Thursday, November 06, 2008

ACERCA DE PRIORIDADES

"...Todos os anos dependemos do financiamento externo em cerca de 10% da riqueza nacional, obtido em cerca de 60% através do endividamento do sistema bancário no estrangeiro. O endividamento externo do país já ultrapassa o PIB. E os juros que implica, ou seja, os rendimentos saídos de Portugal para os seus credores externos, apresentam uma tendência crescente preocupante ..."
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Eduardo Catroga, A CRISE FINANCEIRA E AS PRIORIDADES ESTRATÉGICAS, in Expresso.
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À economia portuguesa não faltam encruzilhadas e alguns becos sem saída.

O crescimento da dívida externa é um desses caminhos da economia portuguesa por onde parece não haver saída. O endividamento, quando atinge volumes que superam os valores da actividade que financia, auto reproduz-se através dos juros que gera, criando uma espiral imparável que só pode ser contida com medidas duras. A menos que da capacidade instalada se passe a retirar mais rentabilidade e com a poupança interna se consiga amortecer o crescimento da dívida, hipótese altamente improvável em tempos de crise.
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É este constrangimento que está a fazer polarizar a discussão do investimento público à volta dos mega projectos (Aeroporto e TGV), invocando o governo que no próximo ano os encargos assumidos no âmbito desses projectos serão reduzidos, reclamando a oposição que o investimento público se dirija para projectos que promovam o crescimento da produtividade nos sectores de bens transaccionáveis, factor incontornável do crescimento económico, e se adiem ou cancelem os grandes projectos.
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Inquestionavelmente, foi a crise que introduziu a questão da dívida externa na discussão pública do mérito do aeroporto e do TGV, uma vez que ainda há bem pouco tempo a discussão se centrava renhidamente, no caso do aeroporto, à sua localização na Ota ou em Alcochete, e, no caso do TGV, no seu traçado.
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Independentemente de qualquer julgamento acerca do mérito económico destes dois mega projectos, que eu não estou habilitado a fazer, há uma regra que em abstracto é universalmente válida: é o mérito económico dos projectos que conta e não a possibilidade do seu financiamento;
havendo mérito, haverá seguramente financiamento. Aliás, o ministro das obras públicas assegurava, ainda há bem pouco tempo, que os mega projectos requeriam uma comparticipação reduzida do OE por haver iniciativa privada interessada na sua realização e exploração. Levantou vôo para outras paragens a iniciativa privada a que o ministro se referia por causa dos vendavais da crise ou, realmente, carecem os tais megaprojectos de interesse que lhes garanta rentabilidade interessante?
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Parece-me, portanto, que a discussão actual tem muito mais incidências de luta política partidária do que de análise do interesse económico dos investimentos em causa, e, sobretudo da sua capacidade para remunerar os capitais que a sua execução requere.
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Ora tem sido esta falta sistemática de teste em prova ácida da capacidade dos investimentos justificarem os capitais investidos, garantindo ou promovendo a garantia da remuneração do "cluster" em que se inserem, que esteve, e continua a estar, na origem do crescente endividamento externo. E não foram a penas os investimentos públicos mais disparatados, de que os estádios para o euro/2004 são porventura o exemplo mais flagrante de irracionalidade económica, que contribuiram para a situação actual. A dependência da economia portuguesa da construção civil teve, e continua a ter, efeitos alucinogénos que ninguém parece saber como conter. Grande parte do endividamento externo (e a CGD tem dado mau exemplo) canalizado pelos bancos dirigiu-se para o financiamento da construção de habitações que já excedem largamente o número de famílias residentes (cerca de 3o%). É por demais evidente, que não podem ter estes investimentos rentabilidade bastante que assegure um fluxo de reembolsos pelo menos idêntico aos valores tomados de empréstimo para o financiamento de mais construção e refinanciamento de empréstimos anteriores.
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Verdade seja que a economia portuguesa está longe de constituir um caso singular de dependência do betão armado. A crise com que o mundo depara actualmente decorre em grande parte desse excesso não suportado por poupança interna.
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Contudo, voltando ainda aos mega projectos, não creio que o endividamento externo de residentes em Portugal (famílias, empresas, estado) comprometa o financiamento externo desses projectos. Afinal, se eu tiver um projecto de mérito económico A+++, ao financiador é indiferente que ele seja realizado em Portugal (endividado) ou na China (poupada).
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Consequentemente, e pelas mesmas razões, a canalização dos recursos para investimentos privados só não comprometerá ainda mais a nossa dependência externa se tiverem mérito para, pelo menos, remunerarem os capitais investidos. Com a propensão nacional para a construção civil receio bem que continuemos, sobretudo, a construir mais casas. Talvez porque nos falte capacidade para fazer outras coisas. E aí, sim , reside o nosso problema.

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