"Em terra de cegos, quem tem olho compra e vende"
(Ditado português actual)
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O caderno Emprego do Expresso de Sábado passado publica o depoimento de quatro gestores de empresas de selecção e recrutamento de recursos humanos acerca das razões que levam muitos portugueses qualificados a emigrarem e das consequências para o desenvolvimento do país decorrentes dessa emigração. E as opiniões expressas não são unânimes:
Para Mário Costa, presidente do grupo Select/Vedior, estaremos perante um falso problema: "despender somas astronómicas em "choques tecnológicos" e "novas oportunidades", como vem sucedendo, é uma inutilidade e um erro estratégico.(...) Nunca fomos, não somos e, atendendo à nossa idiossincracia, jamais seremos um país com capacidade para competir na área da ciência e da investigação científica" (...) Apostemos no turismo, na agricultura de qualidade, na preservação dos recursos naturais, na promoção e exportação dos nossos produtos de excelência, e noutras áreas para as quais temos especial aptidão e capacidade"(...)
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Para Mário Costa, e não só, há muita gente a pensar da mesma maneira, a questão da emigração portuguesa qualificada não é grave para o desenvolvimento do país porque o país, por razões idiossincráticas, não precisa deles. Trocado por miúdos, a raça portuguesa ( Mário Costa chama-lhe idiossincracia mas a sua abordagem é, indubitavelmente, racista) é anti-ciência, há uns quantos que degeneram, o melhor mesmo é que emigrem para outras paragens. O que Mário Costa não explica é como é que se atinge a agricultura de qualidade, a exportação de produtos de excelência, a preservação dos recursos naturais, sem recurso à ciência e à técnica.
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A empresa de Mário Costa, para além de um anúncio promocional de página inteira, insere apenas dois anúncios de recrutamento no caderno Emprego do Expresso: Um para "Especialista Financeiro" outro para "Técnico de Métodos Quantitativos". A julgar pela amostra, Mário Costa deve sentir-se apoiado nas suas opiniões pelos resultados da empresa que gere.
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Para Amândio Fonseca, presidente do grupo Egor, estaremos perante uma "hemorragia suicida dos nossos activos mais valiosos":
"O êxodo de profissionais qualificados para os países desenvolvidos constitui um flagelo mundial que contribui para perpetuar as situações de subdesenvolvimento dos países economicamente mais débeis e que proporciona aos países receptores dessas correntes migratórias um significativo "gain brain". Em estatísticas relativamente recentes do Banco Mundial, Portugal ocupava o 1º. lugar, na Europa dos 15, entre os países exportadores de mão de obra qualificada, com 1 em cada 5 portugueses, com formação universitária e técnica, a trabalharem fora do país e o 21º. a nível mundial entre países com mais de 5 milhões de habitantes. Como sempre acontece enquanto uns perdem outros ganham. No caso vertente, os beneficiários do "gain brain" são países como a Austrália, o Canadá, a Alemanha ou os Estados Unidos da América que absorvem uma larga maioria de cientistas, informáticos e técnicos altamente especializados de todos os sectores que, na fase mais produtiva da sua vida profissional, abandonam o país natal e que no regresso - quando regressam - têm dificuldade em adaptar-se à realidade. (...) Com uma diáspora que abrange 20% dos portugueses mais habilitados e que desfalca as organizações dos talentos indispensáveis para o seu desenvolvimento é urgente que, à semelhança da Irlanda, o país adopte um modelo exigente de desenvolvimento, apoiado em investimentos estruturais e dinamize o empreendorismo empresarial qualificado.(...)
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A Egor publica no Emprego Expresso quatro anúncios de recrutamento: Gestor de Clientes, Responsável Comercial, Delegados Comerciais, Gestores Comerciais/desporto. Apesar das convicções de Amândio Fonseca acerca da necessidade de o país mudar de vida, os resultados, pela amostra, tendem a apoiar a opinião do seu concorrente da Vedior: Portugal não é um país para cientistas.
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Para Rémy Cazalet, da Michael Page International Portugal, o nosso país será demasiado pequeno para o número de indivíduos com vocação para a qualificação, científica ou outra, que erraram o sítio onde deviam nascer. A emigração portuguesa qualificada só poderá ser estancada se Portugal se tornar num "país atractivo para centros de desenvolvimento e de produção, através de incentivos fiscais ou por melhoria de infraestruturas", mas não diz quais são. A Michael Page publica 7 anúncios para recrutamento de: Gestor de Projecto (com formação académica relevante), Programador JAVA, Consultor de Supplay Chain (Economia, gestão ou Logística), Comprador (formação académica superior), Responsável de Mercados Externos, Supervisor de Vendas canal HORECA, Técnico Comercial, Responsável de Assistência Técnica (Engenheiro Mecânico), Controller, Chief Accountant, Accounting Manager.
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Para Ana Loya, da Ray Human Capital, "por cá temos um contingente de cérebros. O sistema de valores - aquilo que realmente pauta a nossa vida - determinará se arriscamos por cá ou se saímos. Dizia-se que "em terra de cegos quam tem olho é rei", mas creio que já não se aplica da mesma forma. Dado que a inteligência se distribui segundo uma curva normal, independentemente do desvio padrão teremos, proporcionalmente tantos cérebros como outros países. São as oportunidades que não se distribuem da mesma maneira e continuamos a carecer de iniciativas nque absorvam o que temos para dar". Este depoimento não difere substancialmente do anterior: Nasce por cá gente a mais com vocação cientista para as necessidades do país. A Ray coloca quatro anúncios: Analista de Corporate Finance, Consultor Comercial, Consultores em Tecnologias de Informação (licenciatura em engenharia informática e/ou afins), Gestor Comercial, Flight Services Coordinator, Operador Ensaios não Destrutivos e Inspectores de Reservatórios pressurizados e atmosféricos, com conhecimentos de soldadura.
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Há mais de quinze anos, um agente (dinamarquês, em Londres) da empresa onde eu então trabalhava, perguntava-me intrigado: Reparo que a maior parte das pessoas em Portugal compra e vende. Como é que vocês conseguem isso? Não me recordo da resposta que lhe dei, se dei alguma. Hoje talvez o mandasse falar com Mário Costa. Deve ser uma questão idiossincrática, e assim nos governamos.
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Muitos, mal, pelos vistos, a julgar pelas estatísticas. Mas não é por uma questão de falta de vocações científicas. O ambiente é que não lhes é propício por razões idiossincráticas, segundo Costa. Cientificamente, temos de admitir que ele pode ter razão.