Thursday, April 09, 2009

O PRESIDENTE NÃO PODE

Em finais de Outubro de 2005 escrevi aqui:
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O PRESIDENTE PODE
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“Se não for cobarde o Presidente pode…”
Leio esta frase na crónica dominical de António Barreto no “Público” do passado domingo, 23 de Outubro, e constato que ninguém reagiu ou eu não dei por isso. E, no entanto, a gravidade dos termos pareceria dever suscitar reacção equiparada. Nos tempos em que a defesa da honra se sobrepunha à defesa da vida, alguém teria obrigado AB a um duelo. Nos dias de hoje, contudo, o instinto de sobrevivência sobrepõe-se a tudo e a honra anda pelas ruas da amargura. Duelos, só verbais, e mesmo assim, com todas as cautelas, não vá alguém ficar arranhado.Algumas questões elementares se podem, no entanto levantar a propósito da acção possível do Presidente sobre, por exemplo, a decência na política em Portugal. Se o Presidente tivesse dirigido à Assembleia da República uma mensagem exortando aqueles que, vergonhosamente, apresentaram contas por viagens fictícias, a demitirem-se por peculato, os casos Marco de Canavezes, de Felgueiras, Oeiras e outras roubalheiras teriam acontecido? Se o Presidente tivesse, em nome da decência política, denunciado publicamente a contradição entre as promessas (de Durão) de não aumento dos impostos e a prática oposta logo que ganhou as eleições, aumentando-os, teria Sócrates procedido exactamente do mesmo modo passado pouco tempo, quando chegou o seu tempo? Se o Presidente tivesse exortado os agentes da Justiça a procederem de forma que a Justiça exista, teríamos tantos processos acumulados, tantos prescritos, tanta descrença, tanta falta de sentido de Estado? Se o Presidente, antes de promulgar, perguntar porquê, assistiríamos a esta corrida oportunista dos autarcas para salvaguardar o seu regime especial de reforma antes da entrada em vigor de novas condições, aproveitando o propositado relaxe das entidades por onde transitaram até chegar até ele?
Se o Presidente, eleito por sufrágio universal, usar todos os poderes que a Constituição lhe confere, não poderemos passar a viver num País mais decente, mais justo e mais próspero?
Para exercer tão alto cargo é preciso assim tanta coragem?
Não é. Basta cumprir o juramento.
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Volvidos mais de três anos, o tema continua pertinente porque a questão chave continua, aparentemente, sem resposta.
De um presidente que pouco mais detem do que o poder da palavra, a palavra do presidente tem algum poder?
Sou tentado, hoje, a reconhecer que tem pouco, a menos que utilize os poderes que a Constituição lhe confere de forma extremada, ou tudo ou nada. Ou se assume como oposição, se esta é flácida perante um governo duro, e, no limite, dissolve a Assembleia da República, ou tem de contentar-se a falar, frequentemente, para o boneco.
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Falou o PR do combate à corrupção e, no entanto, nenhumas medidas susceptíveis de aplacar a gula da hidra foram adoptadas pelo governo. Ainda ontem, mais uma vez, o chefe do executivo recusou peremptoriamente a concepção do crime por enriquecimento ilícito.
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Tinha ainda há dias o PR alertado o país para as consequências desastrosas de uma política de grandes investimentos públicos de retorno mais que duvidoso mas tudo nos leva a crer que as suas palavras cairão em saco roto. *
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Apadrinhou o PR o ex-futuro pacto sobre a justiça mas as tricas partidárias abortaram os consensos e a justiça promete continuar a arrastar a sua inoperância por muito tempo ainda.
Que pode fazer o PR a propósito da eleição do novo Provedor da Justiça acabando com a farsa que os partidos apostam continuar? Que pode fazer o PR para impor ordem num Ministério Público desacreditado? Que pode fazer o PR para a elevação da dignidade rebaixada da justiça?
Pelos vistos, quase nada.
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Mesmo quando os seus poderes foram diminuidos com o Estatuto dos Açores, a Assembleia da República coagiu-o a assinar contra vontade. Poderia ter dissolvido a AR, mas não pôde escusar-se a assinar o que esta lhe ditou. Pode mais mas não pode menos.
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Se daqui a uns meses o governo, por hipótese, não for suportado por uma maioria na AR, transferir-se-á parte do poder de S.Bento para Belém? Não é provável, nem desejável. Pior do que um PR sem poderes, além dos poderes extremos, seria a existência de um poder bicéfalo.
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O PR pode, realmente, muito pouco. A sua eleição por sufrágio directo deveria consentir a instituição de poderes mais alargados (como em França, por exemplo). Com atribuições tão mitigadas seria preferível que a sua eleição decorresse na AR e o regime fosse claramente parlamentar. Assim, nem peixe nem carne, permite ao PR usufruir de uma popularidade que nunca corresponde à valia real das suas funções.
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* Há muita gente que, perante esta posição do PR, relembre que, também ele, enquanto PM, teve a sua "política do betão". É, no entanto, importante também relembrar que, naquele tempo, Portugal estava carenciado de infraestruturas, carência que hoje deixou de existir em medida idêntica. Há nos investimentos públicos, como em tudo, uma lei de rendimentos decrescentes: o rendimento das primeiras auto-estradas é sempre, tendencialmente, superior ao das que se lhe seguem.

2 comments:

A Chata said...

O Presidente pode?
Não sei.
Será que quer?
É a dúvida que tenho, aliás acho que já a expressei aqui.

Aquela visita à Madeira, do sr Silva, como foi apelidado em tempos pelo anfitrião, em que a imagem que transpareceu foi a de um Presidente que viu e visitou aquilo que o chefe regional lhe quis mostrar sem qualquer manifestação de incomodo pelo facto, foi um sinal de que o Presidente, talvez, não queira (coisas que o ralem).

Vai dando uns alertas, aqui e ali,
recebendo este ou aquele.

Fazendo cavalo de batalha do estatuto dos Açores porque tira poderes aos Presidente e, apetece perguntar, quais poderes?

Já me apetece dizer, como a minha mãe, antes um Rei, além de ter mais 'glamour' custa menos dinheiro ao Estado (segundo 'nuestros hermanos').

Rui Fonseca said...

Cara Amiga,

Atendendo aos seus comentários alterei o título e acrescentei o episódio dos Açores.