A propósito da legalidade e da legitimidade das greves que comentei aqui, impõe-se-me clarificar melhor as razões pelas quais não confundo um conceito com outro.
A questão levantou-se a propósito das greves da função pública e da anunciada greve dos pilotos da TAP durante o período da Páscoa.
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Legitimidade e legalidade não são sinónimos ainda que tenham contornos em grande medida coincidentes. Legalidade, qualidade ou estado do que é legal, do que está ou é governado por uma ou mais leis (Houaiss) é um conceito objectivo ainda que a sua interpretação aplicada em casos concretos suscite frequentemente interpretações díspares, subjectivas, portanto; legitimidade, carácter ou estado do que é conforme à equidade, à razão, à moral, divina ou dos homens (Houaiss), remete para conceitos essencialmente subjectivos mas que por se sustentarem em valores consolidados permitem uma apreciação objectiva.
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Matar é ilegal mas há legalidade no acto de matar em legítima defesa. O que coloca, neste caso, um acto geralmente ilegal na alçada da lei é a sua legitimidade. É legal porque é legítimo.
Por outro lado, das imperfeições das leis, formais ou substantivas, decorrem aproveitamentos legais mas ilegítimos. Acontece frequentemente, por exemplo, na interpretação das leis fiscais, proporcionando a evasão fiscal legal, e, no entanto, ilegítima porque desconforme com a equidade, a razão e a moral prevalecentes.
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No caso da greve dos pilotos*, legal a todos os títulos, há falta de legitimidade porque dependendo a TAP dos impostos que pagamos as reinvindicações sindicais, com implicações monetárias, serão mais tarde ou mais cedo cobradas aos contribuintes e não aos passageiros. Não fosse a TAP uma empresa do Estado, a greve dos pilotos poderia ser ilegítima por outras razões (que não vale a pena agora analizar) mas não por iniquidade entre passageiros contribuintes e contribuintes não passageiros em resultado do pagamento pelo Estado de parte das suas reinvidicações.
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Quanto às greves da função pública elas são, indiscutivelmente, manifestações de força que por serem intermediadas por um tutor (o governo, com os seus próprios interesses, não necessariamente coincidentes com os intereses do Estado) de se apropriam de vantagens retiradas aos sectores sindicalmente fracos (do sector privado). São legais? São legais, mas os seus resultados são frequentemente ilegítimos.
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Devem proibir-se as greves? De modo algum. Devem esclarecer-se os contribuintes.
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*Greve dos pilotos da TAP pode custar 30 milhões ao Estado. Trata-se de um eufemismo: na realidade poderá custar 30 milhões aos contribuintes portugueses. Equivale a um aumento de impostos de igual montante, mas há pouca gente a dar por isso.
4 comments:
Bom dia Rui
Sobre a questão semântica claro que estamos de acordo o que acontece é que em geral os conceitos andam ligados considerando-se legítimo o que não é ilegal.
Também sei que é pelo aproveitamento de determinadas aberturas legais ou mesmo da ausência de normativo que surgem os grandes berbicachos como é o caso da recente crise financeira.
É claro que quando se utilizam procedimentos legais para atingir fins ilegais estamos perante a chamada fraude à lei que pode e deve ser punida.
Todavia, quando a avaliação de determinada matéria só se pode fazer a coberto de conceitos abstractos como os de ética, moral e equidade ela será sempre subjectiva e com sinais contrários sobretudo se estamos perante conflitos que opõem classes ou camadas sociais.
O risco que se corre é quando a avaliação de determinado facto ou comportamento, baseado nos tais conceitos abstractos, se quer sobrepor à lei ou mesmo fazer lei pelas próprias mãos como foi o caso do recente linchamento de um jovem de 19 anos algures em Viana do Castelo.
Sou pelo primado da lei e acho que tu também.
Então estamos de acordo.
Abrç
LM
Não Luciano, não é uma questão semântica. É uma questão económica com muita relevância.
Segundo leio na Internet, a greve dos pilotos da TAP custará ao Estado 30 milhões. Não contando os reflexos negativos sobre o turismo.
Ora não é o Estado quem paga, o Estado não paga nada, o governo não paga nada, quem paga somos nós, enquanto contribuintes. Trata-se de uma perda equivalente a um aumento de impostos mas há pouca gente a dar por isso.
Também discordo quando interpretas as minhas palavras como uma defesa de uma sobreposição de critérios subjectivos à lei, qualquer coisa como a defesa de uma justiça popular.
Ainda que a justiça entre nós seja cada vez mais impopular (e já não sei qual é pior, partindo do princípio que os agentes da justiça devem actuar em nome do povo) não é para aí, de modo algum, que me encaminho.
O que disse, e repito, é que os contribuintes portugueses deveriam saber, e a esmagadora maioria não sabe, é que estas coisas são eles que pagam.
O Estado, realmente, não existe, ainda que continue a crescer.
"No caso da greve dos pilotos*, legal a todos os títulos, há falta de legitimidade porque dependendo a TAP dos impostos que pagamos as reinvindicações sindicais, com implicações monetárias, serão mais tarde ou mais cedo cobradas aos contribuintes e não aos passageiros."
Mas todas as greves (ou melhor, todas as reivindicações grevistas) são supostas ser pagas pelos acionistas da empresa (o que no caso das empresas públicas corresponde aos cidadãos do país), não?
"Mas todas as greves (ou melhor, todas as reivindicações grevistas) são supostas ser pagas pelos acionistas da empresa (o que no caso das empresas públicas corresponde aos cidadãos do país), não?"
Claro que não, Miguel Madeira.
Nas empresas que não vivem encostadas ao OE e têm de se defender nos mercados da concorrência os custos das greves são cobradas aos accionistas e aos grevistas, dependendo dos factores de equilíbrio prevalecentes.
No caso da TAP e das greves dos pilotos a cobrança é feita aos contribuintes.
Confundir contribuintes com accionistas não faz sentido nenhum.
Só é accionista quem quer, contribuintes somos todos, salvo os que ilegalmente se escapam.
Não vê a enorme diferença?
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