Thursday, April 30, 2009

DINHEIRO VIVO

Dinheiro vivo e a saltar, que vem de onde não se sabe de onde e não se sabe onde vai parar, é o meio de pagamento dilecto de clandestinos e isaltinos. É com dinheiro vivo que são liquidadas as transacções que não deixam rasto. Grandes ou pequenas, tanto incluem pagamentos em restaurantes que não passam factura nem aceitam cartões de crédito, ou prestações de serviços que não liquidam IVA, como pagamentos de moradias milionárias. O dinheiro vivo é, hoje, frequentemente, um meio de pagamento "offshore": quem o utiliza (ou exige) pretende escapar às malhas da lei fiscal ou penal.
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Soube-se hoje que os partidos políticos representados na Assembleia da República aprovaram na especialidade, em tempo recorde e por unanimidade, uma nova lei de financiamento dos partidos políticos, das campanhas eleitorais e dos grupos parlamentares, que permite aos partidos poderem receber mais de um milhão de euros em dinheiro vivo.
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Um tal aumento, de cerca de 57 vezes o limite anterior, correspondente a mais de um milhão e duzentos mil de euros - de 22.500 para 1.257.660 euros — é, todavia, ilusório. Sem rastos de entrada haverá muito dinheiro vivo que não deixará rastos de saídas, o que se traduzirá na prática num fartar vilanagem sem o mínimo decoro nem résteas de vergonha.
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E a evidência de que já é assim, mesmo antes da lei ter sido aprovada, pode constatar-se na plantação desenfreada de cartazes enormes, que já começou, que tapam a visibilidade da paisagem impondo-nos as cabeças dos candidatos sem nos dizerem o que há dentro delas.
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O que seria inquietante, se não fosse banal, é a unanimidade vertiginosa conseguida à volta dos interesses próprios de todos os partidos votantes numa assembleia caracterizada geralmente pela irredutível incapacidade para consensualizarem leis quando estão em causa os interesses maiores do país.
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"Ando sempre com muito dinheiro no bolso. Habituei-me a isso. Estão a ver?" - disse Isaltino Morais em Tribunal, ao mesmo tempo que sacava de um maço enrolado de notas.
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Estão a ver, senhores deputados? Por onde pára uma nesga de força moral nesta país?

2 comments:

aix said...

"Sem rastos de entrada". Rui, acabo de ouvir na 5 a explicação de Alberto Martins, garantindo que todas as "entradas" privadas são contabilizadas através de uma contabilidade específica.Pode-se fugir? Bem,por esse raciocínio pode-se fugir a tudo(menos à morte,claro!).Brilhante o teu raciocínio de que, nas leis para o País, raramente há acordo, mas nas leis para os partidos não foi difícil obter a unanimidade!Abç

Rui Fonseca said...

Viva, meu Caro Francisco!

A propósito da "explicação" que referes, acabo de escrever "Democracia de Outdoors".

Faço o que posso. Não há espaço para mais, pois não?

Um abraço

Rui