Thursday, March 15, 2012

JOGO PARA LAMENTAR

O caso BPN (e não só, mas também o BPP, e etc.,) deveria merecer da opinião pública uma reacção de indignação susceptível de mobilizar os partidos políticos para o esclarecimento de um escândalo (de vários escândalos) que atirou (e continua a atirar) um fardo insuportável para cima dos contribuintes portugueses.
E, no entanto, as manifestações convocadas pelos partidos ditos de esquerda esgrimem no vácuo por razões provavelmente respeitáveis mas que não reclamam que seja feita a justiça que falta fazer: julgar os culpados e resgatar, se não a totalidade, pelo menos uma parte do roubo que temos de pagar sobre a forma de impostos, quaisquer que sejam os eufemismos usados para as diferentes formas de espoliação a que estamos sujeitos. 

Viveram muitos portugueses acima das suas possibilidades? Viveram. Como os salários eram curtos,  as seduções muitas, e o crédito bom e barato, compensaram-se com dívidas o que faltava nos salários. A propósito é escandaloso que essa prática bancária continue a ser generalizadamente consentida. Veja-se, por exemplo, aqui:  Crédito Vantagem Ordenado - TAEG 18,0%
Acesso a antecipação de 100% do ordenado ou reforma/pensão, de valor igual ou superior a 500 EUR/mês, domiciliado no primeiro dia de cada mês: 6,67 EUR de pagamento de juros a que acresce 0,27 EUR de Imposto do Selo (4%) por utilização de um descoberto de 500 EUR por um período de 30 dias (TAN 16,000%; TAEG 18,0%). Montante total imputado ao Cliente de 506,94 EUR. Sujeito a decisão de crédito.
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Foram feitos investimentos públicos sem retorno plausível para arregalar o olho aos eleitores? Demais. Com isso ganharam os banqueiros milhares de milhões que todos os anos por esta altura do ano costumavam estrelejar nos ares como foguetes em noite de São João.

O BPN é um caso diferente? O BPP? Sem dúvida, se contarmos com o que, por agora, é visível. O tamanho da burla é tanto que, só por si, e pelo que já se julga saber, equivalerá ao preço de três  ou quatro autoestradas que se construiram a mais. Mas, pelo menos, mesmo que elas sejam do lá vai um, alguma coisa se vê. Do BPN os cinco milhões (ou serão seis ou sete mil milhões?) esfumou-se tudo? Como? Não sabemos. A nós, contribuintes, só nos dão ordem de pagamento sob pena de excução fiscal se ele não for feito.

E não acontece nada.

Há quinze dias o PS, com o apoio do PCP e do BE quis que na AR fosse aberto inquérito parlamentar (outro) ao caso BPN. A maioria, de forma antidemocrática, rejeitou. Agora, numa jogada visivelmente de política rasteira, apresenta uma proposta com (quase) idênticos propósitos. E digo quase, porque no âmbito e na oportunidade são diferentes (antes e/ou depois da nacionalização, antes ou depois de consumada a venda do mostrengo ao BIC). Diferenças que bem poderiam ser, democraticamente supridas, se houvesse boa fé dos grupos parlamentares decisivos na matéria. Não quiseram assim, agora compete à presidente da AR decidir que proposta vai a votação.Chama-se a isto chicana política. Se o não fosse, se o objectivo fundamental fosse o esclarecimento cabal dos portugueses daquilo que lhes continua a ser omitido, esta guerrilha, que é uma falta de respeito pelos eleitores, não teria sequer começado.

Seja como for, vai haver finalmente clarificação do mostrengo,  responsabilização pelos seus criadores, e devolução dos que se apropriaram do saque? Não. Depois de muitos discursos e acusações mútuas, vai a votos e ganha o que pensa maioria.

Entretanto, a justiça que não temos, porque se tivéssemos estas cenas lamentáveis seriam escusadas, continuará a dormir o sono dos coniventes.
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A propósito: William White: "É surpreendente que tão poucos banqueiros tenham ido parar à prisão"
                  - Reacção da Goldman Sachs às declarações de um dissidente

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Act. - Presidente da Assembleia da República ameaçou demitir-se por causa do inquérito ao BPN.
A partir daqui, o que é que se espera que não fosse já esperado?

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