Tuesday, October 05, 2010

REPÚBLICA UM

A imagem mais saliente dos políticos da primeira República é o conflito verbal entre os grupos em que se fracturaram continuadamente as forças que deram o empurrão final ao caduco regime monárquico-liberal, também ele desacreditado por intermináveis confrontos de retórica que nada diziam ao país, analfabeto e pobre, dominado por clérigos manhosos, caciques comprados e fidalgos de meia tigela.

Foi essa mesma verborreia incontinente que abriu alas quando, em Maio de 28, os chefes militares decidiram tomar o poder e mais tarde chamar o professor de Coimbra para fazer o que eles não sabiam saber, e se instalou a ditadura que iria durar quase meio século.

Apodrecido desta vez por uma tão longa ausência de liberdade, o regime tombou quando os capitães lhe deram um ligeiro encosto. Após a revolução dos cravos, Portugal mudou muito. Mas mudou sobretudo à superfície. O Portugal socialmente desigual, corporativo, defronta-se hoje, quando se celebram os cem anos de implantação da República, com uma crise com contornos que inevitavelmente relembram a situação que conduziu à ditadura: a incapacidade dos políticos para, em democracia, sobreporem acima das suas querelas e dos seus interesses os intereresses do País.

Do discurso do PR de hoje no Largo do Município é o seu apelo "a um compromisso político de coesão nacional" e de "uma cultura de diálogo e de responsabilidade" que mais deveria ser ouvido e seguido pelos principais actores políticos e sociais. Porque a democracia não se garante com discursos desencontrados mas com esforços concertados para a ultrapassagem da crise. Ainda que muitos continuem a pensar o contrário em Portugal.

3 comments:

António said...

Isso era tudo muito bonito se houvesse interesse em ultrapassar a tal crise. Mas assim fosse, como seria?
Como viverão os políticos sem a dita crise? A nossa crise, entenda-se porque a deles não existe.
E não é democrático, pois não?

rui fonseca said...

Não entendo como é que aos políticos possa interessar a crise.

Aos da oposição, porque terão de se confrontar com ela quando forem governo.

Ao governo porque, por causa dela, correm o risco de passarem para a oposição.

À oposição que não será governo e capitaliza com a crise? O PCP e o BE? A crise acentua a polarização entre o PS e o PSD.


"E não é democrático, pois não?"

Quem?

aix said...

Nestas comemorações ouvi com muita frequência glosar o tema da comparação entre a situação aquando
da implantação da República e a actual.Nada de mais errado; é confundir suposições com supositórios.A história não se repete e quando se repete é tragédia.O que é que tem a ver a semelhança dos dois déficits(o de então e o de agora) com por exemplo
os dois índices de analfabetismo?
O grande erro dos da 1ª república foi fazerem a implantação sem curarem de fazer a implementação.
Para comparar as 'crises'(a de então e a de agora), se é que tal comparação é sequer possível,seria necessário analisar as condições. Pode-se comparar uma situação em que 80% são analfabetos (e outros tantos rurais) com a de agora?
O déficit é um número e os cidadãos
são pessoas. Acaso são comparáveis os níveis de vida? Aliás ainda não li em nenhum historiador que a revolução tivesse sido feita para baixar o deficit ou mesmo pôr as contas públicas em ordem. E mesmo que admitíssemos que a situação de agora é semelhante à de então o que poderíamos concluir? Racionalmente apenas isto: que há períodos de crise e que dois deles, por acaso,se deram num intervalo de 100 anos. E o que diz o António (que leio com atenção)é contraditório, se não me engano: se aos políticos interessassem as crises para delas viverem então os maus políticos seriam os que não provocaram crises.