- Tsípras ??? ... Aléxis Tsípras !!!??? ... Como? ... e a que propósito ... entraste no meu quarto ... ? ... às ... às .... às quatro da manhã? ... rua! ... rua! ... rua!... rua, ou ligo imediatamente à recepção do hotel!
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(Christine Lagarde teve um dia arrasador mesmo para uma mulher de aço. As reuniões com os gregos são esgotantes, as intervenções de Varoufakis sufocantes. Nos últimos dias, Christine cede às recomendações da sua amiga Brigitte e toma o xanax que ela lhe dá. Varoufakis não sabe mas ele é o único tipo que até agora teve o condão de a levar a um nível de tensão que lhe retira o sono. Se pudesse esbofeteava-o em público. É insinuante e insolente, arrogantemente melífluo, um convencido imaturo. Resumidamente, um cretino.
São duas da manhã, o xanax demora a produzir efeito, enquanto a droga não lhe entorpece a mente, Christine rememora o que disse, o que não disse, mas sobretudo o que não devia ter dito durante as infindáveis reuniões daquele dia e o que irá dizer na reunião marcada para dentro de seis horas. E, outra vez, sempre, o avantesma, Varoufakis. Boceja, Oh! Yanis, Yanis, volta-se pela enésima vez na cama, alonga-se entre os lençois, e abraça a cabeceira.
Acorda duas horas depois, sobressaltada pelo restolhar dos cortinados, acende a luz, e o seu espanto não tem medida. Alguém entrou no quarto, um homem entrou pela janela que ela deixara aberta para se libertar do sufoco carregado durante as reuniões do dia. É Tsipras, o estupor do Aléxis Tsípras, armado em valet: calça e sapatos pretos, colete preto sobre camisa branca, uma gravata vermelha, vermelho vivo, ao pescoço. Na mão direita um spray de tinta, destes que os árbitros de futebol usam para marcar distâncias no futebol, uma toalha branca no braço esquerdo. Indiferente ao espanto de Christine, Tsípras marca uma linha vermelha ao longo da cama, a meio metro de distância, e perfila-se, mudo e quedo, atrás dessa linha)
- Que é isto? A que propósito? O que é que pretendes Aléxis??? ... Ouves-me? ... Aléxis, o que é que pretendes de mim?
(A exaltação inicial de Christine esbate-se na mudez e na imobilidade do intruso)
- Ah! Ah! Ah! Pretendes, por acaso, acusar-me de violação a um criado de hotel? Sabes bem que esse é um argumento que raramente funciona ao contrário. E os franceses não sairam todos do mesmo molde. O Dominique será um libertino impenitente com um nome andrógeno, eu não sou, nem nunca fui, mulher de fúrias libidinosas ocasionais. Sou pérfida, dizem vocês, mas enganam-se. Sou sensível. A Ângela, essa sim, é pérfida. E aquela outra garota, como é que ela se chama?, a portuguesa? Pérfidas e libidinosas, não se nota porque vocês não lhe ouvem as conversas. Se os homens ouvissem o que dizem as mulheres entre si ... nem todas, bem entendido. Em França temos mais fama mas menos proveito, garanto-te.
O turbilhão grego atormenta-me profundamente porque não sei como possa amainá-lo. Acusam-me de contradições nos meus discursos, e não posso deixar de reconhecer que entre aquilo que penso e aquilo que as minhas funções me obrigam a fazer vai a distância que me dilacera. Bom, reconheço que gostaria muito de ver renovado o meu mandato e essa renovação só é possível com os votos de muitos, de quase todos, os membros do FMI. Lamento recordar-te, Aléxis, mas a Grécia está quase só. Contas, do teu lado, com quem? Com Putin? Ah! Ah! Ah! Putin prefere, por agora, que os problemas gregos contribuam para a destruição das instituições europeias. Dar-te-á um caramelo, só te dará um caramelo, e a tua sede aumenta ....
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(Christine faz uma pausa, e olha fixamente para Aléxis, imóvel, mudo, os olhos imóveis nos olhos dela)
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... - Agora que olho mais detidamente para ti, Aléxis, reparo que não és desengraçado de todo, sabes? Não, não vou dizer que és um tipo sexy. O Yanis é sexy, reconheço. É um estupor mas é um homem interessante. Melhor dizendo, é um estupor com certo interesse, de homem terá o que uma mulher vulgar precisa, não mais que isso. Tu tens cabeça, e essa trunfa rebelde atiça, estou certa disso, o interesse feminino mais exigente, aquele que vai além das bolsas de testosterona. Chega-te cá! Vá lá, chega-te aqui mais perto. Passa essa linha vermelha que traçaste e eu juro-te que não chamo a polícia.
(Aléxis, não mexe, sequer, um músculo da cara)
Dizem-me que já te decidiste a roer a corda e mandar os credores às urtigas. Tens ideia, Aléxis, uma pequena ideia que seja, do sarilho em que te metes se saltas do euro sem para-quedas? És doido?
Amanhã é sábado, terça-feira o dead line. Se não há acordo amanhã, o mais tardar domingo, como é que governas sem euros nem dracmas? Ou já tens rotativas clandestinas a trabalhar ou a Grécia é uma bagunça sem rei nem roque à espera que os militares ponham tudo em sentido. Estás acordado ou a dormir em pé?
(Tsipras lembra uma estátua grega antiga, o movimento suspenso, vestida a preto e branco e um toque encarnado. Christine faz nova pausa no discurso, e para o olhar no olhar dele)
- Afinal, o que vieste cá fazer, monstro? Chegas de lata na mão e toalha no braço, traças uma linha a vermelho, e não soltas sequer um grunhido por quê? Chega cá, dá-me a tua mão, só a mão, ou nem a mão pode passar essa estúpida linha vermelha? Bom, se a montanha não vai a Maomé ... vai Maomé à montanha. Se não te mexes, levanto-me eu. Upa!
(Christine tenta levantar-se e agarrar Tsipras mas só consegue chegar-lhe à gravata)
- A gravata já cá canta. Esta noite dormimos juntos.