferta ou o potencial de crescimento da economia, embora fosse ideal compatibilizar tudo.
A política monetária tem dado o seu contributo e deverá continuar a fazê-lo se a inflação ameaçar descer significativamente abaixo de 2 por cento. Na verdade, a definição de estabilidade que adoptamos no Eurosistema aponta para uma inflação «abaixo, mas próximo de 2 por cento». Quaisquer riscos de a inflação se consolidar muito abaixo desse valor devem ser contidos preventivamente com descidas das taxas de juro. No entanto, não podemos esquecer que a eficácia da política monetária, sendo sempre menor para responder a riscos recessivos do que a riscos de inflação alta, está neste momento particularmente limitada nas suas possibilidades de transmissão pela situação de falta de confiança e liquidez em vários segmentos dos mercados monetário e de crédito. Tornou-se, assim, indispensável recorrer em maior escala à política orçamental.

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