Thursday, July 04, 2013

"ÀS VEZES HÁ MILAGRES"*

Caro A.,

Sabemos que não confias nas reflexões de Krugman e o consideras um académico demasiado enfronhado nas suas teorias não confirmadas pela realidade. Permito-me discordar. Krugman é um pensador prestigiado em todo o mundo que se expõe diariamente à crítica de todos quantos queiram refutar o que ele afirma. Uma lista colocada hoje no WSJ, (vd. aqui, citada pelo próprio Krugman como resposta aqueles que afirmam que ninguém presta atenção ao que ele diz)  atribui o primeiro lugar a Krugman entre os pensadores contemporâneos mais influentes.
 
O confronto Krugman-Reinhart/Rogoff é bem significativo da capacidade de Krugman para se apresentar a defender os seus pontos de vista sempre que a ocasião o desafia. E é verdade que Reinhert/Rogoff já reconheram alguns erros no paper que deu tanto que falar e escrever. Aliás, Reinhart afirmava há tempos em Lisboa que o tal paper não receitava a austeridade como remédio para  as crises e que, no caso português, provavelmente a receita não era recomendável. Reconheça-se, por outro lado, que Krugman ao opor-se à política de austeridade imposta pela Alemanha e companheiros do norte à Europa do sul não ignora que há um gravíssimo problema com as dívidas soberanos destes países. O que ele defende é que, ou a Alemanha muda de política ou acabará com a zona euro e a União Europeia.
 
É evidente que um país sobre endividado não pode crescer porque, a partir de certo limite, o custo da dívida excede de modo galopante o potencial de crescimento. Mas a solução não passa, ou não passa prioritariamente, por medidas de austeridade.
 
Quem trabalhou no sector privado (e refiro isto porque apontas a Krugman o seu alheamento da realidade empresarial) sabe que se uma empresa entra em situação de falência (incapacidade de pagar integralmente aos credores) aos fornecedores só restam duas hipóteses: ou desistem de parte ou da totalidade das dívidas e contabilizam os prejuízos ou acordam num plano de recuperação do devedor que pode incluir várias medidas, que, no entanto, passam sempre por conceder ao devedor, qualquer que seja a estrutura societária superveniente, condições de pagamento exequíveis.
 
Os países não são empresas mas as soluções não podem ser muito diferentes. No caso de Portugal o crescimento imparável da dívida passou há muito para lá do point of no return. Seria preciso que o crescimento económico ultrapassasse a taxa de juro implícita da dívida e o superavit da balança comercial ultrapassasse o défice primário. É isto possível? Eu não sei como.
Mas gostaria que alguém me explicasse.
Abc
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"Às vezes há milagres, afirma EC, a propósito de uma discussão à volta deste paper de Paul Krugman, e acrescenta "... A solução para o excesso de divida está na mutualização parcial pontual e extraordinária a par da retoma económica e da ajustamento em curso. Temos de substituir semanticamente AUSTERIDADE por RIGOR"
 

3 comments:

Pinho Cardão said...

Caro Rui:
Felicito-te pelo equilíbrio das tuas palavras. Quanto a Krugman, não o felicito tanto, nem pouco mais ou menos.

1. De facto, Krugman é um académico prestigiado, ninguém o nega, o que duvido é que seja um economista com soluções exequíveis. E falar dos EUA acerca dos problemas de Portugal é assim como eu falar dos problemas do Estado do Arkansas. Eu também sou capaz de dar solução a todos os problemas do Arkansa. E tu também.

2. Claro que ninguém nega a importância decisiva do crescimento da actividade económica como elemento essencial, todavia não suficiente, para minorar o problema da dívida.

3. Só que Krugman advoga, como keynesiano serôdio, que esse crescimento se faça através de mais despesa do Estado, logo mais dívida. Ora isso é um disparate completo, nas condições vigentes em Portugal. O crescimento tem que se fazer através do investimento privado, criando condições de atractividade, que passam pelo licenciamento, custos de contexto, burocracias, fiscalidade adequada e estável, justiça comercial pronta, parcerias da investigação tecnológica dos laboratórios públicos com empresas, com vista à inovação, no sentido de criar produtos novos susceptíveis de serem produzidos e comercializados. Em vez de uma investigação a gosto, que é o que agora acontece. Custo puro, apesar de lhe chamarem investimento.

4. O que acontece é que tudo isso está por fazer. Vivemos em perfeito condicionamento industrial, em que são os burocratas a decidir quando, onde e como investir. O que significa naturalmente que não há investimento.

5. Também o lóbi ecológico é um perfeito e absurdo travão a muita iniciativa. Prefere, por exemplo, uma Costa da Caparica até à Fonte da Telha suja e porca a criar condições para investimento de qualidade, com que todos ganhariam. Apenas um exemplo.

6. Se Krugman conhecesse isto e falasse disto teria o meu aplauso. Culpar a Alemanha pelas nossa incapacidade e exigir que se substitua às nossas responsabilidades é sempre fácil, cai bem, mas não resolve nem um dos nossos problemas.

7. Posto isto, também concordo que uma negociação global com a União Europeia é necessária. Uma negociação que ponha em relevo a economia e não apenas as finanças públicas. Ir por esse caminho, de querer salvar apenas as finanças públicas, destrói a economia e não salva as finanças. Pelo que o Memorando tem que ser revisto. Mas já propusemos essa revisão? Fizemos o nosso trabalho de casa?

8. Ainda neste plano, se a diminuição da despesa é obrigatória, combinar essa diminuição com aumento de impostos é erro crasso da troyca e do governo, dados os efeitos sobre a economia.

9. Portanto, caro Rui, temos muito que fazer, nós, não a senhora Merkel.

10. Curioso, como também já referi, que há uns meses, em Portugal, Krugman tenha dito que não via alternativa para aquilo que o governo estava a fazer. Outro erro de Krugman. Porque, por exemplo, nada do que deixei dito foi ainda feito. Há de facto algumas alternativas e propostas a fazer à senhora Merkel.

Depois é que poderia haver razão de queixa. Não agora.

Aliás, se se paga aos funcionários públicos e se os serviços públicos funcionam muito se deve aos 70 mil milhões, grande parte da Alemanha.
E por aqui me fico.

João Vaz said...
This comment has been removed by the author.
João Vaz said...

Gostei do comentário do sr. Pinho Cardão, exceto no que diz respeito ao "Lóbi ecológico" - aintes existisse, mas na realidade há pouca gente em posições chave a defender o ambiente e a sustentabilidade. O assalto aos recursos e o desperdício no seu uso são as causas da crise do mundo ocidental (a dívida privada dinamarquesa, sueca, holandesa, japonesa, ..são superiores à nossa e mostram que estes países vivem acima das suas possibilidades naturais - ver ainda a ecological footprint das economias mais avançadas )

Penso ainda que seria possível reduzir em muito as importações (desde carros novos, a iogurtes vindos da Polónia até combustíveis para quem anda a passear o carro...) e equilibrar a balança. Mas, para tal seria necessário algo difícl de alterar: hábitos e mentalidades