Wednesday, March 02, 2011

ACERCA DO INSTRUMENTO EFICAZ

"Um dos problemas fundamentais que hoje condicionam o futuro da integração europeia é o facto de, com
a realização da moeda única, os Estados terem ficado quase completamente desprovidos de instrumentos de política para estabilizarem as suas economias. Um exemplo gritante é o da acumulação de défices em relação ao exterior por parte da economia portuguesa, sem que seja possível accionar pelas autoridades portuguesas o instrumento mais eficaz de combate ao défice externo que é a depreciação cambial"
J. Ferreira do Amaral (aqui)

J F do Amaral anda a dizer isto há anos. Aliás, JFA foi sempre crítico da adesão de Portugal à moeda única e, sobretudo, à taxa (elevada) de câmbio a que essa entrada se realizou. Coerência, portanto, não lhe falta. A coerência, contudo, pode levar ao lado errado ou não levar mesmo a lado nenhum.

Não registo aqui apenas as minhas discordâncias com JFA porque, como pode confirmar-se, por exemplo, aqui, também anoto quando ele, ou outros, dão uma para a caixa.

Quanto à persistência de Amaral na  lamentação da falta do instrumento eficaz - a desvalorização da moeda -, a minha apreciação não é de concordância nem de discordância, mas de perplexidade. Onde é que JF Amaral quer chegar com o lamento? Que se abandone o euro? Não recomenda.
Houve um tempo em que advogou a saída temporária mas presumo que já abandonou a ideia.

Admitamos, no entanto, que a saída se poderia fazer a custo zero. Deveríamos sair?
A grande vantagem do instrumento eficaz traduzir-se-ia, essencialmente, na redução dos salários reais dos trabalhadores ligados aos sectores de baixa e média tecnologia, por serem aqueles onde se observaram maiores perdas de competitividade. Quer isto dizer que, aqueles que vêm na desvalorização da moeda o instrumento eficaz para o relançamento da economia estão no fundo a advogar o modelo baseado na política de baixos salários, que, por outro lado, eles mesmos condenam.

Quanto deveríamos desvalorizar para elevar a competitividade monetária das indústrias que têm de competir em preço com as produções oriundas de países com custos de trabalho muito inferiores aos nossos, naqueles sectores em que mesmo, entre nós, ainda são baixos? Que nível de inflação é que essa política conduziria? E até onde chegaria o descontrolo orçamental se o jogo partidário não tivesse os árbitros externos que hoje levaram o primeiro-ministro a reunir em Berlim com Ângela Merkel?

A competitividade monetária suporta-se sempre num modelo de contenção dos salários reais aos níveis dos concorrentes nos sectores em que essa muleta faz falta. Há vários sectores industriais em Portugal que não requerem muletas. Antes pelo contrário, a moeda única induziu-os a procurarem, e eles procuraram, serem competitivos sem muletas.

Ao insistirem na desvalorização monetária como instrumento eficaz, JFAmaral & Cª. desviam a atenção de quem lhes dá ouvidos para os instrumentos que importa mobilizar e que, esses sim, são determinantes para o aumento da competitividade da economia. Desde logo o sistema de justiça. Enquanto em Portugal a Justiça não o for, enquanto a corrupção andar á rédea solta, a inimputabilidade dos agentes públicos e da função públicos persistir, a incumprimento dos contratos não for sancionado em tempo útil, a má utilização dos dinheiros públicos merecer reparos do TC mas não merecer mais nada, os processos mediáticos se esgotarem no mediatismo e prescreverem depois, enquanto os portugueses acreditarem tanto nos juízes como nos gambuzinos, Portugal continuará a ser uma terra de safe-se-quem puder, faz lá tu uma malandrice e deixa-me a mim fazer duas.

E a albergar-se quem pode debaixo do chapéu do Estado, que para albergar cada vez mais tem de ser cada vez maior, e onde a competitividade monetária não conta.

JFAmaral é professor catedrático. Portugal tem mais universidades por milhar de habitantes que qualquer outro país da União Europeia. Também temos mais cursos universitários que outro país europeu qualquer, e muito mais também que os EUA. Um dos instrumentos de aumento de competitividade passa também por aí. Sem desvalorizar a moeda.

2 comments:

fcaja said...

Acabo de lêr a notícia que dá conta de que o PSD, vai votar uma proposta para revogar um decreto-lei sobre reorganização curricular, mais uma para juntar a muitas reformas que são anuladas pelo principal partido da oposição. Há cursos superiores a mais, há escolas superiores a mais, mas como é que é possível alterar alguma coisa com esta oposição?

rui fonseca said...

Fcaja,

Estou inteiramente de acordo consigo.
Muitas intenções de reforma têm sido abortadas por mero revanchismo partidário.

O Cartão do Eleitor é outro exemplo. O Ministro quer acabar com ele. Mas as oposições querem, prioritariamente, acabar com o ministro.

Mas há muito mais.

Volte sempre.