Sunday, March 21, 2010

SE

O se tanto pode ser inconsequente como revolucionário, consoante se debruce sobre o passado ou perscrute o futuro. Afirmar que se não tivéssemos aderido ao euro ou o tivéssemos feito com uma paridade menos elevada a economia portuguesa estaria hoje melhor defendida e menos estagnada é afirmar o indemonstrável, porque a história não se rebobina nem é suceptível de outra montagem. O que lá vai, lá vai. É verdade que vários teóricos afirmaram, e continuam a afirmar, a inexequibilidade de uma moeda única num contexto político não integrado enquanto outros acreditaram, e acreditam, no contrário. Conclusões científicamente comprovadas, mesmo com o carácter transitório de todas as conclusões humanas, não existem, porque nunca se poderão dominar dados dinâmicos sugeridos por uma teia infindável de ses. Se a minha avó não morresse ainda hoje era viva é irrebatível porque invoca a única certeza humana.
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Já o se voltado para o futuro é a única atitude que germina progresso. Sem o se só há rotina e adiamento. Se não faz sentido regressar ao passado para moldar um presente diferente é imprescindível equacionar o futuro quantificando os efeitos prováveis dos ses actuais em confronto. Se Portugal abandonasse o euro e voltássemos ao euro ganharíamos ou perderíamos com a troca?, não é uma questão absurda mesmo que não seja, por enquanto, levantada por qualquer das forças políticas representadas no Parlamento. Se a situação económica continuar a degradar-se a ponto de degenerar em conflitos sociais imparáveis, o euro surgirá mais tarde ou mais cedo como o bode expiatório a abater abarbatado pelo demagogo do dia.
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Por aqui ainda não foram feitas as contas que possam desarmar os argumentos jogados como quem joga entre amigos, à cavaqueira. O que me espanta é a discussão entre académicos (em inglês, o que lhes pode dar distância mas não dará consistência) não respaldada em algarismos.
Há quatro anos, quase no início deste caderno de apontamentos, ouvi umas palestras promovidas pela Associação de Antigos Alunos da minha escola. Comentei, então, por exemplo, aqui e aqui, algumas questões levantadas pelas exigências e as restrições que a participação no euro colocava à economia portuguesa. Já nessa altura estranhei a falta de reflexão sobre o assunto por parte dos nossos académicos. À afirmação de que a nossa adesão tinha sido prematura e a taxa de câmbio muito desfavorável perguntei que vantagens poderíamos retirar agora (e então) de uma discussão sobre um facto irreversível mas fiquei sem resposta. À afirmação de que só saindo do euro poderíamos repor a competitividade da nossa economia, perguntei como, e a resposta foi dúbia: agora, é difícil, admitiu o professor. Mas se saíssemos que ganharíamos com isso? Não quantificou. Depois disso, mas não quero acreditar que por causa disso, modelou o discurso e amarrou-o ao passado.
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Como referi, pelos vistos aqui também não há contas ainda que as parcelas consideradas se resumam ao défice energético. E os outros?
O alimentar, por exemplo. Hoje comprámos batatas espanholas, feijão verde marroquino, pão de trigo de onde? Os têxteis e o calçado made in Portugal que percentagem de matérias-primas incorporam? O peixe importado de Espanha servido a turistas espanhóis no Algarve que valor acrescentado incorporam? Se a nossa moeda fosse o escudo a nossa competitividade naqueles produtos e serviços que incorporam importações aumentaria quanto? Teríamos uma balança alimentar equilibrada por aumento da competitividade da produção nacional?
Parece que ninguém sabe.
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E quando não há contas impor-se-ão os argumentos demagógicos.

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