Monday, June 19, 2017

FOGO!, GRITARIA O CERCOPITECO

O que tem a linguagem humana de tão especial relativamente às formas de comunicação dos outros animais? Há 70 mil anos "um cercopiteco podia gritar aos seus camaradas "Cuidado! Um leão", mas um ser humano ( ) podia, (na mesma altura)  dizer aos seus amigos que, naquela manhã, perto da curva do rio, viu um leão a seguir uma manada de bisontes. Podia descrever a localização exacta, incluindo os diferentes caminhos que conduzem a essa área. Com tal informação, os restantes membros do bando podiam reunir-se e debater se deviam aproximar-se do rio para afugentar o leão e caçar os bisontes" - História Breve da Humanidade - Árvore do Conhecimento / Yuval Noah Harari

Leio aqui (notícia de 10/11/2016)  que "vão ser instalados sistemas de videovigilância de prevenção de incêndios a partir de 2017 e que esta instalação estará concluída em 2019" mas que "até à instalação, entrada em funcionamento e teste real dos primeiros sistemas (de vídeo vigilância), a rede nacional dos postos de vigia não será alterada. Os postos de vigia são da responsabilidade da GNR e durante a fase crítica em incêndios florestais estão a funcionar 236."

A GNR, entidade coordenadora das acções de vigilância, detecção e fiscalização no âmbito do sistema nacional de defesa da floresta contra incêndios, conhecedora do elevado grau de risco de incêndio da mancha florestal na área em que perderam a vida 62 pessoas e quase centena e meia ficaram feridas, tinha certamente instalados postos de vigia naquela zona.

Se assim for, e não vejo razão nenhuma para que não seja, volto à pergunta que ontem me assaltou quando ouvi a notícia na Antena 1 e que anotei aqui: "se havia gente nos postos de observação de fogos, activos e atentos, quando o fogo deflagrou, se observaram o início e a progressão do fogo foram avisadas imediatamente, entre outros, as entidades que poderiam ter encerrado as entradas nos fornos crematórios em que, provavelmente, se iriam transformar as principais comunicações rodoviárias naquela área?" 

Esta a questão chave que não pode deixar de ter uma resposta. 
Porque até um cercopiteco sabe, por uma questão de sobrevivência, avisar o grupo "Cuidado! Fogo!". 
Porque hoje a tecnologia de comunicações disponível, desde os satélites até aos telemóveis, passando pelos media capazes de comunicar em tempo real, rádio e televisão, constituem uma parafernália de alcance quase inesgotável.  
E, no entanto, quando as estações de rádio e televisão iniciaram a transmissão de notícias já o fogo estava incontrolado, tinha assaltado as comunicações rodoviárias, as vítimas já tinham caído na emboscada do crematório. 


David Dinis, director do Público brinda-nos em cada manhã com a oferta de um resumo das ocorrências, aqui e no mundo, "enquanto dormimos". Esta manhã, a propósito das 62 vidas caídas anteontem perguntava Porquê? a iniciar o que, para memória futura, transcrevo a seguir. 
Interrogo-me porquê entre um número muito significativo de jornalistas ou colunistas parece escapar a pergunta que considero mais pertinente: A informação que podia ter poupado tantas vidas e permitido uma estratégia de ataque ao fogo, falhou. Porquê?
Por que é que os media, tão disponíveis para transmitir horas e horas e horas seguidas as mesmas imagens de horror não anteciparam o que era altamente provável - não há verão sem incêndios, sabia-se que as temperaturas iam atingir níveis elevados e aquela mancha florestal é das mais sensíveis - não se colocaram alerta e a postos para saberem notícias junto de quem tem responsabilidades pelos postos de vigilância, detecção e fiscalização no âmbito do sistema nacional de defesa da floresta contra incêndios. 

Há responsáveis. Não nos façam crer do contrário.





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Porquê? 

 Porquê? Pelo menos 62 vezes "porquê?". Andamos há anos e anos — 50 anos pelo menos — a ouvir os especialistas dizer a mesma coisa. Todos os anos perguntamos, todos os anos nos respondem que agora vai ser diferente. Nunca é. Porquê? 


Como escreve a Ana Fernandes, no texto que lança o nosso trabalho sobre Pedrógão, que é também sobre a maior das nossas tragédias, os incêndios: “Não há rigorosamente nada de novo a dizer. Já tudo foi estudado, explicado e escrito na última década e meia. Houve comissões para todos os gostos e feitios. E foi feito muito trabalho sério. Faltou tudo o resto.” E de novo perguntamos: porquê?
Na procura das respostas a esse porquê, é preciso começar por este texto: "O que é que falhou neste sábado? Tudo, tal como falha há décadas". E é preciso seguir caminho pelo Pinhal Interior (colonizado pelo eucalipto), para perceber melhor o que escreve o Manuel Carvalho ("Um desastre a interpelar o nosso futuro"), a pergunta de Henrique Pereira dos Santos ("Imprevisível?"), a de Fernando Santos Pessoa (“Estás a ver no que dá terem acabado com os Serviços Florestais?”) ou estas respostas de Paulo Fernandes às nossas primeiras dúvidas ("O mínimo era que encerrassem estradas a tempo e horas"). As nossas dúvidas não acabam: como lidar com os campos ao abandono? E teria sido possível evitar esta tragédia? 
E vamos ter que voltar atrás, às horas mais terríveis, para respondermos ao porquê: hora a hora, em Pedrógão, como foi? E ler também o que é a trovoada seca, que se diz ter sido o causador do incêndio. Mas o nosso "porquê" continua aceso. Porque não chega um raio seco para explicar como aquela imensidão de território passa do paraíso para este inferno, visto pelas lentes do Paulo Pimenta. Para explicar o que viu e ouviu a Patrícia Carvalho ("Começou a chover lume e Dora pediu a Dulce que lhe levasse os filhos para os salvar"), a Sandra Rodrigues e o Adriano Miranda (“Num segundo as chamas estavam a quilómetros, noutro já estavam em cima de nós”), ou a Liliana Valente ("não têm casa por uma noite ou não têm casa de todo?").
Na sua hora mais triste, o país juntou-se para ajudar os sobreviventes. A entreajuda, de que fala o Rui Tavares, aconteceu em tal dimensão que a ministra já veio pedir para que não se mande mais comida. Mas não é só de alimentos, que as famílias e bombeiros precisam: ainda há muito que podemos fazer , antes mesmo de nos dedicarmos a "devolver ao mundo a sua normalização", como explica o Márcio Berenguer, com a ajuda dos que ajudaram a recuperar dos incêndios na Madeira, no Verão passado.
Com o país de luto face à tragédia, com o Presidente a pedir que se adiem as "interrogações", nós continuaremos por aqui. A registar as primeiras páginas (nossas e as de lá de fora), a anotar textos na concorrência que vale a pena ler, a acompanhar tudo ao minuto. A fazer a pergunta que tem muitas perguntas dentro: "porquê?". Porque já são anos demais a fazer o luto. Porque não podemos repetir a mesma pergunta outra vez. Porque só assim Portugal poderá, sem medo nem vergonha, voltar a olhar-se ao espelho. Porque é esta a nossa missão: fazer perguntas, até que alguém nos responda.

---- (20/6)

Dúvidas, muitas dúvidas sobre Pedrógão (e o que vem de trás)

Voltando à pergunta de ontem, já com as primeiras respostas:
Porquê?
Por que é que estivemos tanto tempo parados? Conta-nos a Maria Lopes hoje que o Plano contra incêndios não é avaliado há quatro anos - e que o último andou perdido até ela fazer perguntas ao Governo. Acrescenta ela que hoje será publicado o último desses relatórios, relativo ao ano de... 2012 (e que todos os outros terão sido pedidos por estes dias). Mas há mais: as novas leis para proteger a floresta (e afastar o eucalipto) estão presas na Assembleia desde Abril - e já não vão ser aprovadas antes de os deputados irem de férias (essa história também está aqui).
Entretanto, a 
área ardida deste ano já é 12 vezes superior ao mesmo período de 2016. E o incêndio de Pedrógão já é o maior de sempre em Portugal. E o ministro da Agricultura, o que fez ontem foi isto: anunciou 20 novas equipas de sapadores florestais, que já tinha prometido em 2016.
Por que é que isto aconteceu em Pedrógão? O Governo reconheceu ontem à noite que pediu uma investigação sobre algumas falhas prováveis no terreno, no último sábado: a falha no sistema de comunicações, que ainda nem está a funcionar; e a falha no fecho de estradas, que chegou tarde demais.
Mas há outras questões que precisam de respostas claras. Dois exemplos: será verdade, como dizia o Expresso de ontem, que Marcelo foi para o centro de operações e 
o encontrou num caos? Como é que se explica que o IPMA não tivesse registo de trovoadas no sábado? Politicamente, disse ontem o líder do PSD, chegará o momento em que as perguntas também vão ser feitas. A nós, jornalistas, cabe a tarefa de as fazer desde já.
64 vezes porquê. Tantas vezes quanto o número das vítimas que Pedrógão fez. Mais do que essas, porque há histórias de sobreviventes que serão sempre vítimas, como Mário - o homem que mandou a mulher e as filhas fugir do fogo e as viu morrer (“Por que é que eu me fui salvar?”, conta ele à Natália Faria, no início de uma reportagem que nos deixa a chorar por dentro). E porque há nomes e histórias por trás dos números das vítimas de Pedrógão Grande, que começamos agora a conhecer. 
É por isso que, no Editorial de hoje, deixamos sete perguntas que vamos repetir até termos as devidas respostas. Porque não é por memória às vítimas que o jornalismo deve fazer silêncio - é por honrar a sua memória que não se pode calar.
Sobre esta tragédia que vai demorar a sair das nossas vidas, vale a pena ler também a Opinião que aqui temos: o "Basta!" de Bagão Félix, as "Notas dos e nos dias da devastação" de Paulo Rangel; o "Começar do zero" do Miguel Esteves Cardoso; o pedido de João Camargo para "Tirar a floresta das mãos do eucalipto"; e o do João Miguel Tavares: "Deixem-se de lágrimas de crocodilo". E também a nota do António Guerreiro sobre "As vítimas dos incêndios e da televisão".
A informação continua a ser actualizada, minuto a minuto, neste texto - acreditando a Protecção Civil que o incêndio será dominado em 24 horas. O registo das últimas 36 horas ficará aqui, para memória futura.


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