Saturday, October 25, 2008

HU JIA

Agora que o liberalismo voltou a acreditar que, em caso de emergência, há que puxar o sinal de alarme e encostar-se ao Estado, a história está longe do fim e, para alguns, talvez cada vez mais, é tempo de repescar alguns capítulos subitamente interrompidos há décadas atrás.
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O meu Amigo DV está convicto que, assim como o capitalismo convive ou conviveu com democracias e ditaduras também o socialismo (marxista) * pode realizar-se em meio democrático ou totalitário.
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Há neste desejo do meu Amigo uma intenção plausível: não tendo até hoje o socialismo (marxista) coabitado com a democracia (burguesa, para os marxistas) a possibilidade de isso vir a acontecer redimiria o socialismo (marxista) da mais grave das suas inibições: a liberdade de expressão.
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Ora, contrariamente ao capitalismo, que é uma forma de relacionamento dos indivíduos, enquanto agentes económicos, na sociedade, o socialismo (marxista) situa-se num plano diferente: o da organização política da sociedade, incluindo a organização das relações económicas entre os indivíduos. O capitalismo comanda-se expontaneamente (mão invisível) enquanto o socialismo (marxista) é expressão da mão visível comandada de forma pretensamente científica.
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Está provado empiricamente que nem a mão invisível é suficientemente dotada para manter em equilíbrio permanente o crescimento económico e social em sistema capitalista nem a mão científica capaz de governar com sucesso relativo a multicomplexidade das relações económicas nas sociedades onde foi experimentado. Mas também está provado que a economia de mercado, se instalada em regime totalitário, acabará, mais tarde ou mais cedo, por fazer evoluir o sistema totalitário envolvente para a democracia.
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A questão colocada pelo Amigo DV refere-se à viabilidade da gestão pela mão visível das relações sociais e económicas em ambiente de democrático, onde a liberdade de expressão é um valor pilar. Na minha opinião, não.
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E, não, porque a mão visível, contrariamente à mão invisível, só é actuante se tiver poder discricionário absoluto sobre os meios de produção com abolição da propriedade privada. Ora este poder absoluto é irremediavelmente incompatível com a liberdade de expressão, que o minaria mais tarde ou mais cedo.
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A experiência em vias-de-se-saber-o-que-vai-acontecer na China procura compatibilizar um regime híbrido, invocadamente comunista com largas e crescentes cedências à economia de mercado, em meio politicamente totalitário (democrático na perspectiva dos dirigentes chineses), defendendo alguns teóricos de ciência política que essa possibilidade existe por que se suporta numa idiossincrasia de um povo imbuido durante milénios numa perspectiva confucionista, difícil de ser apercebida pelos ocidentais.
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Pode ser. Mas a atribuição pela União Europeia do prémio Sakharov, a mais alta distinção atribuida pela UE aos defensores dos direitos humanos, ao dissidente Hu Jia , de 35 anos, prova inequivocamente que quando falamos de liberdade, e portanto de democracia, na Europa e na China, falamos de coisas muito diferentes.
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Refiro socialismo (marxista) e excluo o socialismo democrático e a social democracia que têm, para a questão em análise, contornos completamente diferentes.

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