Tuesday, March 09, 2010

FME

Caro O.T.,

Ouvi-te ontem afirmar que o que tanta gente afirma, mas eu discordo: "Os funcionários públicos têm perdido (ou não têm ganho?) poder de compra nos últimos dez anos".

O que só poderia ser verdade, e mesmo assim tenho muitas dúvidas, senão tivessem sido promovidos, na sua maior parte, vertical ou horizontalmente. Aliás, ainda há bem pouco tempo, o nosso Amigo E. nos fez chegar um artigo do Jornal Negócios que conclui pela subida de salários em Portugal, nos últimos dez anos, acima do crescimento do PIB situando o peso dos salários no PIB acima da média europeia. Ora o que se sabe é que estes anos de coabitação com o euro têm privilegiado os sectores não transaccionáveis (onde a função pública joga) em detrimento dos transaccionáveis, daí o desequilíbrio insustentável da balança comercial, o crescimento da dívida etc. Alguém, portanto, está comendo a mais de um queijo que não cresce. E esse alguém não são seguramente os que vêm as fábricas deslocalizadas para o estrangeiro.

Por outro lado, assiste-se a esta insistente repetição de que "os funcionários públicos não têm visto os seus salários aumentados" como se isso fosse uma coisa inadmissível. Ora o que pagamos aos funcionários públicos é o pagamento dos serviços que eles nos prestam. É bom não esquecer uma verdade elementar tantas vezes esquecida: quem paga aos funcionários públicos somos nós, não é o Governo. Assim sendo, se a riqueza que produzimos todos (o rendimento nacional) não cresceu na última década, porque bulas é que os funcionários públicos têm direito a um aumento na participação num bolo que porventura até encolheu?

A minha proposta, que já escrevi algures neste meu caderno de apontamentos, é que os aumentos do funcionalismo público (incluindo promoções) não devem exceder o crescimento do rendimento nacional. Seria mais equitativo, fomentaria a solidariedade entre os sectores produtivos, incentivaria a função pública a ser mais produtiva, evitaria que os sindicatos da função pública obtivessem através de manifestações de força aquilo que os trabalhadores dos sectores privados não conseguem. Porque o Governo (este e qualquer outro), já se sabe, é tentado a comprar os votos, quando precisa deles, com o nosso dinheiro.

Uma notícia publicada hoje* dá conta que "Eurolândia estuda criação de FMI europeu e reforço das exigências aos indisciplinados. E pergunta:"E se fosse a União Europeia (UE) a definir, um dia, a taxa de aumento dos salários da função pública dos países indisciplinados, o nível do investimento público ou mesmo dos impostos?"

Não seria preferível que Portugal autoregulasse a coabitação da sua economia com o euro? O PEC terá, se tiver, um horizonte de três anos. E depois?

*Eurolândia estuda criação de FMI europeu e reforço das exigências aos indisciplinados
E se fosse a União Europeia (UE) a definir, um dia, a taxa de aumento dos salários da função pública dos países indisciplinados, o nível do investimento público ou mesmo dos impostos?

3 comments:

Luciano Machado said...

Rui,
A reivindicação de aumento salarial é normal e legítima em qualquer parte do mundo.
Em Portugal fomos habituados a aumentos decorrentes da antiguidade seja por diuturnidades, por promoções automáticas ou outros mecanismos com identico fim, não só no Estado mas na maior parte dos contratos colectivos do sector privado.
Por outro lado, os funcionários sempre beneficiaram de regimes especiais (impostos, saúde, reforma, etc) que ultimamente lhes têm vindo a ser retirados.
Por tudo isto, quando se fala de progressão salarial, ganho ou perda de poder de compra deste sector há que fazê-lo com algum cuidado.
A realidade macroeconómica é por nós conhecida mas vá-se lá explicar isso a quem ganha 600 ou 700 euros por mês e não são poucos.

rui fonseca said...

Diz o meu Amigo Luciano M. que "a reivindicação de aumento salarial é normal e legítima em qualquer parte do mundo".

Normal será, mas apenas para aqueles que a podem fazer. E são sobretudo os sindicatos dos funcionários públicos que têm força para isso.Também é legal.
Quanto à legitimidade, discordo que ela decorra do costume e da lei, nestes casos.

Na realidade, e conforma é fácil demonstrar se um governo decide aumentar os funcionários públicos acima do crescimento do rendimento nacional está a previligiar um sector e a prejudicar outro. Se o crescimento é nulo ou quase, a transferência decorrente de um aumento ao funcionalismo público (ou às empresas cujos preços são regulados, não decorrrem do mercado)é sugado ao sector privado.

Há quem ganhe 600 ou 700 euros por mês no sector público? Claro que há. E no sector privado? Porque razão devem os que estão no sector privado pagar aumentos dos serviços públicos (sob a forma de aumentos do ordenados da função pública) acima dos aumentos do rendimento nacional criado por todos? É legítimo? Uma ova.

Ouvi hoje na Antena 1 o presidente da TAP dizer que a greve dos pilotos (que pode decorrer de uma reunião esta tarde) não faz sentido nenhum, é uma coisa do século passado,apenas compromte ainda mais os resultados da empresa.

Eu não diria tanto. Mas protesto a mesma. E protesto porque a TAP vive encostada ao Estado, portanto os aumentos que os pilotos reclamam tenho de ser eu pagá-los como contribuinte e não como passageiro. É legítimo. Por quê?

Transcrevo a seguir parte de um artigo publicado no Economist desta semana:

Perks and privileges
Even in the worst-hit countries, protests rarely come from the main victims of the crisis: the young, immigrants and temporary workers. Unemployment in Spain is close to 20%, but the loudest squeals have come from full-time workers arguing against raising the pension age to 67. Greek civil servants are mobilising to defend generous pensions that most of their countrymen will never enjoy. Other strikers include Greek tax collectors (whose bribe-taking is one reason why the country is broke) and taxi drivers furious over plans to make them issue receipts, keep accounts and pay taxes on their full incomes. Elsewhere, strikers have included French air-traffic controllers, said in a recent study by French state auditors to work fewer than 100 days a year—though nobody knows for sure, as their perks include shift patterns kept secret from senior management.

It is perhaps no surprise to find that organised workers in positions of privilege, including many in the public sector, fight the hardest and squeal the most in defence of their benefits. But European governments know that they have been living beyond their means—and so, deep down, do most voters. Besides, hypochondriac Europe is stronger than it thinks. German manufacturing has weathered the crisis quite well, partly because Germany’s economy has become more Anglo-Saxon in recent years than its political leaders care to admit. Poland avoided recession altogether. Italy has escaped any upsurge in its deficit. France’s companies are in better shape than its public opinion. Just look at Renault: despite being hauled over the coals, it continues to make more cars abroad than at home. Politicians need to hold their nerve and make cuts. They should also remember what doctors have always known: those who shout loudest are not always the ones in the most pain.

Luciano Machado said...

Caro Rui
Parece que vives noutro mumdo. É obvio que eu estou de acordo com as tuas preocupações e com a análise do Economist mas tudo isso não retira a legitimidade da reivindicação em si e atá da greve se forem respeitados os quesitos legais a menos que se suspendesse a democracia por uns tempos. E tu estarias de acordo com isso?
Direi mais, acho deplorável a anunciada greve dos pilotos da TAP embora tenha que reconhecer que, não sendo ilegal, é um direito que lhes assiste. Compete à direcção da empresa encontrar forma de sanar o conflito e em ultima análise ao governo pela aplicação dos mecanismos à sua disposição de salvaguarda do serviço público designadamente pela requisição civil. Ou há outra via?
Pode admitir-se a hipótese de que fosse a TAP privada isto não acontecia. Tenho dúvidas, mas como já foi anunciada a privatização cá estaremos para ver.
Abç
LM