Tuesday, March 22, 2011

ANGÚSTIA PARA DEPOIS DE AMANHÃ

O apelo angustiado de Mário Soares no DN de hoje seria uma angústia patética se Soares não fosse quem é: um político experimentadíssimo nas artes políticas de vestir com palavras convictas intenções ocultas.

Porque, lendo este apelo de Soares, ninguém poderá deixar de concordar que o velho senhor tem toda a razão: Cavaco deve, neste momento crítico da vida nacional, dizer o que importa ser dito. Uma crise política, que no caso de eleições antecipadas se prolongará até ao último trimestre do ano, na melhor das hipóteses, arrasará ainda mais o já debilitadíssimo corpo do país.

Mas basta, ou é pelo menos um factor desbloqueador do actual impasse, que o PR se dirija à AR e diga aos deputados o óbvio? Claro que não é.
Quanto muito, e é essa a intenção encoberta do apelo de Sócrates, ajudaria a justificar perante a opinião pública as acções e omissões do PM no processo que está na origem desta recaída grave das relações entre os dois principais partidos.
Note-se, a este propósito por exemplo, que Soares denuncia as pressões internas no PSD para a convocação de eleições mas omite completamente as intenções no PS e as responsabilidades de Sócrates no desencadear da recaída.

O PR deve intervir. Há muito tempo que escrevo isso mesmo neste caderno. E agora mais que nunca. Mas Cavaco Silva encontra-se enquadrado por uma moldura constitucional que limita os seus poderes aos de notário do Estado e a dissolver a AR, o oito e o oitenta. Os constitucionalistas que gizaram as estruturas fundamentais do regime e os que as alteraram conceberam um edifício absurdo: o de convocarem o povo à eleição por sufrágio universal de um presidente com uma intervenção condicionada a ser exercida nos extremos. Mário Soares poderia promover a abertura do debate urgente desta absurdidade.

Mário Soares poderia ainda, com a autoridade moral que todos lhe reconhecem, dizer que a governação do país exige um apoio parlamentar muito amplo e que esse apoio deve ser promovido pelo PR mas que só pode ser atingido se o actual secretário-geral do PS e PM estiver disponível para aceitar partilhar a definição dos objectivos necessários, dos meios para os atingir e a realização das correspondentes acções.

Porque Mário Soares sabe, toda a gente sabe, que a alternativa às eleições antecipadas é a renúncia de Sócrates à liderança obsessivamente isolada de um país sujeito a ameaças de todos os lados.

O problema com que o país hoje se confronta não é de agora. Repito-me pela enésima vez: Cavaco Silva não deveria ter dado posse a este Governo da forma expedita com que o fez, atendendo às condições já periclitantes da altura.
A partir do início dessa aventura com naufrágio anunciado, Sócrates convenceu-se que poderia governar como se dispusesse de maioria absoluta porque o mar era de rosas. E as oposições estariam dispostas a aceitar-lhe todas as decisões. Não estavam, e ele sabia bem, que não estavam, não tinham estado já quando ele dispunha de maioria absoluta e foi obrigado a recuar com inicitivas de reformas que as oposições, muitas vezes estupidamente, diga-se em abono da verdade, boicotaram.

Mário Soares poderia, se quisesse dar mais um grande contributo para a consolidação da democracia e evitar a angústia que o atormenta, falar com Sócrates: Zé, é tempo mudares. Ou mudas de estilo, e alargas a base de apoio de um governo que possa completar a legislatura,  ou pedes a passagem à reserva. Eleições legislativas antecipadas só te garantem lá para Outubro, na melhor das hipóteses,  uma situação tão ruim como aquela em que nos encontramos e tu teimas não reconhecer.

Mas também a lucidez de Mário Soares é obnubilada pelo clubismo que fomenta um maniqueísmo, que ele repudia mas que o infectou irreparavelmente há muito.    

2 comments:

fcaja said...

Está chegada a hora de Passos Coelho chegar ao pote!
A partir de amanhã e por uns tempos, vamos ficar muito pior e não sei se um dia destes, há dinheiro para pagar os vencimentos dos funcionários públicos, empregados de empresas do sector público e reformas!
O Pec4, foi imposto por Bruxelas e a partir daqui ponto final, é para quem quer.Eleições não resolve nada, porque tudo vai como está se não pior.

rui fonseca said...

"Eleições não resolve nada, porque tudo vai como está se não pior"

Lamentavelmente é muito provável que se continue assim.

Os políticos portugueses, de um modo geral, têm da política uma concepção de uma arte de permanente confronto. E com o aumento da exposição mediática esta exibição exarcerba-se até à náusea.

E nem sequer os perturba o facto de as pessoas terem cada vez mais uma impressão muito negativa deles.