Sunday, October 26, 2008

OBRAR

A discussão do OE parece vir a centrar-se à volta das grandes obras públicas e do papel do investimento do Estado na suavização dos efeitos da crise. O governo continua a afirmar o não adiamento das obras emblemáticas com que quer deixar a sua imagem de marca na história (o aeroporto e o TGV); a oposição, nomeadamente a oposição à sua direita, classifica de irresponsável a persistência do governo e contrapõe aos investimentos megalómanos do governo a sustentação do tecido económico com o apoio do Estado às PME.
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É claríssimo que a discussão ficará pela rama porque nem a oposição nem o governo nos explicam como é que as suas propostas são concretizáveis numa conjuntura de depressão, crédito escasso e um elevado endividamento. E não explicam porque, evidentemente, não sabem. O governo, porque sabe que não tem fôlego financeiro para arrancar com o seu ambicioso programa, diz-se decidido, nesta como em outras situações, mas ficar-se-á pelos preâmbulos que satisfarão alguns consultores nestes tempos mais próximos, que podem medir-se em anos. A oposição porque reclama uma medida importante e inadiável, o pagamento das dívidas vencidas a fornecedores, que poderá evitar maiores e irremediáveis rupturas no tecido social, mas que não tem virtualidade bastante, e muito menos em tempos de crise, para relançar muitas actividades económicas há muito tempo já em fase de declínio por falta de competitividade qualitativa.
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A economia portuguesa é, desde há muito, uma economia drogada, excessivamente dependente da construção civil e das obras públicas. Durante muitos anos interiorizou-se, ou fez-se de conta, que a economia poderia sustentar-se, indefenidamente, construindo. Esta panaceia, que agradava a construtores, autarcas, governo central, bancos, etc., não poderia eternizar-se e a crise veio antecipar-lhe o fim. Construiu-se para além do razoável, deslocalizando para a construção recursos que deveriam ter sido aplicados em actividades de reprodutividade sustentável. Coleccionámos casas e rotundas, viadutos e auto estradas, muito para além das necessidades, e sobretudo dos recursos, do país. E continua-se. Entre o nó de Ranholas (Sintra) e a A5 no nó de Alcabideche (Lisboa-Cascais) arrancou há muito pouco tempo um troço de autoestrada (meia dúzia de quilómetros) que compreende em grande parte do seu traçado um conjunto complexo de viadutos que seria escusado se fosse alargada a EN 9 que corre paralela. É só um exemplo entre muitos.
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O problema grave é que, drogada a economia em obras, ninguém sabe como é que se pode proceder à desintoxicação, e muito menos quando a crise ameaça arrombar ainda mais algumas actividades produtivas sustentáveis. Daí o confronto governo-oposição com simulações e não com verdadeiro combate político à crise anunciada.
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Nada que não fosse esperável. A minimização dos estragos passaria por um esforço conjunto em que ninguém parece querer participar: o governo, porque espera que a crise internacional lhe justifique todos os desaires e aposta em nova maioria absoluta; a oposição, porque lhe falta a ousadia consistente de uma liderança capaz de enfrentar a ousadia, muito mais verbal do que concreta, do governo.

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