Saturday, February 20, 2010

ARRIBARIBATEJO*

Espero que isto ajude a perceber o que eu queria dizer no artigo mencionado no post anterior”
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Lamento
professor, mas a mim não me ajudou nada. Para ser inteiramente franco consigo, até me confundiu. Ainda que esteja convicto que o professor tem razão mas eu não sei por quê. Contando com a sua paciência, a seguir exponho algumas das minhas dúvidas.
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Escreve o professor que
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O crescimento não vem de reformas, vem do trabalho, do investimento, da tecnologia e da inovação. Ponham em cima da mesa um caso de crescimento com base em reformas estruturais e, quando virem que não conseguem, chegarão à mesma conclusão que aqui se expõe.
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Se bem entendo a sua tese (o desenvolvimento precede a reforma, a reforma nunca promove o desenvolvimento) não encontra experiência histórica que a conteste. E aqui saltou a primeira dúvida a um leigo interpelado por um artigo de um especialista em história económica.
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Quem pensa em reforma, pensa em Lutero, em Calvino, em Max Weber, na influência do protestantismo no alvorecer do capitalismo, na atitude exigente social e económica dos europeus do Norte por oposição ao relaxe dos europeus do Sul. Por exemplo.
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(…) é tempo para encontrar a verdadeira solução do problema. Qual é ela, ninguém sozinho sabe. Mas é para a encontrar que pagamos os gabinetes e os funcionários onde estas coisas se discutem e os problemas se encontram.
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Segunda dúvida, e, não lhe escondo, a minha crescente perplexidade.
O professor desconfia da reforma como causa motora do desenvolvimento, se bem o entendi. Logo de seguida, contudo, entrega aos gabinetes e aos funcionários a incumbência de encontrarem as soluções que a situação exige. Mas acha o professor que aos funcionários se pede trabalho, investimento, tecnologia e inovação, para usar as suas palavras, que transcrevi atrás, ou aquilo que eles devem fazer, e a que geralmente se chamam reformas?
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Mais perplexo ainda porque o professor depois de atribuir aos funcionários a responsabilidade de encontrar soluções critica as pessoas, e neste particular aspecto estamos de acordo, por preferirem sempre que as culpas sejam de um governo perto de si.
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Mas é quando procura estabelecer um paralelo entre a inconsequência das reformas estruturais no crescimento económico e na agricultura que a minha perspectiva mais se opõe à sua tese.
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Se você for de esquerda pensará ou pelo menos já pensou, quando isso era importante, que o atraso dos países atrasados vinha da agricultura que não tinha tido uma revolução verde. (…) Nesta equação não há lugar para coisas como excesso de gente na terra, fraca instrução dos trabalhadores, falta de bois ou, muito mais tarde, tractores, ou falta de investigação sobre as qualidades da terra e das sementes, etc. Não, a culpa era dos maus que não deixavam que se fizessem reformas agrárias.
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E se não for de esquerda nem de direita mas pensar que é possível olhar os problemas sem baias nem credos?
Sempre que se fala de reforma agrária em Portugal pensa-se na ocupação das terras alentejanas e a sua devolução alguns anos mais tarde. Se houve reforma, houve contra reforma, e a Sul continuou mais ou menos tudo na mesma.
Dizendo isto não faço uma apreciação crítica mas apenas uma afirmação de facto. Mas já afirmo comprometidamente que, nunca nenhum governo partiu do princípio que para além do Tejo há um Arribaribatejo há muitos, muitos anos, à espera de uma reforma estrutural.
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A actividade agrícola, como qualquer actividade económica para ser competitiva necessita de investimento, competência e dimensão. A transferência dos recursos humanos das actividades agrícolas para os sectores secundário e depois para o terciário, que se acelerou a partir de meados do século passado, era inevitável, mas deixou para trás os mais velhos, os mais mal preparados, os menos capazes, salvo aquelas excepções que confirmam as regras.
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Tinha de ser assim? Ou, voltando ao presente, tem de ser assim?
Não tem. Mas se o desenvolvimento pressupõe investimento, trabalho, inovação, tecnologia, como é que pode acontecer essa conjugação astral ficando a olhar para a lista? A lei da inércia explica que para haver movimento tem de haver uma causa motora. Não será a isso que costuma chamar-se reforma? Revolução, se os meios são mais drásticos?
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Caro professor: Arribatejo está em muitos casos com tantos silvados como no tempo em que o senhor Dom Afonso Henriques veio por aí abaixo com os seus amigos e pessoal abarbatado. E Portugal continua mais dependente do que nunca do fornecimento exterior de bens alimentares. Aliás, é curioso, mas li há dias um resumo de notícia (estou fora e não tenho acesso a algumas notícias na íntegra) acerca da constituição de um stock de reservas alimentares estratégicas. E achei curioso porque há já muito tempo anotei no meu caderno a minha estupefacção com os gastos na defesa (contra que inimigo possível, não sabemos) e o relaxe na ausência de defesas numa frente que nos pode colocar a morrer à míngua como os sitiados no tempo do já referido senhor Dom Afonso Henriques.
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Professor: Temos um Ministério da Agricultura, temos um Instituto Superior de Agronomia, temos muita gente, certamente credenciada, concedo, muito credenciada, que nunca na vida fez nada pela agricultura, Arribatejo. Falo-lhe com conhecimento de causa. A agricultura em Portugal não morreu com a entrada do País no euro. Já estava moribunda há muitos anos, perante a passividade de quem devia e podia ter feito muita coisa. Um jovem que na década de 50 quisesse optar por ser agricultor não tinha, na prática, meios de aprendizagem e estava condenado a fazer o que via fazer, que era o que vinha sendo feito desde a Idade Média. Não exagero, não.
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Depois, anos e anos de corte e recorte, deixaram a propriedade sem dimensão crítica.
Resultado: Há falta de formação, condição imprescindível para o surgimento da inovação, da tecnologia, do investimento, juntou-se a falta de terras com capacidade para atrair os mais jovens. Deu-se a debandada, ficaram os velhos entre as ruínas e as silvas.
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Como é que pode mudar-se se nada for mudado?
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Já agora, e a terminar, para não abusar da sua pachorra, antecipo uma eventual dúvida da sua parte: E temos qualidade de terra que justifique algum empenho, alguma reforma?
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Dou-lhe um exemplo: Não sei se já esteve em Almeria, no Sul do Espanha. Também já não vou lá há alguns anos. Quem sai de Alicante terá de atravessar o deserto de Almeria. As condições vegetativas são tão agrestes que, em grandes extensões, não consegue o turista vislumbrar um ponto verde no solo ressequido. Foi aproveitado há alguns anos atrás para rodar
westerns.
Aproximando-nos da costa, começa-se a vislumbrar, lá em baixo junto ao mar, um mar de
plástico: são os invernaderos, um mar de estufas para culturas hortícolas e frutícolas instalado onde não havia mais nada senão areia e vento, que constituem as âncoras de um cluster com dezenas de outras actividades à volta.
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Aconteceu, por quê? Por milagre, por inspiração divina?
Não acredito. E você, professor?
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* Apontamento redigido para colocar aqui. Tentativa, no entanto, frustrada por o blog de Pedro Lains não estar a consentir comentários.

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