António Borges, disse numa entrevista recente que a redução do salários é uma urgência.
Imediatamente, a esquerda criticou as declarações vergonhosas de Borges sobre a salários e exigiu uma posição do Governo sobre o assunto. Nuno Magalhães, do CDS-PP, diz que o silêncio é de ouro sobretudo em momento de dificuldade. Não sabemos o que pensa o PSD acerca da questão mas é bem possível que guarde como Magalhães o prudente silêncio.
Em conclusão: as declarações de Borges foram políticamente desastradas. E em termos económicos?
O que diz Ferreira do Amaral, o guru do momento da esquerda em Portugal, o homem que previu o desastre da adesão de Portugal ao euro e que agora, coerentemente, recomenda a saída dele?, embora não saiba como nem tenha ainda pensado nisso? Ferreira do Amaral tem sido citado centenas, talvez milhares de vezes, e escutado por milhões nestes últimos tempos. E muita gente lhe louva a clarividência premonitória, a ousadia da proposta do caminho a seguir.
E, no entanto, por muito que esta conclusão possa ser chocante para quem abomina um e venera outro, Borges e Amaral dizem o mesmo. E isto por uma razão linear: a saída do euro, implicaria, inevitavelmente, a redução dos salários reais. Aliás, é esse o móbil principal de uma eventual saída do euro: depreciar a moeda interna de modo a ganhar competitividade monetária nas exportações e, implicitamente, tornar internamente mais caros os produtos importados.
O que não é novidade nenhuma. Borges disse o que outros vêm dizendo, de um modo ou de outro, há muito tempo. Há seis anos, numa conferência do Banco de Portugal, Olivier Blanchard, o respeitado economista-chefe do FMI, avisou a plateia do auditório da Gulbenkian, com muita gente respeitável deste país nas primeiras filas, que não abriu a boca no fim da exposição de Blanchard mas depois derramou ácidas críticas no corredor, que os salários em Portugal estavam a crescer acima do crescimento da produtividade e que esse caminho teria de ser invertido.
Mais recentemente, Vítor Bento disse, explicou, escreveu, que, das duas, uma: ou havia uma redução geral e abrupta dos salários para toda a gente (hipótese socialmente mais justa) ou a redução acabaria por acontecer, de forma mais lenta, em consequência do crescimento do desemprego, atingindo primeiramente e de uma forma mais dura os mais desprotegidos (hipótese socialmente mais injusta).
O governo escolheu, por razões de execução expedita, a redução dos salários dos funcionários públicos e a redução das pensões dos reformados da segurança social. Foi injusto em larga medida com os funcionários públicos e despótico no confisco das pensões, e apenas atingirá, se atingir, o objectivo da redução do défice. Agora tem a troica à perna: segundo notícia que ouvi na rádio esta manhã, os troicos insistem em mais flexibilidade das leis laborais e que as negociações salariais passem a ser feitas individualmente por cada empresa.
Dr. Jekyll and Mr Hyde, Borges do Amaral na versão portuguesa, anda por aí.
7 comments:
Excelente, caro Rui. Como (quase) sempre!
Já agora, digo mais alguma coisa. A imagem está perfeita. No entanto, e dizendo o mesmo por palavras diferentes, um é um troglodita ultra-liberal e outro um ilustre pensador e "grande" economista, referência de muita esquerda socialista.
De facto, eu gostava de saber como é que Amaral explica que não haverá uma brutal baixa de poder de compra e, assim, um corte nos salários reais com a saída do euro e a consequente desvalorização. Lamentavelmente, ainda não ouvi um defensor da saída do euro, quando fala em público, a salientar essa questão. Todos a escondem.
Quanto a mim, já muitas vezes o referi, nomeadamente no Blog Quarta República, não defendo um corte generalizado nos salários, já houve e bastou. Essa é a forma mais simples de "resolver" aparentemente a questão da produtividade, ou, mais correctamente, de não a resolver. Outras políticas são precisas e tenho apontado algumas.
Concluindo: estar no euro pode não implicar corte nos salários; sair do euro, implicará, com toda a certeza. No entanto, alguns escolhem o mal maior.
Abraço
Continua a ser muito dificil para mim entender o corte de salários com a maior competitividade das nossas empresas. Se no nosso País a média dos salários médios rondam os 900 euros, se o salário minimo é dos mais baixos dos paises europeus e se ainda 32 % dos salários pagos pelas empresas está neste limite ou abaixo dele, como é possivel não sermos dos paises mais competitivos? Quem percebe de economia deveria então contar o resto, e dizer quais são os outros factores que contribuem para a competitividade das empresas e que se encontram em falta no nosso país. Porque é que para o mesmo sector industrial na Alemanha com salarios maiores as empresas são competitivas e cá não o são?
Isto tudo para poder entender e aceitar esta austeridade, pois é muito dificil estar todos os dias a receber noticias de mais impostos, mais restrições, menos direitos sem perceber como eles vão resolver a crise. Isto tudo porque a confiança nos politicos é cada vez menos e naqueles que ainda por cima são tecnicos credenciados como o Ministro das Finanças que apresenta os resultados da execução orçamental com erros tremendos pior ainda. Se errou intencionalmente para manipular as contas e apresentar um quadro menos mau, perde a credibilidade como tecnico, se errou porque não soube fazer as contas então estamos muito mal, porque o resto pode também não estar nada bem!
"Porque é que para o mesmo sector industrial na Alemanha com salarios maiores as empresas são competitivas e cá não o são?"
Quando diz para o mesmo sector não sei a que sectores se refere. No caso do sector automóvel a Auto Europa (alemã, como sabe) é tão produtiva como a maior parte das suas congéneres do mesmo grupo.
Evidentemente que a competitividade não depende (nem deveria depender) no nível de salários. Há outros factores muito mais importantes.
Mas entre o dever e o ser há por vezes, e essas vezes são muitas, situações em que o nível dos salários é decisivo. Veja por exemplo o caso das confecções ( e de todos os sectores de baixa tecnologia em geral)
Com quem competem?
Com os países com baixos salários.
Podemos dispensar este sectores e subir na escala da inovação e do valor acrescentado? Podemos e devemos.
Mas, entretanto, como resolvemos o problema de 30% da população em idade activa que está desempregada ou com o emprego ameaçado por falta de capacidade para fazer outras coisas mais bem remuneradas? Incluindo os pequenos e micro empresários que faliram ou estão em vias disso?
E como vão conseguir emprego os desempregados da construção civil e obras públicas, uma actividade que não vai regressar aos níveis recentes tão cedo?
Quem souber como é que isto se resolve sem dor que o diga. Até agora só se têm ouvido propostas vagas e indiscutíveis: "são necessárias medidas para o crescimento e o emprego"
Evidentemente. Mas quais?
Amigo António,
Obrigado pelo teu comentário.
É sempre com enorme satisfação que vejo neste caderno anotada a tua opinião.
Nem sempre concordamos é certo, mas é também por isso mesmo que existimos. Para ir além das nossas convicções.
Dizes que "estar no euro pode não implicar corte nos salários"
Parece-me difícil a partir do momento em que perdemos competitividade em sectores com peso relativo importante porque os salários cresceram acima da produtividade.
Referes que já houve cortes e esses e esses bastam.
O problema é que houve e continua a haver. O desemprego é indutor da redução real dos salários. Enquanto houver desemprego em níveis elevados os salários reais caem.
Não caem é generalizadamente. Afectam sobretudo os mais desprotegidos (sectores de baixa tecnologia), aqueles que estão pela primeira vez à procura de emprego e aceitam o que lhe oferecem para trabalhar,os desempregados, do mesmo modo, e, evidentemente, aqueles que estão sujeitos às regras discricionárias a que o governo lança mão.
Uma descida global dos salários seria (está demonstrado) socialmente mais justa, e mais eficiente porque induziria uma recuperação mais rápida.
Salvo melhor opinião.
Oh Rui, aí é que eu não concordo. Está demonstrado, por quem? E quem demonstrou não tomou por pressupostos apenas aqueles que levavam à demonstração?
Também não concordo que uma descida geral de salários seria socialmente mais justa. Porquê? Seria o mesmo que dizer que seria socialmente mais justo que a mesma doença atingisse todos ao mesmo tempo. Oh, Rui!...
Caro António,
Está muito bem explicado no "Perceber a crise para encontrar o caminho".
Aliás, está a acontecer como previsto: os salários estão a baixar em consequência dos níveis de desemprego. Quem perde o emprego se encontra outro é a um nível de salário mais baixo; quem procura emprego aceita o que lhe
aparece ao salário que lhe oferecem.
O ajustamento está a ocorrer vitimando primeiro os que estão mais desprotegidos e os que foram atingidos pelas medidas discricionárias do governo.
Por que é que só os pensionistas da segurança social têm de contribuir para pagar os custos da crise? A pensão é calculada numa base anual e, por decisão unilateral do governo de então, dividiram esse valor por 14 prestações. A duas dessas prestações chamaram "subsídio de férias", a reformados, imagina! e a outra subsídio de Natal!
Não são subsídios, são prestações da pensão anual! Mas não se pode fazer nada. A Constituição está suspensa.
Quanto á redução der salários, como disse, ela está em curso e vai continuar. Leva mais tempo e atinge os que estão em situação mais vulnerável. Lamentavelmente, a demonstração está aí bem patente na evolução observada. A prática está a confirmar a teoria.
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