Tuesday, February 10, 2009

UM VERÃO TÓRRIDO - 3

Os números que reflectem as razões do endividamento externo de Portugal, e que transcrevi aqui , são bastante elucidativos das nossas dependências e das nossas fragilidades económicas e financeiras, que sempre implicam fragilidades sociais em geral, e das dificuldades colectivas que esta crise veio potenciar. Dificuldades que, como sempre, atingirão sobretudo os mais desfavorecidos mas não pouparão ninguém porque as vagas das grandes perturbações sociais, quando ocorrem, não deixam ninguém incólume na vizinhança.
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Uma análise a esses números globais, se começar pelo lado positivo, encontra como principal item o saldo das transacções de turismo. Apesar da apetência de muitos portugueses pelas viagens ao estrangeiro, apetência que nos coloca entre os povos que mais turismo fazem fora de portas, o saldo do turismo terá contribuido com cerca de 4,2 mil milhões de euros no lado positivo da balança de pagamentos. Este, seria sem dúvida, um segmento que poderia ajudar a reduzir o défice comercial em 2009 se a conjuntura externa não fosse adversa. Mas é, e, muito provavelmente, a contribuição do turismo para o reequilíbrio das contas externas será menor que no ano transacto.

A seguir ao turismo, é o saldo das transferências da UE/Portugal que dá o segundo maior contributo no lado positivo da balança, com cerca de 2,5 mil milhões de euros, uma contribuição que não será provavelmentre substancialmente alterada em 2009 e é bem significativa da extrema fragilidade da economia portuguesa. E digo que, provavelmente, não será alterada porque a utilização dos fundos comunitários exige a comparticipação nos projectos de um esforço que o orçamento do estado português poderá não comportar. Aliás, tem vindo a observar-se a subutilização dos fundos comunitários não sendo, por isso, muito consistente esta notícia. Se a subutilização que se tem observado não decorre de falta de meios próprio da nossa parte terá de imputar-se à incompetência dos ministros que nos representam em Bruxelas. Qualquer que seja o factor, promete manter-se em 2009.
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O terceiro contributo positivo vem das remessas dos emigrantes, atingindo um saldo (emigrantes-imigrantes) que poderá ter valido quase 2 mil milhões de euros em 2008. Não é previsível que a conjuntura permita um acréscimo de remessas dos emigrantes portugueses; poderá, quanto muito, forçar a redução das remessas dos imigrantes em Portugal.
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Os serviços de transportes são o quarto factor positivo com um saldo positivo que terá atingido 1,3 milhões de euros. A conjuntura fortemente contraccionista só poderá reduzir a contribuição positiva deste item, pelo que o saldo será inferior em 2009.
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As contribuições positivas para a balança de pagamentos provenientes da produção de bens transaccionáveis só aparece a partir do quinto lugar, ocupado pelo sector da madeira, cortiça e papel com 1,2 milhões de euros. O total dos saldos de todos os restantes items (outros bens, outros serviços, calçado, vestuário e tecidos, produtos químicos, outras transferências, tabaco manufacturado) rondará um valor próximo do realizado nos serviços de turismo: aproximadamente 5 mil milhões de euros. Em contexto de depressão económica não é esperável que estes items observem evolução positiva apesar dos estímulos que o sector produtivo de bens e serviços transaccionáveis requer com urgência. Sem eles, o desequilíbrio será ainda maior.
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No outro lado da balança, salientam-se os saldos negativos nas transacções de combustíveis e petróleo (que verão ter atingido os 8 mil milhões de dólares em 2008) e que, poderão reduzir-se significativamente por efeito da redução dos preços do crude. Tal redução poderá, contudo, reincentivar os consumos improdutivos, uma propensão que deveria ser contrariada com medidas desincentivadoras.
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Os saldos negativos nas transacções de electrodomésticos e máquinas industriais, metais, automóveis, que no seu conjunto assumem um valor comparável com os combustíveis contrair-se-ão automaticamente por efeito da crise. Já os saldos negativos nas transacções de peixe, carnes, leite, ovos e mel, plantas hortícolas e brinquedos deveriam merecer o apoio, financeiro e promocional, à produção e ao consumo de produtos portugueses. Mas tudo isto, que deveria ter sido feito há muito tempo antes, corre o risco de ser negligenciado, apesar da crise, em ano com três actos eleitorais.
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Tudo conjugado, a conclusão parece não poder ser diferente desta: A crise apanha Portugal numa situação fora de pé e sem fôlego para chegar à praia. Se não chega uma bóia maior sob a forma de apoios comunitários, a redução de actividade imposta pela crise impõe inexoravelmente o crescimento imparável do desemprego, e das convulsões sociais no meio de um ambiente de confrontação partidária, ameaçando aquecer-nos o Verão ao rubro, e não arrefecerá tão cedo.

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