Sunday, February 01, 2009

CIRCULAR

Mais tarde disseram-me que nasci a meio do Inverno,
mas eu sei que começo numa manhã de Verão,
ia o Sol já alto, e a entrar entre as portadas da janela,
e, então, comecei.

Mas comecei porque estava só,
se não estivesse só, palpita-me que não teria começado.
Teria, talvez, ficado para outra altura, quando estivesse só.
.
(Minto. Estava também a gata,
mas essa nem abriu o olho.
O Sol aquecia-lhe o pêlo preto, castanho, amarelo torrado, nas costas,
branco no peito,
e ela deveria estar a pensar:
que bom!, não vou ter de acordar tão cedo).
.
Instintivamente, rebolei sobre a esquerda
e deitei o pé de fora para medir a profundidade.
Não tinha pé.
Voltei à primeira posição,
a olhar a gata, a perguntar-lhe, se fosse ela, como é que saía dali.
Mas ela dormia como se fosse de peluche.

Que espertalhona me saiu a gata, dizia a Mãe, só come e dorme.
Naquele tempo,os gatos existiam para comer ratos,
por mais nojento que isso possa parecer,
(à gata também parecia nojento,
tanto assim que se alimentava dos pardais que saíam dos palheiros,
em saltos e golpes de rins que o Yachine imitava).

Tentei novamente a descida,
e, desta vez, os pés chegaram ao chão.
Tinha crescido, portanto, entretanto.

Lembro-me bem
que depois andei pela casa à procura de uma saída,
que não havia.

É, então, que passa por mim, de rabo alçado, a gata,
a caminho da gateira,
e a sair por ela com uma facilidade que eu quis imitar,
sem resultado.

Estupor de gata, devo ter pensado,
como é que ela é capaz e eu não?
Dei meia volta e fui pelo corredor até à porta do quintal.
Estava fechada.
Bati-lhe com quanta força tinha, vezes sem conta.
Até que, ainda hoje estou por saber como,
a porta se abriu e a gata entrou a miar,
e, como sempre, de rabo alçado.

E eu saí para o sol,
de macaco aberto à frente e atrás para os casos de emergência.
.
E fui andando, andando, andando,
até que alguém disse para alguém:
Deve estar perdido, o melhor é levá-lo de volta a casa.

Voltei.
E ali fiquei, sentado no rebato.
Impossivelmente, à espera.
Como hoje.

2 comments:

aix said...

Caro Rui, gostei imenso deste texto, de uma beleza e de um simbolismo ímpares.Parabéns. No dia 10 do próximo lá estarei para materializar o abraço que daqui te mando.

Rui Fonseca said...

Obrigado, Francisco.

Lá estarei.

Um abraço