Monday, March 01, 2010

ACERCA DA DEMOCRACIA

Não li o estudo de André Freire e Leite Viegas*.
Porém, a julgar pelo artigo publicado Público, do enfoque da análise realizada - representação política - dificilmente se poderá avaliar a confiança dos portugueses na democracia.
A desconfiança na democracia não decorre, certamente, do maior ou menor ajustamento do perfil político dos eleitores com os eleitos porque geralmente o eleitor partidário encontra sempre bons argumentos para continuar a acreditar no seu clube, apesar de nem sempre se rever nas posições assumidas por alguns dos seus membros. A esmagadora maioria dos portugueses vota sistematicamente no mesmo partido, ainda que muitas vezes possa discordar com algumas posições assumidas por alguns dos seus membros. Uma minoria, que não obstante é muitas vezes decisiva para os resultados eleitorais, é flutuante mas o seu voto não vai, normalmente, ao encontro de determinado perfil político com o qual se identifique (porque nesse caso seria partidário) mas de trajectórias ( contraditórias entre si) que os flutuantes entendem favorecer.
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Não. A confiança na democracia, que provavelmente bateu no fundo, esboroou-se pelo descrédito na Justiça, pela corrupção à solta, pela evidente incompetência de muitos eleitos e de muitos nomeados para altos cargos da administração pública. Poderá a eleição por círculos uninominais contribuir para a recuperação da confiança perdida?
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A tradição de caciquismo em Portugal tem raízes profundas que nunca foram completamente erradicadas e continuam a dar frequentemente amostras de afloramentos. Eleições uninominais poderão, por esse motivo, determinar ajustamentos de interesses mesquinhamente locais e não serão, só por si, causa de maior confiança democrática, podendo mesmo gerar conivências generalizadas que abalarão ainda mais a democracia portuguesa.
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Confiança na democracia bate no fundo

"Representação política - O caso português em perspectiva comparada", estudo organizado pelos politólogos André Freire e José Manuel Leite Viegas, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE.
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Este é o trabalho mais exaustivo que compara as opiniões e percepções entre eleitores e eleitos jamais feito em Portugal, em 2008, através de inquéritos à população e aos deputados. Uma conclusão prévia: as legislativas de 2009 confirmaram a aversão do eleitorado a uma maioria absoluta de um só partido, retirando-a ao PS. "Embora isso tenha outras explicações, a começar pela crise económica", afirma André Freire, co-autor do estudo, agora editado pela Sextante. Freire confessa que não ficou surpreendido com os resultados: "Por exemplo, que o eleitorado é alinhado à esquerda". No capítulo da ideologia e representação política, algumas conclusões interessantes: PS e CDS têm níveis de congruência elevados entre eleitos e eleitores. Ou seja, o posicionamento dos eleitores coincide com o do partido, embora ligeiramente mais à direita do que os seus deputados. As maiores diferenças são no PSD. Os deputados "laranja" estão mais à esquerda do que o seu eleitorado. E quem vota CDU ou Bloco posiciona-se mais à direita do que os seus representantes no Parlamento. Mas há algo que é incontornável: os portugueses estão muito insatisfeitos com a democracia. "Não se sentem bem representados e esse sentimento tem vindo a aumentar." Desde 1985, a satisfação regista o seu nível mais baixo em 2008. Mas os eleitores não colocam em causa a legitimidade democrática dos eleitos. Ou seja, os portugueses são democratas insatisfeitos, mas democratas, apesar de tudo. Ainda assim gostariam de participar mais, apesar do papel preponderante dos partidos no sistema político. Freire arrisca mesmo dizer que nos últimos anos "os partidos tornaram-se meros instrumentos dos seus líderes". Nas últimas semanas, exemplificou, num cenário de crise política, "falou-se logo em eleições" e o PS sentiu necessidade de "tocar a rebate em torno do líder". "Mas os eleitores votaram no PS e nada impede, como acontece noutros países europeus, que o PS indique outro primeiro-ministro", afirmou. Na política não há receitas únicas - "não há soluções que não tenham desvantagens" -, mas Freire retoma a ideia de uma reforma: a votação em lista semifechada. Um sistema misto, com um círculo nacional, e listas regionais. Por outras palavras, o eleitor votaria no partido na lista nacional, mas poderia optar também por votar num determinado candidato. O que obrigaria os partidos a "um esforço suplementar" nas suas escolhas. Tanto que, no estudo, os inquiridos reclamaram uma maior participação na escolha dos deputados. As maiorias absolutas é que são pouco desejadas pelos eleitores. Embora PS e PSD as defendam. Nos partidos mais pequenos, a preferência é para coligações. Percebe-se porquê, num país em que, após o período revolucionário, só o CDS chegou ao poder em coligação - com PS e PSD.

2 comments:

aix said...

Não li o livro mas, pelas citações que fazes, não fiquei com muito apetite para o ler. Algumas:
-«as legislativas de 2009 confirmaram a aversão do eleitorado a uma maioria absoluta de um só partido, retirando-a ao PS».E quando lhe deu a maioria também tinha aversão?
-«PS e CDS têm níveis de congruência elevados entre eleitos e eleitores».O votante é sempre congruente com o votado se não não votava(mesmo que contrariado).
-«As maiores diferenças são no PSD.Os deputados 'laranja' estão mais à esquerda do que o seu eleitorado».Uns estarão outros não. Como sabê-lo? O deputado Guilherme Silva é mais
'esquerdista' do que os seus eleitores? Não creio.
-«E quem votou CDU ou Bloco posiciona-se mais à direita do que os seus representantes no Parlamento».Que eles nem leiam isto! Nem a mais frágil das provas - a da evidência - resiste a afirmação sem qualquer fundamento.
-«Há algo que é incontornável: os portugueses estão muito insatisfeitos com a democracia».
A questão do regime nunca foi sufragada: nem a monarquia, nem a república, nem a democracia. E, quando o for, se o for, só poderemos concluir: 'alguns portugueses estão muito insatisfeitos (ou satisfeitos)com a democracia'.Fico com a ideia de que os AA fazem uma coisa a que os brasileiros chamam 'confundir suposições com supositórios'.
Mas amanhã falamos...

rui fonseca said...

Caro Francisco,

Por aquilo que se lê no Público as conclusões parecem frouxas.

A mim, parece-me que a insatisfação decorre sobretudo da incompetência que as instituições, e muito particularmente a Justiça, têm mostrado.